sábado, 26 de abril de 2014

25 de abril - diário de uma adolescente

Diário de uma adolescente, aluna de um liceu feminino em Abril de 1974






                                         QUINTA – FEIRA, 25 DE ABRIL DE 1974














Houve um golpe de estado!
Quando me comunicaram a notícia no liceu, não sabia o que pensar ou fazer! A minha reacção espontânea foi considerar tudo um boato e depois uma nova revolta como a das Caldas da Rainha, a dos oficiais que se revoltaram. Mas não, era verdade, um Golpe de Estado! Isto explicava muita coisa: a música sinfónica que se ouvia no rádio pela manhã, o carro de patrulhas no Campo 24 de Agosto …..

      Estávamos na biblioteca, algumas moças de outras turmas chegavam lá, faziam barulho, corriam à janela para verem o movimento de pais que vinham buscar as filhas.
-            A Susana entrou e pôs-se a saltar:
-     O meu pai não me vem buscar! – ria-se – e voltava-se para a Lúcia, admirada – com tudo isto e ainda estás a estudar! Nunca pude fazer tanto barulho na Biblioteca! Ah! Ah! Ah! – e não parava de rir!







                                                         Feira de Gondomar

Voltando ao dia de hoje, vejo tudo calmo, mas a titia contou-me que de manhã, na feira, as pessoas estavam assustadas, os comerciantes já pensavam em arrumar as coisas e fugir à revolução. Houve até uma senhora que afirmava ter ouvido tiros, o que alvoroçou as outras pessoas. Gerou-se algum movimento e algumas pessoas foram roubadas.
Ao mesmo tempo, o banco recebia ordem para fechar e as pessoas que aí estavam foram postas na rua, o que concorreu para aumentar o pânico.
   E a titia repetia sem parar:
- Eu sempre pensei que fosse o povo que inventasse a revolta!








                                                                Quintã

Quando me vim embora do Liceu, ao passar ali a Quintã, o Guarda que está sempre à porta da Polícia, lá estava esfregando as mãos e desentorpecendo as pernas, como habitualmente
    Então existe um Golpe de estado e tudo permanece calmo e silencioso! Não percebo, sinceramente, nós tínhamos direito a saber!




                                           Rua Dr. Oliveira Salazar, casa

    São 17h 30m.
   O Zeca já chegou. Os militares foram lá à Caixa e mandaram-nos todos para casa. Dizem que o problema é só entre generais, o povo tem que se pôr a salvo, dentro de casa. O Zeca diz que o Marcelo Caetano está cercado e não se quer render.
Entretanto, o Belmiro chegou. Pusemos o rádio no Rádio Clube Português e, desde então, os comunicados chovem.
Em Lisboa, os membros do governo renderam-se assim como a Guarda Nacional no Carmo. O professor Marcelo Caetano, cercado no convento do Carmo acabou por apresentar a sua rendição incondicional ao general Spínola e o Almirante Américo Tomás e outros membros do governo refugiados em dois aquartelamentos estão cercados, esperando-se para breve a sua rendição.
… O mundo está com os olhos na “Revolução Portuguesa”, como lhes chamam.


                             SEXTA – FEIRA, 26 DE ABRIL DE 1974


Junta de Salvação Nacional


Ontem deitei-me tardíssimo, cerca das 2 horas e tal já do dia de hoje. O general Spínola falou, soltando as palavras arrastadas em tom de cansaço, que me fez lembrar o antigo chefe da república, Américo Tomás. Anunciou o êxito do movimento e apresentou os membros da Junta de Salvação Militar.



                                                        Camioneta a chegar ao Rainha




                                                                Rua António Carneiro

Hoje de manhã houve novo comunicado que exortava a população a retomar a vida normal. Fui para o liceu e foi grande o meu espanto ao ver a camioneta virar junto ao Liceu e meter pela Rua António Carneiro. Não podia continuar em frente, porque os soldados cercavam o edifício da PIDE-DGS que não se rendia e ameaçava matar os presos políticos que o novo movimento quer libertar. Deram-lhes um prazo até à 13 horas, senão deitariam mão da força e tomariam o edifício.

