Gabriel Vilas Boas no seu
blogue “ Os sete pecados (i) mortais” faz uma interessante análise do filme “Os
Maias” do realizador João Botelho. Quase posso dizer que me tirou as palavras
da boca, ou do pensamento. Fui ver o filme com uma pessoa da minha idade e
malta jovem a quem o filme dá jeito para aprofundar ou mesmo não ler “Os
Maias”, conforme cada caso.
Gostaram.
O meu filho, estudante de música, achou a música de fundo adequada ao tempo e a
queda de Maria Eduarda junto do cartaz que anuncia a Ópera “La Traviata”, a
mulher caída, com inúmeros pontos de contacto com a vida de Maria e da mãe,
muito bem pensada, aliás, um indício trágico, tal como Eça os engendrou, dando
aos episódios da vida romântica um clima de verdadeira tragédia. Neste aspeto,
o filme peca por míngua. Existe a cabeça de S. João Batista, na Toca, que causa
horror a Maria Eduarda; o reposteiro carmim e pesado que cai, o fio de água que
pinga sem força, quando Afonso se apaga exangue e se me não falha a memória, pouco
mais.
Quanto
à peça tocada por Maria Eduarda, “Raindrop prélude” de Chopin, bem
enquadrada na ação, tem uma pauta para quem não percebe nada de música,
muito interessante, porque as notas desenham uns círculos, o que chama a
atenção. Questionando o meu filho sobre a pauta, diz-me que não corresponde à
música. É uma pauta que permanece no piano para enfeitar. É essa a intenção, ou
não houve aconselhamento musical de forma à pauta corresponder à música?
A
música está presente no filme e é, tal como
em “Os Maias”, livro, um instrumento de crítica de um povo ignorante que
não reconhece a sonata Patética de Beethoven e pensa que foi o seu executante
que a compôs, acabando por lhe chamar pateta, deturpando o nome pronunciado por
Carlos, ao mesmo tempo que aplaude uma poesia declamada com profusão de gestos
e rimas. Revemo-nos hoje, ainda, nesta cena.
Gostei
do filme, no seu todo e ouvi vários risos, quando a situação do país de então/
agora, era mostrada pelo Cohen, Gouvarinho ou mesmo pelo Ega. “Os Maias” é uma
obra extraordinária onde Eça brame a sua espada crítica de forma acutilante.
Esse aspeto foi respeitado por João Botelho.
O
tão propalado bom desempenho de Pedro Inês é na verdade excecional, tão igual
ao Ega imaginado por quem já leu “Os Maias” uma dúzia de vezes. Quanto à atriz
Maria Flor, no papel de Maria Eduarda está aquém de deusa grega, como é
apelidada por Eça. Esperava ver uma Afrodite plena de sensualidade e
beleza e vi uma beleza singela que só ultrapassa um pouco esta simplicidade na
cena do incesto.
Graciano
Dias, bom ator, sem dúvida, também ficou aquém do que eu esperava de um Carlos
da Maia. Muita fleuma, pouco arrebatamento que o levam a ir para junto do avó
caído com uma apoplexia, como se vai para junto de um velho sentado no banco do
jardim a ler o jornal.
Os
cenários exteriores dão, sem dúvida, a ideia de que tudo é uma opereta onde as
palavras contrariam os atos, tiram movimento, mas não desgosto. Comparo com a
mini série de Moita Flores realizada para televisão e aí o movimento é outro e
mais cativante para o grande público, mas quem quer, mais uma vez, encontrar
Eça, como o narrador de livro aberto, no início do filme faz antever, nota que o cenário se adequa muito bem à cena. Quase não há figurantes, mas
as personagens principais e secundárias lá estão fortes, como no romance, à
exceção do Eusébiozinho, o paradigama da educação antiga, que quase não aparece
a não ser para levar um murro e ficar estatelado numa rua de areia sem calçada.
Já
o Douro reduzido a painel, como afirma Gabriel Vilas Boas, sabe a pouco,
aspira-se a mais beleza.
Com
Ega e Carlos , tal como na obra de Eça a jurarem que não sairiam daquele passo
lento para nada, vencidos que estavam pela vida madrasta, mas a correr para o
americano, acaba o filme, tal como o livro, mas aquele, sem dar aquelas duas
horas e dezanove minutos por perdidas, a provocar uma certa fome por algo mais!
Talvez
a versão longa anunciada para novembro contribua para uma maior saciedade!