domingo, 25 de janeiro de 2015

Educar os sentimentos


A propósito de um texto de Daniel Vieira.

Para quem defende que a autoridade é autoritarismo e um não é sempre não, porque sim, Angel Guerra ajuda-nos a refletir nesta complexidade de sentimentos e valores. Prefiro, na verdade, outras proximidades e sei que muitas questões podem influenciar os resultados escolares dos nossos alunos e filhos. Dialogar com eles, acompanhar o seu crescimento e ajudá-los a sustentarem-se de forma equilibrada é fundamental.

“Um pai entrou no quarto da sua filha e encontrou uma carta em cima cama. Com a pior das premonições levantou-a, enquanto as suas mãos tremiam. Está aqui o texto na íntegra.
Queridos papá e mamã, 
Com grande pena e mágoa vos digo que fugi com o meu novo namorado. Encontrei o amor verdadeiro e é fantástico. Adoro os seus piercings, cicatrizes, tatuagens e a sua moto enorme. Mas, não é só isso: estou grávida e Jonatan (assim se chama o meu namorado) disse que seríamos muito felizes no seu bairro. Quer ter muitos mais filhos comigo e esse tornou-se num dos meus sonhos.
Descobri que a marijuana não prejudica ninguém e vamos cultivá-la para nós e os nossos amigos. Eles proporcionam-nos toda a cocaína e outras drogas que quisermos.
Entretanto rezaremos para que a ciência encontre uma cura para a Sida, para que o Jonatan melhore. Ele merece-o, porque é um rapaz estupendo.
Não se preocupem com o dinheiro. O Joni arranjou-me uma participação em alguns filmes que os seus amigos Brian e Mikel rodam no seu sótão. Pelos vistos posso ganhar 5 euros por cena e 5€ mais se houver mais de 3 homens.
Não te preocupes mamã. Já tenho 15 anos e sei como tomar conta de mim. Qualquer dia vou visitá-los para que conheçam os seus netos.
Com amor, vossa filha Susi.
PS: Papá e mamã, era uma brincadeira. Estou a ver televisão na casa da vizinha. Só vos queria mostrar que há coisas pior na vida do que as más notas que vão junto com esta carta"
In Miguel Santos Guerra. Arqueologia dos sentimentos. Estratégias para uma educação de afectos

Gestão da sala de aula - cara e coroa

Não me considero uma excelente professora no capítulo de gestão da sala de aula. Tenho episódios bem sucedidos e outros onde o clima ficou muito a desejar. Não aguentei a firmeza? Não soube dosear como diz "Alvez Redol", em Gaibéus, "o chicote e açúcar". Ceio que uma e outras experiências me devem servir de reflexão porque ambas são enriquecedoras na compreensão das relações humanas.
Quando comecei a lecionar, ao apresentar-me, a minha delgada de grupo, augurou: "A colega vai ter muita dificuldade a dar aulas, com esse pulso!"
Na verdade, eu era franzina, uns pulsinhos e corpos de catraia. Na turma de mecânica que me coube, os alunos faziam patifarias a todos os professores, queriam organizar uma visita de estudo mas ninguém queria ir. Quando me pediram para os acompanhar, eu aceitei. Vamos lá mas têm que retribuir a confiança que deposito em vocês.
Em Coimbra, compraram um boneco das Caldas para me oferecer e esperaram brincalhões pela minha reação. "Obrigada, são uns queridos, olha mais um para a minha coleção!" Ficaram defraudados. Sentiram alguma identificação? Não sei. Estava a ser natural.
Nas aulas seguintes, um ou outro ainda tentou amarrar as cadeiras, como costumavam em todas as aulas. Um impôs-se e reclamou: "Com esta professora não se faz isso".
Ganhei o meu sossego, ganhei a aprendizagem daqueles rapazes.
Outros episódios tenho sem nenhuma cientificidade.
Uma aluna que se costumava  portar mal, de um dia para o outro mudou. Elogiei-a: "Sim senhora, agora gosto da forma como estás na aula, intervéns regradamente e estudas em casa". Mudaste radicalmente. "É, quando a professora me sorriu e me incentivou, percebi que o que a professora me dizia era para o meu bem.".
Quantos relatos semelhantes, mas também, quanto latim gasto sem resultado! Quanta definição dos limites, e limites ultrapassados! Vamos andando! O homem não é objeto de uma ciência exata!