~
   Edifício Pide

  Povo junto ao edifício da PIDE


                                             Percurso do Liceu ao Edifício da PIDE.
                                                         

Soubemos isto no liceu, cerca do meio-dia, aquando de um aviso que anunciava não haver aulas de tarde. Algumas moças afligiram-se e até já ouviam tiros!

                                                             Programa do MFA

(…)
-            Agora, acabo de ouvir o programa do movimento das Forças Armadas, é belo demais para ser cumprido na íntegra, mas estou confiante que tudo vai  mudar para melhor


                                Domingo, 28 DE ABRIL DE 1974; 2. O povo está com o MFA



Em todos os lugares se ouvem discussões àcerca das Forças Armadas:
-          Concordas?
-          - Claro, viva Portugal!



     

  
                                                        Resistência dos PIDES

A Zinha veio cá ontem jantar, chegou tarde, porque junto ao Hotel Sagres, foi surpreendida pelo tiroteio dos PIDES e teve que pôr o Dany a salvo. O Nel com medo que o Dany sofresse algo, foi-se esconder de baixo de um carro!


                                                           Júbilo nas ruas

A Junta de Salvação Nacional tem chamado a atenção para não fazerem manifestações de jubilo às Forças Armadas porque “o momento é de festa, mas não para festas!”
A situação está normal, se não atendermos a que ainda muitos PIDES andam à solta e podem armar tiroteios.
Toda a gente está confiante no Futuro, um futuro melhor, Queira Deus!



       Nunca esquecerei aqueles carros de soldados que anteontem vi passar por mim à saída do Liceu com armas ao alto e um cravo vermelho espetado, lançando piropos às raparigas, iam participar no cerco ao edifício da DGS, junto ao Prado do Repouso.

QUARTA-FEIRA, 1º DE MAIO DE 1974




                                                           1º de Maio no Porto

Hoje, é feriado, o dia do trabalhador, festejado, este ano, pela primeira vez em Portugal. Em Lisboa há uma grande manifestação pública e no Porto, também, e, embora não tenha conhecimento, creio que elas surgirão em muitas mais cidades



                                           Grupo de colegas com bata

Ontem no Liceu, as moças que tinham afixado cartazes na parede do bar, lançando vivas à liberdade e morte aos PIDES, convocaram todas as alunas para uma reunião. Não fui porque não soube a tempo, mas gostava de ter ido. Debateram-se muitos problemas. O de maior importância foi: “Queremos uma sala de convívio capaz”. Ora a solução  dessas meninas era pegar nas estantes que estão na sala dos alunos e deitá-las fora!
A Graça, da minha turma, levantou-se e propôs:
- Concordo que necessitamos de uma sala conveniente mas porque razão não vamos falar do problema à Srª Reitora?
 Parece que a palavra Srª Reitora era algo medonho para elas, mostraram-se horrorizadas. Disseram que a Reitora era como uma de nós que se as tratasse por tu, elas fariam o mesmo. A Graça chamou a atenção para a diferença de idades mas não as convenceu! Pronunciaram-se contra as batas e o equipamento de ginástica!
Em resumo: são umas criancinhas irresponsáveis que nem sequer são capazes de assinar os cartazes.
     Houve reacção em todo o Liceu. Ficou combinado fazermos, nós, também, um cartaz a convocar as pessoas para discutir o assunto. Já redigi o texto, a Júlia ficou de fazer o mesmo, talvez outras mais o façam, depois em conjunto veremos o que fica aprovado. Daremos conhecimento do nosso propósito à Srª Reitora (o que a cobardia das outras não o permitiu!)



                                                              1º de Maio

… A manifestação do primeiro 1º de Maio foi “vermelha de alegria”! Oxalá todos nós nos responsabilizemos na construção do amanhã. Que ele seja melhor!
   O “povo unido jamais será vencido”!


