segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Novo ano letivo








Um novo ano se inicia hoje com toda a sua carga de esperança nos objetivos delineados, de ansiedade e determinação de persistir nos valores em que acredito.
Ensinar a despertar a curiosidade é para mim mais importante do que tudo.
Hoje a História pode ser fastidiosa quando tem que ser dada a correr, pelo menos em alguns conteúdos, mas se ficou o bichinho do querer saber mais, teremos ganho a batalha. Quem me dera conseguir isso, a minha grande meta. Depois, despertar a empatia entre mim e os alunos e entre uns e outros seria a realização completa.
Mais uma vez, recorro a Sebastião da Gama quando diz: “Para ser professor, também é preciso ter  as mãos purificadas. A toda a hora temos de tocar em flores. A toda a hora a Poesia nos visita.
O aluno acredita em nós e não deve acreditar em vão. Impõe-se-nos que mereçamos, com a nossa, a pureza dos nossos alunos; que a nossa alimente a deles, a mantenha.
Sejamos a lição em pessoa – que é isso mais importante e mais eficaz que sermos o papel onde a lição está escrita; e possamos dizer, sem constrangimento: Deixai-as vir a mim as criancinhas....” ( muitos de criancinhas, têm pouco, mas estes jovens são dignos da nossa compreensão. Haja em nós paciência suficiente para os compreendermos, nestes tempos tão conturbados!)

Já agora o pensamento de  Tihamer Toth:

Semeia um pensamento e
colherás um desejo; semeia um
desejo e colherás a ação; semeia
a ação e colherás o hábito;
semeia o hábito e colherás
o caráter.

Depois, o desejo de valorizar a solidariedade, a entre ajuda, como nos aparece tão bem demonstrada nesta narrativa:
“Um antropólogo propôs um jogo para crianças numa tribo africana. Colocou uma cesta cheia de frutas perto de uma árvore e disse às crianças que quem chegasse lá em primeiro lugar, ganharia todos os frutos. Quando deu ordem de partida, as crianças deram as mãos umas às outras e correram juntas, sentando-se, depois, também juntas, desfrutando das suas guloseimas. 
   Quando o antropólogo perguntou por que tinham feito aquilo, uma vez que a primeira poderia ter todos os frutos, elas responderam: 'UBUNTU, como pode uma de nós ficar feliz se todos as outros estão tristes? "(" UBUNTU " na cultura Xhosa significa:. "Eu sou porque nós somos)"

                                                        Osani, The Circle Game....
                                               http://www.connectingdotz.com


Hoje nem tudo é tão linear, nem tudo é tão fácil, tantos os constrangimentos externos. Possamos todos ultrapassá-los e caminhar da melhor maneira para a colheita final.”Ubuntu!”