Gestão da sala de aula - o difícil ofício do professor



(tal e qual)
Quem disse que não se importam?
Ana Paula Silva
Ontem falava com um colega sobre problemas que ele teria tido no desenvolvimento de uma aula de uma turma CEF de que ambos somos professores “para o bem e para o mal”.
Entre o sério e a simpática provocação amigável ele dizia-me: ”não consigo fazer nada com eles! Não sei como tu consegues! Não querem saber nada! Não se importam com nada!”. Deves ser “uma santa”….
Sem me querer justificar, lá fui dizendo que não, que a paz da minha sala se deve a uma gestão contínua dos problemas e uma negociação de atitudes que me levou a tomar determinadas decisões pedagógicas que mostraram a minha postura sobre a importância de um bom clima de sala de aula para todos os que nela participam. Assim, tentei mostrar-lhe que o fui conseguindo através de muito diálogo e do exercício de uma autoridade firme, mas que tento nunca confundir com autoritarismo, conseguindo construir uma relação pedagógica com a turma que me permite trabalhar.
Ele, ainda nas ondas de choque de uma aula que tinha terminado há pouco e que o tinha perturbado pela indisciplina desses alunos, argumentava com alguns episódios, efetivamente nada edificantes, em que a boçalidade e a indisciplina gratuita provavam que era “quase impossível” trabalhar com eles. E como eram fortes os seus argumentos! Tinha razão no grau de insatisfação que demonstrava. Difícil não ser solidária.
Sempre defendi que o problema disciplinar ou de aprendizagem de um aluno que qualquer professor de uma turma enfrenta, deve ser visto como um problema de todos os professores desse conselho de turma. Devemos saber criar condições de boa aprendizagem que frutifiquem não só nas nossas aulas mas também nas outras ao interagir com os esforços que, com o mesmo fim, fazem todos os professores do conselho de turma.
Enquanto falávamos lembrei-me que, no início do ano, logo na primeira semana de aulas, um dos alunos que ele tinha referenciado nas suas narrativas, tinha, numa altura em que eu escrevia no quadro, treinado a sua habilidade em construção aeronáutica de papel e testado a sua pontaria ao alvo, no caso eu.
Avisei-o que não toleraria esse comportamento de novo. Não acreditou. Mostrei-lhe que normalmente sou coerente com o que prometo. Dei-lhe um tempo para decidir como seria o nosso relacionamento até ao fim do ano. Depois de cumprida a sanção que lhe impus, perguntei-lhe:“ estou disposta a começar do zero, a conhecer o que és e o que podes ser a partir de hoje. Aceitas ou preferes que eu guarde a má imagem que me deste de ti naquele triste episódio? “.
Ele fez a escolha certa. Esse aluno é hoje um aluno com um comportamento que me serve de padrão positivo para os seus colegas, da referida turma CEF.
Hoje (quinta-feira) tive aulas com esta turma. Desde o meio de dezembro que uma bendita gripe recorrente me elegeu como companheira e entre a tosse e a fungadela a minha voz arranhada mal se ouve. Numa sala com computadores eu esforçava-me por explicar à turma uma tarefa formativa de análise e reflexão de dados para elaboração de uma apresentação em PowerPoint.
Não gostaram muita da ideia. “Está muito frio, “Temos de ler os documentos?- “ Respondi que sim – uma desolação audível. Demasiado audível. “Pode ser só com imagens?” Numa vozinha franzina respondi que a imagem deveria servir o texto e não o contrário. !” Quantos slides? Têm de ser muitos?” No fundo da sala dois alunos reclamavam sobre qualquer outra coisa, mas quando iam falar, levantou-se tal “reabilitado” aluno e disse com voz firme: “Não veem que a professora está doente e lhe custa falar? “ Todos olharam para mim como se ainda não tivessem percebido e, como por magia, todos se viraram para o seu computador e começaram a trabalhar.
Abri o meu computador e comecei a escrever o sumário. Tinha vestidas três camisolas e um casaco comprido, mas sentia-me gelada. Parei para aquecer as mãos e devo ter tido um arrepio percetível à distância, pois um dos alunos (com quem um dia me zanguei “feio “por uma atitude reprovável com um colega que presenciei) aproximou-se de mim e com um “senhor casaco” na mão, que tinha acabado de despir, estendeu-mo e disse: “ponha nas costas, professora, que tem pelo por dentro e é muito quentinho”.
Fiquei surpreendida não só pela generosidade do gesto mas pelo seu dono improvável. Comovida até. Mas, mais uma vez a situação fez-me recordar que se os alunos sentem que nós nos importamos eles também se importam. E demonstram-no em gestos simples mas muito gratificantes.
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