                                                 Sábado, 4 de Maio



                                                     Ordem de trabalhos


Fui à reunião de delegados (fui escolhida pela turma), a discussão foi animada, aprovou-se um certo número de coisas que estão aqui nesta ordem de trabalhos que vou anexar. A Júlia foi escolhida para representar o nosso ano na mesa da reunião geral onde a Comissão Gestora vai ser aprovada.

A 4 de Maio de 1974, realizou-se a 1ª RGA, no Liceu rainha Santa Isabel:
Ordem de trabalhos
       1. Problemas a exigir soluções imediatas:
       A – de ordem administrativa:
-           Participação das alunas numa Comissão Gestora do Liceu proposta por um grupo de professoras com intervenção nos serviços de cantina, bar e papelaria;
-           Criação de grupos de trabalho constituído por pessoal auxiliar;
-           Participação mais activa e esclarecedora dos serviços de secretaria.
B – de orgânica interna:
-           Necessidade de criação de um novo ambiente de convívio nomeadamente uma biblioteca e discoteca ou estação de rádio com música nos intervalos, sala de ping-pong, bem apetrechada e uma sala de fumo bem arejada…
-           Acesso a um serviço de PBX eficiente e não vigiado;
-           Criação de um órgão interno de informação (jornal)
-           Liberdade de colocar cartazes de qualquer natureza, visando uma consciencialização de todas as alunas para problemas internos e de ordem político-social;
-           Abolição das justificações de faltas e dos cartões de saída;
-           Abolição do cargo de chefe de turma;
-           Livre utilização pelas alunas de todas as vias de acesso ao liceu e às diferentes salas dentro do mesmo;
-           Abolição do pagamento de qualquer multa na secção de “perdidos”
C – de ordem pedagógica
-           Discussão de métodos de  ensino
-           Aulas de recuperação e turnos de trabalho prático, gratuitos;
-           Melhoramento do ginásio, sala de línguas, gabinetes de Geografia e Ciências;
-           Frequentes viagens de estudo:
-           Discussão do serviço de exame e propostas para o seu melhoramento
2- PROBLEMAS A PERMITIR SOLUÇÕES A LONGO PRAZO
a)        Libertação da tarde de Sábado de qualquer serviço obrigatório;
b)       Preenchimento de horas livres com actividades informo-culturais orientadas.
c)        Planeamento das actividades culturais extra-curriculares dentro de um espírito democrático;
- participação numa discussão a nível do problema”EXAMES”, com vista à sua futura abolição, e substituição por ouro sistema de avaliação
Porto, Liceu da Rainha Santa Isabel, 6 de Maio de 1974
As questões A e B foram todas aprovadas. A questão C e o ponto 2 ficaram para discussão posterior


A Srª Reitora fica por unanimidade.





E pronto, foi este o meu testemunho pessoal ilustrado que partilhei, ontem, no espetáculo que a colega Fátima Pinto, com a maior parte das turmas de 9º ano e eu com o meu 9ºA dinamizamos na Escola E. B. 2. 3. de Gondomar.










quinta-feira, 24 de abril de 2014

40 anos de abril - peddy paper

Peddy Paper de História -20 anos de abril
Nome dos constituintes do grupo:  ____________________________ Nº ___ Turma________
Nome dos constituintes do grupo:  ____________________________ Nº ___ Turma________
Nome dos constituintes do grupo:  ____________________________ Nº ___ Turma________

Hora de partida:                                                                               Hora de Chegada:

Vamos mostrar que  entendemos  as razões que levaram à Revolução do 25 de Abril de 1974
Vai à biblioteca e procura nos computadores, o vídeo : Salazar, visão geral do país


1.O regime político anterior ao 25 de Abril denominou-se:
a)      Ditadura militar
b)      Novo Estado
c)       Salazarismo
d)      Estado Novo


2.António de Oliveira Salazar foi para o poder como
a)    Ministro das finanças
b)   Presidente do Conselho de ministros
c)    Presidente da república
d)   Ministro da economia

3.Com António de Oliveira Salazar, o país pode contar com:
a)Distúrbios sociais
b)Distúrbios políticos
c)Tranquilidade
d)Estado débil
4. Salazar defendia:
a)O poder do povo
b)O sacrifício das ambições provadas
c)O poder do presidente da república
d)O poder dos tribunais.