domingo, 14 de setembro de 2014

Os Maias - o filme de João Botelho






Gabriel Vilas Boas no seu blogue “ Os sete pecados (i) mortais” faz uma interessante análise do filme “Os Maias” do realizador João Botelho. Quase posso dizer que me tirou as palavras da boca, ou do pensamento. Fui ver o filme com uma pessoa da minha idade e malta jovem a quem o filme dá jeito para aprofundar ou mesmo não ler “Os Maias”, conforme cada caso.
Gostaram. O meu filho, estudante de música, achou a música de fundo adequada ao tempo e a queda de Maria Eduarda junto do cartaz que anuncia a Ópera “La Traviata”, a mulher caída, com inúmeros pontos de contacto com a vida de Maria e da mãe, muito bem pensada, aliás, um indício trágico, tal como Eça os engendrou, dando aos episódios da vida romântica um clima de verdadeira tragédia. Neste aspeto, o filme peca por míngua. Existe a cabeça de S. João Batista, na Toca, que causa horror a Maria Eduarda; o reposteiro carmim e pesado que cai, o fio de água que pinga sem força, quando Afonso se apaga exangue e se me não falha a memória, pouco mais.
Quanto à peça tocada por Maria Eduarda, “Raindrop prélude” de Chopin,  bem enquadrada na ação, tem uma pauta  para quem não percebe nada de música, muito interessante, porque as notas desenham uns círculos, o que chama a atenção. Questionando o meu filho sobre a pauta, diz-me que não corresponde à música. É uma pauta que permanece no piano para enfeitar. É essa a intenção, ou não houve aconselhamento musical de forma à pauta corresponder à música?
A música está presente no filme e é, tal como  em “Os Maias”, livro, um instrumento de crítica de um povo ignorante que não reconhece a sonata Patética de Beethoven e pensa que foi o seu executante que a compôs, acabando por lhe chamar pateta, deturpando o nome pronunciado por Carlos, ao mesmo tempo que aplaude uma poesia declamada com profusão de gestos e rimas. Revemo-nos hoje, ainda, nesta cena.
Gostei do filme, no seu todo e ouvi vários risos, quando a situação do país de então/ agora, era mostrada pelo Cohen, Gouvarinho ou mesmo pelo Ega. “Os Maias” é uma obra extraordinária onde Eça brame a sua espada crítica de forma acutilante. Esse aspeto foi respeitado por João Botelho.
O tão propalado bom desempenho de Pedro Inês é na verdade excecional, tão igual ao Ega imaginado por quem já leu “Os Maias” uma dúzia de vezes. Quanto à atriz Maria Flor, no papel de Maria Eduarda está aquém de deusa  grega, como é apelidada por Eça. Esperava ver uma Afrodite plena de  sensualidade e beleza e vi uma beleza singela que só ultrapassa um pouco esta simplicidade na cena do incesto.
Graciano Dias, bom ator, sem dúvida, também ficou aquém do que eu esperava de um Carlos da Maia. Muita fleuma, pouco arrebatamento que o levam a ir para junto do avó caído com uma apoplexia, como se vai para junto de um velho sentado no banco do jardim a ler o jornal.
Os cenários exteriores dão, sem dúvida, a ideia de que tudo é uma opereta onde as palavras contrariam os atos, tiram movimento, mas não desgosto. Comparo com a mini série de Moita Flores realizada para televisão e aí o movimento é outro e mais cativante para o grande público, mas quem quer, mais uma vez, encontrar Eça, como o narrador de livro aberto, no início do filme faz antever, nota que o cenário se adequa muito bem à cena. Quase não há figurantes, mas as personagens principais e secundárias lá estão fortes, como no romance, à exceção do Eusébiozinho, o paradigama da educação antiga, que quase não aparece a não ser para levar um murro e ficar estatelado numa rua de areia sem calçada.
Já o Douro reduzido a painel, como afirma Gabriel Vilas Boas, sabe a pouco, aspira-se a mais beleza.
Com Ega e Carlos , tal como na obra de Eça a jurarem que não sairiam daquele passo lento para nada, vencidos que estavam pela vida madrasta, mas a correr para o americano, acaba o filme, tal como o livro, mas aquele, sem dar aquelas duas horas e dezanove minutos por perdidas, a provocar uma certa fome por algo mais!
Talvez a versão longa anunciada para novembro contribua para uma maior saciedade!

sábado, 6 de setembro de 2014

É época de começar


“ Para ser professor, também é preciso ter as mãos purificadas. A toda a hora temos de tocar em flores. A toda a hora a poesia nos visita.” (março, 30, 1949)
É bom este trabalho na escola que se inicia devgar com exames, revisão de planificações e ansiedade face aos horários, face aos alunos, face aos colegas e ao ministério. Por um lado, temos tempo para nos habituarmos, mas por outro, a ansiedade vai-se intrometendo e complica a postura serena. Como sistema regulador, face às planificações, aos alunos e aos colegas, a reflexão conjunta ajuda a tomar decisões mais acertadas aplicadas aos contextos. No entanto, no que diz respeito ao ministério e aos horários a situação complica-se. Enquanto uns esperam umas malfadadas listas que os coloquem em determinada escola, outros esperam por essas colocações para que os seus horários sejam ultimados para que, depois, possam organizar a sua vida familiar que muda de ano para ano. E haja emprego, claro!
Ainda hoje a arrumar as gavetas apareceu um recibo de vencimento de 2006, o ordenado base era menor, mas o ordenado líquido substancialmente maior, para pagar produtos que ou encareceram ou se tornaram mais necessários, à medida que a idade vai passando, como sejam, os medicamentos. Mas, como costuma dizer um amigo meu, haja saúde. É preciso ser otimista, porque o pessimismo entranha-se.








