segunda-feira, 21 de março de 2022

De volta à rotina

 

De volta à rotina, depois de um período de ”prisão” domiciliária, preocupação  pelos mais frágeis, extremos cuidados na desinfeção de todo o ar que se respira, volto, não igual, mas com novos motivos para agradecer aos amigos que espalham o aroma do jasmim e nos fazem ver os rebentos das árvores, com os seus cuidados. Obrigada. Preocupada embora por quem não conseguiu, ainda, sair da sua “prisão”, acredito que tudo correrá bem.

 É o mundo que temos, há que andar para a frente, mas o bicharoco anda por aí e em algumas lojas nem já há gel desinfetante! Estamos destinados a apanhar todos o Covid, é o que referem certas opiniões. Será?

Reduzo-me à minha pequenez, mas acho que embora andando para a frente podíamos continuar com todos os cuidados, digo eu, que não sou ninguém.  Mas eu tive-os e não me valeu de nada. Qual é a síntese?

Como hoje, é dia da poesia e no ar rescende o jasmim, fica o quintal florido e a conhecida poesia de António Ramos Rosa sobre as palavras.

 

 

Palavras

Adiro a uma nova terra adiro a um novo corpo

As palavras identificam-se com o asfalto negro

o tropel das nuvens

a espessura azul das árvores acesas pelos faróis

o rumor verde

 

As palavras saem de uma ferida exangue

de teclas de metal fresco

de caminhos e sombras

da vertigem de ser só um deserto

de armas de gume branco

 

Há palavras carregadas de noite e de ombros surdos

e há palavras como giestas vivas

 

Matrizes primordiais matéria habitada

forma indizível num rectângulo de argila

quem alimenta este silêncio senão o gosto de

colocar pedra sobre pedra até à oblíqua exactidão?

 

As palavras vêm de lugares fragmentários

de uma disseminação de iniciais

de magmas respirados

do odor de gérmen de olhos

 

As palavras podem formar uma escrita nativa

de corpos claros

 

Que são as palavras? Imprecisas armas

em praias concêntricas

torres de sílex e de cal

aves insólitas

 

As palavras são travessias brancas faces

giratórias

elas permitem a ascensão das formas

elevam-se estrato após estrato

ou voam em diagonal

até à cúpula diáfana

 

As palavras são por vezes um clarão no dia calcinado

 

Que enfrentam as palavras? O espelho

da noite a sua impossível

elipse

Saem da noite despedaçadas feridas

e são signos do acaso pedras de sol e sal

e da sua língua nascem estrelas trituradas

António Ramos Rosa