5.Indica qual a doutrina do estado Novo:
a) Deus; pátria; família
b) Pátria, história, família
c) Salazar; pátria, Deus
d)Povo; Deus; governo


6.Durante o Salazarismo, defendia-se:
a) a tradição histórica
b) a tradição rural e cristã
c)a tradição de navegar
d) a tradição industrial.

7.Quem não estava de acordo com a opinião de Salazar:
a) era convencido  a concordar
b) podia ser preso e morto
c) ia para uma escola de reabilitação
d) ia para o Tarrafal.









8. Localiza no mapa a prisão política do Tarrafal




A partir do extrato do filme, diz quem zelava para que os valores de Salazar não fossem  adulterados, naquilo que saía nos jornais:

a) A Censura
b)  A Censura e os diretores dos jornais
c) Os jornalistas
d) Os leitores
10. Coloca no devido lugar os objetos absolutamente indispensáveis a uma sala de aula do período do Estado Novo.

11. Procura entre os objetos que se encontram nas 4 cestas, 4 símbolos salazaristas ( emblema da mocidade; legião portuguesa; retrato de Salazar; cartaz. “A lição de Salazar”
12.  ( bonecos: menino e menina com roupas diferentes; uma da mocidade)
Veste os bonecos Da Mocidade Portuguesa masculina e feminina com a roupa apropriada.
13. Esta notícia do jornal “ O Comércio do Porto” é referente à tomada de posse de um partido em Gondomar . Era a favor ou contra Salazar?




14. Diz o nome dos outros partidos existentes.
15. No entanto, durante o Salazarismo também houve oposição. A canção, “ Os Vampiros”  foi proibida durante o Salazarismo, porquê?  ( P. P. nos computadores)
16. Refere alguns nomes de pessoas opositoras ao regime.
17. A quem pertenceria o cartaz seguinte?


18. Como sabes, a partir de 1961, O Estado Novo tem que lutar em África contra a vontade dos indígenas se tornarem independentes. Essa guerra contribuiu de forma decisiva para o 25 de Abril de 1974. Porquê?
19. Diz o nome deste instrumento de comunicação.





20. Explica para que servia.
21. Procura na biblioteca um livro de Manuel António Pina que fale sobre o salazarismo e o 25 de Abril.

22. Este poema retrata que dia?
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.
                                       Sofia de M.B. Andersen

23. Os poetas falam de liberdade. ( Vários poemas sobre o 25 de Abril e liberdade)
Escolhe um poema e declama-o.

24. Uma série de filmes
24.1 . Seleciona um filme que retrate a época revolucionária do 25 de abril

 25. Faz uma breve síntese do filme “ Capitães de Abril”

26. Como sabes uma das senhas da revolução do 25 de Abril, foi “E depois do adeus” de Paulo de Carvalho. Completa a letra, depois de ouvires a canção em : http://www.youtube.com/watch?v=NN3kSHMvW-w

______ quem sou
O que faço aqui
Quem me _________
De quem me esqueci
_______ por mim
Quis saber de nós
Mas o ____
Não me traz
____     _____.
Em ­­­­­­­______, amor
Em tristeza e fim
Eu te sinto, ___  _____
Eu te sofro, em mim
Eu te lembro, ______
Partir é ______
Como amar
É ______
E perder.
Tu vieste em flor
Eu te desfolhei
Tu te deste em _____
Eu nada te dei
Em teu corpo, amor
Eu _________
Morri nele
E ao morrer
Renasci.
E depois do amor
E depois de ____
O dizer adeus
O ficarmos sós
Teu lugar a mais
Tua ausência em mim
___    _____
Que perdi
Minha dor
Que ______.
De novo vieste em flor
Eu te desfolhei...
E depois do amor
E depois de nós
O adeus
O _______ sós.