A uns dias de recomeçar o trabalho com os meus alunos, gostaria de lhes poder dar mais oportunidade para pensar. O meu filho, adolescente muito crítico, queixa-se que a escola só se preocupa com a reprodução. Os professores recomendam que se compreendam as coisas e se tenha espírito crítico, mas depois, cotam mais as respostas mais próximas do que foi ensinado. Enfim, pondo de lado os exageros próprios da idade, não deixa de ter alguma razão. Não estamos nós preocupadas em como ensinar a pensar, cumprindo metas e o programa, uma tarefa quase só de génios?
 Convocando de novo Sebastião da Gama:
- A quem comunicarei o meu entusiasmo, se não falar entusiasmado, a minha tristeza, se parecer que estou alegre, a minha necessidade de chegar depressa, se der a mostrar que tenho muito tempo?” ( janeiro,14)
É que na verdade, é que eu, como Ariana Cosme, também tenho à minha cabeceira o diário de Sebastião da Gama (1924-1952) e tal como ela gostaria de comunicar aos meus alunos o mesmo que ele:

janeiro, 12, 1948
«O que eu quero principalmente é que vivam felizes».
Não lhes disse talvez estas palavras, mas foi isto o que eu quis dizer. No sumário, pus assim: «Conversa amena com os rapazes». E pedi, mais que tudo, uma coisa que eu costumo pedir aos meus alunos: lealdade. Lealdade para comigo, e lealdade de cada um para cada outro. Lealdade que não se limita a não enganar o professor ou o companheiro: lealdade activa, que nos leva, por exemplo, a contar abertamente os nossos pontos fracos ou a rir só quando temos vontade (e então rir mesmo, porque não é lealdade deixar então de rir) ou a não ajudar falsamente o companheiro.
«Não sou, junto de vós, mais do que um camarada um bocadinho mais velho. Sei coisas que vocês não sabem, do mesmo modo que vocês sabem coisas que eu não sei ou já esqueci. Estou aqui para ensinar umas e aprender outras. Ensinar, não: falar delas. Aqui e no pátio e na rua e no vapor e no comboio e no jardim e onde quer que nos encontremos».
Não acabei sem lhes fazer notar que «a aula é nossa». Que a todos cabe o direito de falar, desde que fale um de cada vez e não corte a palavra ao que está com ela."





quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Indisciplina

Indisciplina nas escolas: os sete pecados mortais
       Gabriel Mithá Ribeiro



3/9/2014,

  

Em sociedades escolarizadas, as salas de aula constituem núcleos-chave de regulação da vida social quotidiana, infelizmente tomadas de assalto há décadas por diletantismos irresponsáveis.

Tópicos

·         EDUCAÇÃO

·         ESTATUTO DO ALUNO

·         PROFESSORES

O tempo transformou a indisciplina no mais grave obstáculo à qualidade do ensino. O fenómeno é alimentado por sete pecados mortais ou, noutra terminologia, sete falácias capitais.

Primeira falácia: “Os professores não têm autoridade”. Apoiado no ensaio de Miguel Morgado, “Autoridade” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010), sublinho que a forte tendência para a ineficácia disciplinar nas salas de aula não tem tanto a ver com a autoridade dos professores. Esta funda-se no conhecimento, atributo raramente central em episódios de indisciplina. No âmago desta está um outro núcleo-chave: o do poder dos professores. Esse poder resulta dos instrumentos de que a autoridade legítima deve dispor para se tornar direta, simples, imediata, pragmática, efetiva. O valor da palavra é o instrumento que confere, por excelência, conteúdo concreto ao poder hierárquico dos professores sobre os alunos sem o qual deixa de fazer sentido o dever moral, deontológico e cívico de regular atitudes e comportamentos. Quer dizer que a autoridade (que os professores possuem) e o poder (que não lhes é reconhecido) não são confundíveis. Para se enfrentar o fenómeno da indisciplina, o foco tem de se deslocar da questão inócua da autoridade para a questão substantiva do poder dos professores nas salas de aula.

