PORQUE VENCEU E PORQUE SE
PERDEU A I REPÚBLICA - APRECIAÇÃO PESSOAL
Segundo Fernando Rosas, a
vitória da 1ª República deve ser analisada no contexto de modernização
portuguesa e europeia que marca o final do século XIX, num plano político
internacional caracterizado pelo sistema liberal oligárquico, subsidiário das
revoluções liberais, que começa a entrar em crise, já que o quadro geral é de
mudança.
A industrialização do século
XIX leva o operariado às cidades que se constituem em massas reivindicativas
sem direito a voto. Estes, em larga maioria muitos analfabetos, constituem as
primeiras associações de classe e integram o recém-formado Partido Socialista.
Ao mesmo tempo a
terciarização da vida urbana, com a criação de bancos, seguradoras, empresas de
import-export, das novas indústrias de ponta: a construção civil, os
transportes urbanos, os telefones, o telégrafo, a iluminação pública, o gás de
cidade, dá origem a todo um conjunto de categorias sócio profissionais novas.
Esta classe média urbana, onde aparecem a diversificar o tecido social, os
engenheiros, arquitetos, médicos, empregados de escritório e amanuenses, mas
também caixeiros, marçanos, moços de recados, pequenos funcionários e modestos
empregados, vendedores ambulantes, sargentos e cabos das Forças Armadas que
pouco se distinguem dos operários, requerem um novo estatuto político.
O rotativismo entre o
partido regenerador e o progressista, com o rei a deter o poder moderador não
responde às aspirações mais prementes desta massa social.
Em 1876, num jantar,
constitui-se o Partido Republicano, que vem, depois, a formalizar-se em 1881,
agregando um grande número deste bloco social de classe média e operariado
descontente.
Com efeito, o sistema
monárquico não responde a esta nova realidade, onde só votam os homens que
sabem ler e escrever e os que pagam censo, logo, apenas, os proprietários.
Na verdade, o exército que
se dispersa às primeiras horas da revolução é constituído por este grupo
social, ao contrário da Marinha que é mais ilustrada e próxima dos ideais do
operariado.
O Partido Republicano agrega
diversas tendências - apresenta três vértices – a corrente legalista,
reformista.; uma outra ala que apoia e organiza a Revolução – a Carbonária,
ramo popular da Maçonaria, e esta mesma, uma associação discreta, formada por
grupos mais ilustrados.
Efetivamente a Carbonária,
fundada em 1895 é a ala plebeia da Maçonaria. Tem origem italiana, e chamam-se,
uns aos outros “bons primos”; os irmãos eram os “rachadores” .
É a Carbonária que se impõe
como organizadora da revolução.. Na Margem Sul, declarou-se a República logo no
dia 4. Na cintura de Lisboa, a Carbonária toma o poder de véspera, sem nenhuma
dificuldade. Em Lisboa é que há resistência, já que é onde está o rei e as
Forças Armadas. É a esta organização que obriga o Partido Republicano a ir para
a revolução! É a Carbonária que pressiona o diretório.
A Carbonária alcançara, em
Junho, o aval da direção da Maçonaria, a qual nomeou, em meados do mês, uma
comissão de resistência à qual pertenciam José de Castro (grão-mestre-adjunto),
Miguel Bombarda, Machado dos Santos, Francisco Grandela. Esta comissão agrega
dois membros do diretório: António José de Almeida e Cândido dos Reis. António
Maria da Silva, mais tarde.
O diretório do PRP deu luz
verde à insurreição a 25 de Setembro, ficando Cândido dos Reis como comandante
chefe da revolução.
No entanto, Miguel Bombarda
foi assassinado fortuitamente a 3 de Outubro, o que desmobilizou a organização,
já que estava tudo marcado para a madrugada do dia 4/5 de Outubro, quando fosse
disparada uma salva dos cruzadores ancorados no Tejo.
Machado dos Santos sem saber
de nada, vai de elétrico, todo engalanado, continuar com o plano inicial:
tomar a Infantaria 16 à uma da madrugada e dirigir-se para a Artilharia 1,
juntando-se ao capitão Palla que, também dominava o quartel. Para aqui também se
deslocou o capitão Sá Cardoso, às ordens de Cândido dos Reis.
Os dois capitães, pensando
que os outros quartéis também estavam amotinados (Infantaria 2; Caçadores 2,
Infantaria 5, Caçadores 5) organizaram duas colunas para tomar o Palácio das Necessidades,
onde se encontrava o Rei e o Quartel do Carmo. No entanto, em breve, se dão
conta que estão sozinhos e perseguidos por forças monárquicas. O plano
fracassara no que respeita ao exército.