27.
27.1. Escreve o autor da letra e música da 2ª senha do 25 de Abril?
28. Regista o nome da canção.
29 . Canta um verso dessa canção.
30. Ouve-a com atenção: em http://www.youtube.com/watch?v=ci76cKwFLDs
30.1. Explica por que razão foi escolhida esta canção para senha da revolução.
31. Diz qual o rosto do 25 de Abril presente na figura:





32
Faz o puzzle ( tomada do Carmo)
33. Escreve o nome do acontecimento que é retratado no puzle.







 34. A foto retrata a tomada de um importante edifício de opressão do Estado Novo. Que edifício se trata?

35.



35.1. Diz o que é o MFA
36. A Constituição saída do 25 de abril , foi aprovada em 1975. Completa o texto:





37. Conheces este edifício?  Mostra grande diferença relativamente ao que acontecia antes do 25 de Abril. Em que consiste essa diferença?




No átrio da biblioteca:
38. Com os materiais ao dispor, faz a flor, símbolo da revolução do 25 de Abril





39. Um dos elementos deve dar 40 pulos quantos os anos celebrados desde a  ocorrência da revolução de Abril.
40. Outro membro do grupo, deve procurar numa cesta de ovos com letras, o ovo 3Ds e levar numa colher de pau, com muita responsabilidade e sentido de quanto é delicado o seu transporte ( simbolizando as dificuldades  do percurso da democracia), até ao recreio.
Aí, será marcada a hora de chegada.
Quando todos os elementos aí estiverem, saem das diversas portas, alunos e fazem uma coreografia moderna colocando os elementos  do Porto cartoom igualdade, fraternidade e igualdade ou democratizar; descolonizar; desenvolver, ( mas eu preferia os primeiros já que constituía uma ligação ao futuro)no meio do recreio, ( não na posição em que estão na Asprela, mas na horizontal e em vermelho; verde e amarelo).






Saudações revolucionárias.


sexta-feira, 4 de abril de 2014

Um grito rompe o silêncio










Hoje levei, com outra colega de História, os alunos do 9º ano a assistirem à peça “Um grito rompe o silêncio”, construída a partir de textos do Mazola (Serafim Gesta), sobre a história das minas de S. Pedro da Cova, no auditório da Universidade Sénior.
Foi muito interessante de ver e apesar de ser elaborada a partir de um texto mais narrativo, os alunos e professores ficaram cativados pela genica daquelas atores. Bem hajam.
No entanto, esse espetáculo permitiu-me recordar além de alguns rostos conhecidos, a minha infância. Sim, porque o auditório da Universidade Sénior está instalado no Cine Teatro da Ala, para onde eu ia muitas vezes, à moda do “Cinema Paraíso” (para quem viu) ver o filme da cabine do projecionista. Era o supremo espetáculo: o filme a correr, em bobines e a projetar-se na tela, a fita a partir e a ser necessário compor e ainda, os beijos e outras cenas “chocantes” que já vinham retiradas do conjunto do filme. Ali, eu sentia-me privilegiada, como certamente era natural, a ver filmes que, às vezes, não eram para a minha idade cronológica, na companhia do Bilho, o artesão projecionista, a poder espreitar a plateia no intervalo, e eu própria a sentir-me estrela de um filme que transformava a realidade.