Segunda falácia: “A indisciplina é intersubjetiva”. É fortíssima a tentação de conceber a indisciplina como um fenómeno que se joga nas idiossincrasias de cada contexto, caso a caso entre um dado docente e os respetivos alunos. Contudo, as evidências há décadas que demonstram que o fenómeno é sistémico, não confundível com um agregado de ocorrências pontuais.

Terceira falácia: “A indisciplina nas escolas é própria das sociedades atuais”. Gente douta e gente comum fingem acreditar que o sentido da vida coletiva é imposto por um destino inelutável. A verdade é que nenhuma sociedade é abúlica. As características dominantes dos sistemas que as regulam, entre eles o ensino, resultam de escolhas coletivas entre inúmeras possibilidades que uns poucos influentes fazem num dado sentido e não noutros, e os demais toleram. Tais escolhas têm implicações diretas nas relações de poder dentro de uma sala de aula e foi por elas que, nas últimas décadas, foi pesando bem mais o prato da balança do lado dos alunos-crianças-adolescentes-jovens e bem menos o prato da balança do lado dos professores-adultos, transformação coincidente no tempo com o agravamento da indisciplina. Como também não existem perversões nas hierarquias institucionais caídas dos céus, sobretudo quando elas nem sempre foram relevantes num sistema que atravessa gerações, o que vimos assistindo nas salas de aula tem, por isso, propósitos e agentes responsáveis. É por essas razões que o essencial na minimização da indisciplina não se joga na intimidade da sala de aula, antes entre quem as tutela no quotidiano, os professores de facto, e quem de fora das escolas tutela o sistema de ensino nas decisivas dimensões política, legislativa, académica, administrativa e quem influencia a opinião pública. Nesta ampla configuração de poderes e vontades, aos professores de sala de aula sobra o papel de elo mais fraco na longa cadeia tutelar.

Quarta falácia: “Os professores têm poder excessivo”. A relação dos professores com o poder obedece a lógicas inversas às da indisciplina. Quanto mais distantes da sala de aula, tanto maior o poder dos professores até ao topo da elite sindical. Contudo, a falácia não se desfaz se nos limitarmos ao universo dos professores. O que está em causa são disputas pelo controlo da capacidade de influência sobre crianças, adolescentes e jovens de hoje, adultos de amanhã. Tal capital social sempre foi extremamente valioso. Foi esse poder que os partidos políticos e respetivas derivas sindicais, os académicos cientistas da educação, os autodenominados representantes dos pais, os notáveis do regime, entre outros, uns por ação e outros por omissão, há décadas retiraram ou toleraram que se retirasse aos docentes do ensino básico e secundário a pretexto da invasão democratizante das salas de aula, movimento que redundou num estulto igualitarismo institucional gerador de indisciplina.

Quinta falácia: “A escola perdeu importância social”. A massificação efetiva do acesso ao ensino e o alargamento do tempo médio de permanência no sistema (entra-se mais cedo e sai-se mais tarde) resultaram na perda da influência de outras instituições que permitem aos adultos tutelar os mais novos: famílias, igrejas, comunidades de residência, organizações cívicas, partidos políticos, serviço militar, entre outros. Tal reconfiguração foi transformando as salas de aula em espaços cada vez mais na mira das mais agressivas leis do mercado do poder. Qualquer um, indivíduo ou instituição, passou a julgar-se no direito de sobre elas opinar ou nelas intervir, pressão social que coloca constantemente em causa a autonomia das escolas, fragilizando a sua dignidade e identidade institucional. É sintomático que quanto mais o futuro das sociedades foi ficando umbilicalmente dependente do trabalho de todos os dias nas salas de aula, tanto mais se foi propalando a tese de que as escolas perdiam influência social e tudo se tem feito para tornar esse desejo em evidência, ainda que colida com a realidade factual. A tese perdura porque legitima a conversão do ensino num peão de disputas pelo poder.