No entanto, tinham
acontecido levantamentos no quartel de marinheiros e em dois cruzadores, o
Adamastor e o São Rafael. Mas Cândido dos Reis não conseguira embarcar para
bordo do ”D. Carlos”, o navio-almirante, e desta forma não conseguiu dar o
sinal combinado à hora marcada, 3 horas da madrugada. Convencido do fracasso da
revolução, Cândido dos Reis suicida-se.
Mas, a resistência continua
no quartel-general na redação da “Luta”. Entretanto, as duas colunas de Palla
e Sá Carneiro, impossibilitadas de avançar para os seus objetivos, convergem
para o Rato e são forçadas a subir até à Rotunda, onde se encontra com a
pequena força de Machado dos Santos.
Às 5 da madrugada está aí
entrincheirado o que resta do exército insurreto.
Quando chega a notícia do
suicídio de Cândido dos Reis, Sá Cardoso convoca um Conselho de oficiais e
retira-se, com a maioria. Fica, apenas, Machado dos Santos com alguns sargentos
e cadetes. Na verdade, segundo Pulido Valente, só ele como membro da direção
da Carbonária teria noção da força dos seus efetivos. São estes membros que ao
longo da manhã evitam o estrangulamento da insurreição e estabelecem as
comunicações com o Quartel de Marinheiros e a Artilharia 1. Isto permite que ao
longo do dia 4, civis e militares rebeldes, fundamentalmente soldados e
militares de baixa patente ou alunos da escola do Exército dêem luta. Na tarde
desse dia, as forças monárquicas a ocupar o Rossio hesitam antes de atacar a
Rotunda. O fogo da Rotunda, cruzado com o da Artilharia 1 explica que tal
ataque não tenha resultado. Depois de um reforço no quartel de munições,
dirigindo-se ao Terreiro do Paço, ocupam posições nas costas do exército
monárquico. A iminência de um desembarque em massa, inverteu as posições. O rei
fugiu de Lisboa para Mafra e daqui para a Ericeira e depois para Gibraltar e
Inglaterra.
Às 22 horas, o próprio navio
“ D. Carlos” cai nas mãos dos republicanos.
Ao longo da madrugada as
forças monárquicas vão-se rendendo.
Às 8 da manhã, a população
ao ver a bandeira branca hasteada no Rossio, interpreta mal o seu significado,
crê consumada a capitulação monárquica e invade toda a baixa lisboeta,
inviabilizando qualquer reação. A artilharia monárquica mostrou-se inoperante.
Apenas, Paiva Couceiro resistiu e procurou desalojar, em vão, os homens da
Rotunda.
Na província, como previra
João Chagas, a República, foi implantada por telégrafo. Não se registou
resistência significativa.
Se a proclamação da República foi fácil, não
o foi a democratização do sistema político, nem a resolução da questão social,
o que levou ao descontentamento e ao descrédito da classe política, começando a
vingar a crença que só um governo forte e monolítico salvaria a situação.
Efetivamente, ainda segundo Fernando Rosas, a República comete quatro
erros fatais:
2 – A Igreja era o esteio ideológico do
antigo regime, mas a Lei da Separação da Igreja do Estado, sobretudo a
expropriação exagerada e a intrusão nas nomeações dos cargos religiosos e publicações
e a supressão de práticas populares vão ser uma grande machada de
impopularidade, mobilizando o mundo rural contra a República.
3 – A traição das promessas feitas ao
movimentos operário. Afonso Costa era conhecido como “racha-sindicalistas”. A regulamentação
da Lei da greve que não permitia os piquetes e simultaneamente, permitia o
lock-out. Por fim, a inauguração de alguns métodos repressivos, depois
retomados pelo Estado Novo, como a perseguição e deportação de ativistas
sindicais; a supressão de jornais, enquanto a Lei das oito horas de trabalho,
dos Seguros Sociais e dos Bairros operários não foram conseguidos.
4- A espantosa aventura da participação de
Portugal na 1ª Grande Guerra que criou a impopularidade na população sujeita à incompreensão
da necessidade da sua participação numa guerra que não era sua; a crise
económica consequente, a fome e a doença.
No entanto, a 1ª República deixou uma esperança de liberdade e de
modernização económica, social e das instituições. É evidente que uma esperança, em larga medida por cumprir. Deixou-nos a herança da Revolução Francesa, da
igualdade, da fraternidade e da democracia. Estes valores republicanos foram
restituídos pela Revolução do 25 de Abril, com um novo impulso e uma nova vida.
Nesse sentido, a 1.ª República é um começo com o qual temos de aprender.
Maria de Fátima Gomes