quarta-feira, 2 de abril de 2014

R(e)encontros com a escola - reflexão

. Os R(e) encontros com a escola,  no seu conjunto, ajudaram à necessidade da minha reflexão que se centrava, ao fim e ao cabo no tema: como manter a chama, depois de 33 anos de serviço e continuar a lutar para que os alunos aprendam mais a pensar do que memorizar; como lidar com aqueles que não gostam da escola em geral e da disciplina de História em particular.
O professor Marçal Grilo contextualizando os problemas na sociedade atual deu-me a dimensão histórica para situar o problema:
Numa altura em que a crise financeira pôs em causa a omnipotência dos mercados, os cidadãos nunca tiveram tão pouca confiança no Estado. Na verdade, à máxima «menos Estado» neoliberal”, Philippe Aghion, na obra  Repenser l'État - Pour une nouvelle social-démocratie, responde «mais Estado, de outra forma», lembra Marçal Grilo; o que promove  o investimento do Estado no crescimento e na inovação, é, ao fim e ao cabo “um Estado garante do contrato social” roussouniano”, um Estado protetor, num mundo mais incerto, direcionando a sua ação para a educação e a doença. Marçal Grilo frisa: “passámos a ser uma sociedade sem valores. Muito poucos de nós respeitam o sentido da ética” Ora perante estas premissas recolocam-se as questões: “o que os meus alunos devem aprender?. O que devo ensinar”?.
Marçal Grilo, ministro do governo de Guterres, defendeu a política implementada já na altura: a necessidade de um bom ensino pré escolar na formação de hábitos e organização de estudo, a formação de uma mentalidade que o estudo implica sacrifício, tempo em tarefa. Hoje, continua a defender que é mais importante formar atitudes e comportamentos do que os conhecimentos. Formar para a mudança será, hoje, fundamental, num mundo em constante mutação; levar os alunos a ler, interpretar e refletir sobre o que lêem. Nesta perspetiva, a missão da escola num constante diálogo com os pais é a de guia dos jovens, daí a urgência de formações abrangentes durante o maior período de tempo possível capaz de propiciar adaptações mais facilitadoras quer opções mais cimentadas. Ora aqui está, então, o meu papel, formar o jovem numa perspetiva de cidadão reflexivo e interventivo, sendo eu, o mais possível uma referência profissional, cultural e moral. Estas premissas foram defendidas por muitos outros palestrantes ao longo dos reencontros. Numa sociedade em que as políticas contraditórias se sucedem, é fundamental encontrar espaço para as aprendizagens significativas, a articulação vertical entre ciclos, a  articulação horizontal das matérias. Como bem disse Manuel Rangel: “ Somos mediadores, adaptadores do currículo e profissionais reflexivos sobre a forma como o currículo passa para as crianças”. Plenamente de acordo. Baseando-se em Perrenoud, Rui Trindade afirma que os alunos precisam de andaimar os seus percursos de aprendizagem. Entretanto, o ministério obriga-me, através das “Metas Curriculares”a desenvolver matéria de História, no 7º e 8º ano cumprindo 41 objetivos gerais e 372 objetivos operacionais de conteúdo (descritores), não processuais, podendo destinar cerca de dezassete minutos a cada um deles à média horária de 17 minutos, o que dará cerca de 5,3 objectivos por cada aula útil [1] e tudo muito matematicamente cumprido, porque no final do ano, tenho que prestar contas do meu desempenho junto da Direção da escola. Perante isto, o que devo ensinar aos alunos? 80% dos objetivos estão compreendidos no domínio do conhecimento e compreensão, restando-me 10% para a aplicação e outros 10% a distribuir pela análise, síntese e avaliação, num programa que remonta a 1991.
E cá vou eu implementar a cultura da exigência, com certeza, já que fui para esta profissão mais para seguir aquilo que considerava a minha missão/vocação. Concordo plenamente que a auto avaliação, a permanente reflexão é muito mais importante do que a avaliação burocrática.