Sexta falácia: “Crianças, adolescentes e jovens são responsáveis pela erosão do poder dos professores”.Confunde-se a consequência com a causa. Quando as pressões dos adultos de fora para dentro das salas de aula mudarem de sentido, as atitudes e comportamentos dos estudantes também mudarão. Em democracias e sociedades civilizadas, o respeito pelos poderes legitimamente instituídos constitui um dever moral e cívico alimentado nas interações quotidianas. Quanto mais predominante for essa atitude, tanto maiores as possibilidades de redistribuição efetiva do inescapável poder social de uns sobre outros quase sempre hiperconcentrado nos “grandes”. A valorização da atitude referida reforça as predisposições sociais para que se confira forte legitimidade aos “pequenos” poderes, fundada na autonomia e autoridade profissional dos seus agentes. O contrário é um vazio social de poder que desemboca invariavelmente em maus resultados. Nas nossas sociedades, professores de sala de aula e polícias de rua são fundamentais na regulação da vida quotidiana. As utopias revolucionárias em voga – variante das mais incisivas da anacrónica pedofilia na luta pelo poder político, cujo papel se foi tornando tanto mais saliente no ensino quanto mais perderam espaço noutros domínios da vida social – fomentam o oposto da democratização da presença e respeito por figuras de poder em contextos institucionais e sociais onde a função e prestígio dos “pequenos” poderes se revelam cruciais. Fragilidades a este nível tornam as sociedades bem menos competentes na garantia da dignidade, segurança, promoção social e sentido de responsabilidade cívica dos indivíduos, em particular dos mais vulneráveis.

Sétima falácia: “Os estatutos do aluno servem para combater a indisciplina”. Para simular um pretenso combate continuado à indisciplina gerou-se uma interminável paz podre sustentada na credulidade na via escrita e burocrática enquanto estratégia de regulação de atitudes e comportamentos em sala de aula, no caso português convertida na relevância política, social e institucional atribuída aos estatutos do aluno. Os estatutos do aluno desceram à terra para ratificar em forma de lei escrita a negação do poder da palavra aos professores. Tais documentos legais nunca foram parte da solução, antes peça central na perpetuação da indisciplina. A minimização efetiva do fenómeno não necessita de se escudar em estatutos do aluno, regulamentos internos das escolas ou burocracias adjacentes. Necessita acima de tudo de se focar num pressuposto bem mais decisivo: renovar o contrato social profundamente desgastado entre as sociedades e as escolas. Sociedades que sobrevalorizam estatutos do aluno porque não confiam diretamente nos seus professores na sala de aula têm o que merecem. Professores que não pugnam por exames nacionais e por um sistema de classificação de resultados escolares simples, estável e transversal do primeiro ciclo do básico ao ensino superior para que as suas lógicas e consequências sejam de fácil e transparente interpretação pelo senso comum, não percebem o quanto eles mesmos têm colocado em causa referentes fundadores da confiança que as sociedades depositam nos seus profissionais de ensino.

Em sociedades escolarizadas, as salas de aula constituem núcleos-chave de regulação da vida social quotidiana, infelizmente tomadas de assalto há décadas por diletantismos irresponsáveis.

 http://observador.pt/opiniao/indisciplina-nas-escolas-os-sete-pecados-mortais/



Professor

Jô Soares define o que é ser "Professor"

O material escolar mais barato que existe na praça é o professor.
É jovem, não tem experiência.
É velho, está superado
Não tem automóvel, é um pobre coitado.
Tem automóvel, chora de "barriga cheia".
Fala em voz alta, vive gritando.
Fala em tom normal, ninguém escuta.
Não falta à escola, é um "Adesivo".
Precisa faltar, é um "turista".
Conversa com os outros professores, está "malhando" nos alunos.
Não conversa, é um desligado.
Dá muita matéria, não tem dó.
Dá pouca matéria, não prepara os alunos.
Brinca com a turma, é metido a engraçado.
Não brinca com a turma, é um chato.
Chama a atenção, é um grosso.
Não chama a atenção, não se sabe impor.
A prova é longa, não dá tempo.
A prova é curta, tira as hipóteses do aluno.
Escreve pouco, não explica.
Explica muito, o caderno não tem nada.
Fala correctamente, ninguém entende.
Fala a "língua" do aluno, não tem vocabulário.
Exige, é rude.
Elogia, é parvo.
O aluno é retido, é perseguição.
O aluno é aprovado, deitou "água-benta".
É! O professor está sempre errado, mas se conseguiu ler até aqui, agradeça-lhe a ele.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

José Afonso: Um professor que não usava fato e gravata - Aluna de Setúbal






Setúbal, 01 Ago (Lusa) - José Afonso era um professor que se apresentava sempre com grande simplicidade, não usava fato e gravata, e granjeou a simpatia de muitos alunos, antes de ser expulso do antigo Liceu de Setúbal, em 1968.
  