É nesta auto avaliação que situo a necessidade de motivar os alunos, que hoje habitam escolas que podem ser até novas, (muito diferentes das ergonomicamente adaptadas às suas funções, apontadas por Cesário Moreira) mas são literalmente cinzentas e mal iluminadas, aos magotes, cabeça da frente a esconder aos de trás a informação a reter, a imagem que se pretendia pudessem observar com pormenor.  Neste contexto, resta sublinhar que, para que haja ensino - aprendizagem  é necessário que o professor consiga motivar os seus alunos para a aprendizagem, entenda quebrar as suas defesas, no que respeita as atribuições internas e externas, a alta ou baixa auto estima e adeque a sua linguagem a tais pressupostos. Estamos certamente perante o fator professor/ aluno e a sua capacidade de tornar interessante ou desafiante, aprender.
Poderíamos, ainda, introduzir outra variável, que nos dias de hoje é perturbada por fatores externos que influenciam a própria motivação do docente. Com efeito, é necessário que o professor goste do que ensina e reflita na melhor forma de levar os alunos que deve conhecer bem, a apreenderem os conteúdos a lecionar, certamente muito mais fácil com métodos ativos e de “aprender fazendo”. Mas, nas circunstâncias atuais, este ensino terá que utilizar alguns dos métodos tradicionais adaptados a um toque de modernidade. Alguns  modelos tradicionais de aprendizagem das ciências, com base nas perspetivas de autores como Ausubel, Piaget ou Driver,  defendem situações de aprendizagem estruturadas adaptados aos conhecimentos prévios ou estimulando o conflito cognitivo e a sua mudança concetual. Estes métodos que também valorizam a atividade dos alunos, preconizam que  o ensino parta de uma avaliação diagnóstica, para que possa ser adaptado à estrutura cognitiva preexistente no aluno, para que esta funcione de ancoradora para outras aprendizagens, ou seja, uma aprendizagem significativa com organizadores de ancoragem avançados ou índices de organização introduzidos por uma comunicação do que os alunos devem adquirir. Estas estratégias pretendem já fugir da memorização maquinal ao exigir que o aluno retenha a ideia e a relacione com os conhecimentos já adquiridos, procurando o seu sentido. De forma semelhante poderemos socorrer-nos de Vigotsky e a zona de desenvolvimento próximo.
No entanto, uns e outros  descuram a dimensão afectiva enfatizada por António Damásio.  [2]
Neste campo, partindo das lembranças de Marina Serra Lemos, o professor deverá, ainda, estar atento ao estilo motivacional de cada aluno: os alunos socialmente motivados, que reagem melhor em situações de aprendizagem em grupo e os curiosos em situações de resolução de problemas. Desta forma, deveremos questionar as estratégias uniformes já que são aplicadas a características individuais diversas, utilizando uma diversidade de processos pedagógicos que visem  promover a motivação (intrínseca, extrínseca ou combinada) do maior número de alunos. Neste percurso, a definição de objetivos e avaliação dos progressos no sentido de os atingir será relevante.  As disposições, hábitos e crenças devem ser tidas em linha de conta já que condicionam o envolvimento nas tarefas.
Os últimos anos têm-me levado a pensar porque é que bons alunos falham, quando outros têm sucesso. Marina Serra releva a questão da confiança na capacidade, para atingir resultados desejados, daí a necessidade de encorajamento dos alunos a estabelecer objetivos, facilitar vivência de experiências emocionais positivas e estimular o desejo e a vontade de aprender.
Segundo Pocinho et al. (2007) e Canavarro (1999) [3]estar motivado para aprender pressupõe  a utilização de  estratégias de autorregulação ou de metacognição. Desta forma, a motivação é fundamental para se atingirem aprendizagens significativas. Também o autoconhecimento por parte do aluno, a autoestima positiva, vai permitir o sucesso.
Deste mesmo domínio, poderíamos inserir a palestra do professor Joaquim Azevedo com quem trabalhei, no início da sua caminhada pela defesa do ensino profissional, nos CTL, em Lordelo, Paredes, tendo eu própria experienciado, a diferença de motivação de um aluno inserido no ensino regular e um aluno inserido no ensino “profissional de marcenaria, talha, palhinha ou trabalho do couro”.
Joaquim Azevedo chama a atenção para o facto da conceção de ensino profissional como currículo para os menos capazes, estar errada, à partida, já que hoje sabemos que as inteligências são múltiplas e um curso profissional de mecânica não terá menos valor do que um científico tecnológico. Torna-se, então, premente reorientar a educação para a diferença, mostrando os benefícios que poderão advir para toda a sociedade.
Os alunos devem é ser selecionados pelas suas capacidades, depois de um período de aprendizagem generalista e não como solução para quem não tem apetência pela escola em geral.
Como o citado palestrante, penso que seguir um curso de música desenvolve tanto o ser humano na sua totalidade como um de Matemática, sobretudo se despertar a curiosidade para o que rodeia o Homem. A hierarquia das disciplinas é uma questão de moda, já que sabemos que hoje as ciências e as tecnologias são as mais bem vistas e o ensino não pode estar sujeito a esses juízos de valor.
Os alunos dos cursos profissionais para seu bem e dos professores que ministram estes cursos devem ser alunos motivados para uma determinada aprendizagem, embora mais prática. Estes alunos são tão úteis à sociedade e ao mundo do trabalho como os seus colegas dos cursos científico-tecnológico, humanístico ou artes. Neste aspeto, a comunidade local deveria ser chamada a colaborar em parceria com a escola, no sentido de melhor formar a nível prático e encontrar saída profissionais estimulantes.
As estratégias para desenvolver as capacidades destes alunos terão necessariamente que ser diferentes, mas esta diferença não é segregadora, se for exigente nos seus objetivos – formar o profissional numa determinada área; até porque citando o grande especialista neste tipo de ensino, Joaquim Azevedo, a realidade produtiva e económica baseia-se no uso intensivo do conhecimento e requer uma nova mão-de-obra, muito mais qualificada, capaz de se adaptar com mais facilidade às mutações permanentes, mais criativa e com mais capacidade de iniciativa própria “
Desta forma, é fundamental que o ensino profissional dê a possibilidade aos seus alunos de prosseguir estudos universitários seguindo as mesmas regras dos outros cursos.
Esta variante do ensino aponta para outra trave mestra defendida, também, por Marçal Grilo, a da autonomia das escolas que gera, necessariamente responsabilidade. Se as escolas que têm autonomia funcionam melhor porque têm a faculdade de tratar o que é difícil de forma diferente é fundamental que qualquer escola faça a avaliação diagnóstica  dos seus alunos, para a partir de uma liderança forte e um corpo docente estável possa definir um projeto adequado às necessidades evidenciadas. Por isto tudo, concluo que tenho que cumprir as diretrizes do ministério, mas sem descurar as minhas crenças pessoais cimentadas ao longo de uma carreira já considerável e baseada nas investigações e conclusões dos estudos que se vão fazendo.
Este ciclo ajudou-me a pensar a escola de forma sustentada, a relembrar algumas das leituras que tinha feito a fazer outras, vincando sempre a necessidade de não deixar morrer muito do que foi conquistado com as pedagogias operacionalizadas ao longo do século XX, redobrando a certeza, apesar da crise de valores e falta de ética imperarem, na nossa sociedade, de que a educação do futuro terá que incidir sobre a igualdade de oportunidades, adaptando-se  a cada um segundo as suas necessidades.


[1] Luís Grosso, O regresso do livro único - metas curriculares , Público, 21 de abril, 2013   


[2] Damásio, A. (2007). Porque é que as ciências «moles» são «moles», in Despertar para a Ciência –
Novos Ciclos de Conferências, Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação para a Ciência e a
Tecnologia e Gradiva, pp. 151-152.
[3] Canavarro, J. (1999). Ciência e Sociedade. Coimbra: Quarteto Editora; Pocinho, M. et al. (2007). Atribuições causais para o bom e fraco desempenho escolar: estudo com alunos do 3º ciclo do ensino básico. Revista Psicologia, Educação e Cultura, Nº 2(11), pp. 1-11. In Motivação e aprendizagem: A didática da Economia no ensino secundário – um estudo de caso-  http://www.ore.org.pt/filesobservatorio/pdf/mestradopedromucharreira.pdf, 13.11.2013