Lusa . 9:18 Sábado, 1 de agosto de 2009

Setúbal, 01 Ago (Lusa) - José Afonso era um professor que se apresentava sempre com grande simplicidade, não usava fato e gravata, e granjeou a simpatia de muitos alunos, antes de ser expulso do antigo Liceu de Setúbal, em 1968.
A descrição é da advogada Alice Brito, uma antiga aluna de José Afonso, o poeta e cantor de Grândola Vila Morena, canção que, anos mais tarde, viria a ser utilizada pelos militares como senha da Revolução de Abril de 1974.
"O José Afonso era um professor de História que contava muitas histórias. Lembro-me da análise que ele fazia dos manuais de História da época, que eram coisas intragáveis", contou à Lusa a advogada setubalense.
"Dizia-nos que se alguém gostasse daqueles manuais, provavelmente também gostava de palha", acrescentou, reconhecendo que o facto de ter sido aluna do "Zeca", acabou por marcar o seu percurso de vida.
A antiga aluna de José Afonso recorda que, a dada altura, se soube entre as alunas - havia turmas separadas de rapazes e de raparigas - que aquele professor cantava, era cantor e que até tinha discos gravados.
"Aquela ambiência quase mágica que as aulas já tinham foi ainda reforçada, porque ter um disco hoje não tem o impacto que tinha na altura", disse Alice Brito, recordando que também chegou a andar com um livro do José Afonso escondido, por dentro da bata, porque não podia ser mostrado no liceu.
Além da História que fazia parte do programa curricular, José Afonso contava outras histórias nas salas de aula, algumas das quais ainda hoje permanecem na memória dos alunos, como foi o caso de um estranho encontro de Zeca Afonso com um pescador num imenso areal.
"Distraído, como sempre, José Afonso foi embater num pescador, que estava no areal remendar as redes", contou Alice Brito, adiantando que nunca mais se esqueceu da resposta dada pelo pescador: "e o mar é tão grande".
Alice Brito, que define José Afonso como "um poeta inato, em que a poesia ia desde o motivo escolhido para a história até à forma como a apresentava, garantiu que na altura já se sentia que aquele professor não gostava do antigo regime e que foi por isso que o expulsaram do ensino oficial.
"Ainda hoje não sei como é que foi feita a denúncia e como surgiu o problema, mas lembro-me que houve uma revolta sincera, sentida e dorida, de muitos alunos", recordou.
"Claro que na altura as revoltas eram muito contidas, entre criaturas muito jovens, ainda adolescentes. Mas lembro-me dos cochichos, de se falar disto no recreio e mesmo fora do liceu", acrescentou.
Olhando o passado, Alice Brito, advogada em Setúbal e dirigente local do Bloco de Esquerda, garantiu à Lusa que tem "muito orgulho por ter sido aluna de José Afonso".
GR.
Lusa/Fim

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O big brother a imperar e a ditar o caminho a seguir




Santana Castilho
No meu último artigo afirmei que era uma fraude a circunstância de a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) ter imposto um determinado resultado em sede do contrato para avaliar os centros de investigação. Fiquei surpreendido por ter sido interpelado por vários leitores investigadores, certamente não pertencentes aos 50% dos centros predestinados à exclusão, ainda antes de a avaliação ter lugar. Esses leitores usaram, curiosamente, os mesmos argumentos, a saber:
- Dizendo o que disse, eu estaria a admitir que os revisores internacionais que participaram no processo aceitaram ser coniventes com uma fraude, comprometendo, assim, a sua idoneidade científica.
- A obrigatoriedade contratual de 10% dos centros serem classificados como «outstanding», 15% «excellent», 20% «very good», 35% «good» e 20% «uncompetitive» era uma simples distribuição estatística determinada pela escassez de recursos.
Ora eu não sei se os revisores internacionais aceitaram ser coniventes com uma fraude. Sei que a FCT, pela voz do seu presidente, negou publicamente terem sido definidas quotas prévias e, afinal, a imposição estava no contrato. Sei que qualquer mecanismo de quotas, por carência de recursos, é uma medida administrativa e política, sempre posterior a um processo de avaliação sério. A distribuição estatística só pode ser feita, em qualquer contexto avaliativo, depois de concluído o processo. E dá o que der! Não é preordenada. Imagine-se que os alunos dos venerandos revisores internacionais respondiam a 100% à totalidade dos itens de um exame, cotado para 200 pontos. Como lhes aplicariam a distribuição forçada, de modo a que 10% fossem «outstanding», 15% «excellent», 20% «very good», 35% «good» e 20% «uncompetitive»?
Sei que, por isso, algumas unidades avaliadas viram, discricionariamente, diminuídas as expressões da sua avaliação para que o resultado se encaixasse no ordenamento prévio. Sei que o contraditório produzido por centros e investigadores portugueses, que não me merecem menor respeito e credibilidade que os revisores internacionais, não foi tido em conta, como se esperaria num processo sério e transparente.
Tanto quanto sei, a contratada European Science Foundation não tem experiência relevante nesta matéria que justifique a contratação em análise e estou cansado de ver confundir o inconfundível, isto é, julgar e invocar que o prestígio granjeado numa área protege e confere imunidade para actuar noutras. É vasta a lista de exemplos de fraudes cometidas por cientistas, com que se pode rebater a crença segundo a qual eles nunca actuam à revelia da ética. Por todos, e são tantos, recordo aqui o último, não passou ainda um mês, que levou ao suicídio de um dos maiores cientistas da área, do centro Riken de biologia do desenvolvimento, a propósito do escândalo sobre a produção de células estaminais.
Há hoje um verdadeiro poder oculto, uma autêntica ideologia dominante, que nos invade a vida: para onde quer que nos viremos, somos interpelados por instrumentos de avaliação. Mas as práticas avaliativas, desde que enquistadas em modelos burocráticos e universais, ou são instrumentos de poder e de controlo social, alegadamente para tornar mais eficiente o funcionamento das nossas instituições, ou não passam de modismos improdutivos, macaqueados por uma sociedade que pensa pouco e obedece demasiado.
Na administração pública e no governo do país há uma casta de fundamentalistas da aritmética política que, fazendo da estatística guião e da econometria bíblia, tudo querem reduzir a rankings. Como se o interior das pessoas, os problemas da educação, da saúde ou da justiça, entre tantos que afectam os humanos, fossem assim solucionáveis.
Noutros tempos, os invasores eram combatidos. Na cultura avaliativa que hoje impera, são muitas vezes os «invadidos» que endeusam o conceito e que facilitam e solicitam a acção dos «invasores». Neste contexto, as tecnologias modernas de comunicação e informação assumem particular relevância, pondo todos a observar todos, numa devassa inimaginável da privacidade de cada um e numa actividade de controlo social exercido em cadeia. Os teóricos desta moderna avaliação têm uma propensão monstruosa para tudo gerir com a aplicação de modelos, que reduzem culturas e contextos díspares à mesma escravatura de resultados.
Entendamo-nos. Desde sempre, todos os chefes competentes e todos os chefiados honestos concordaram com a necessidade de avaliar para gerir bem. Mas dificilmente alguém me convencerá de que é útil aplicar medidas de desempenho estereotipadas, normalizadas e gerais a tudo o que é diverso. Ou que se pode tudo medir e tudo indexar a resultados, índices e rankings. É esta cultura de avaliação tendente a constituir-se como autoridade única, radical, que paulatinamente vai unificando práticas, vigiando e suscitando veneração, que contesto. É a relevância que se lhe atribui que repudio. É a passividade da sociedade face a uma certa versão moderna de fascismo que me preocupa. 

In "Público" de 27.8.14