terça-feira, 14 de janeiro de 2014

TEMPO BREVE DE RECREIO








De novo , através de Lourdes dos Anjos,  professora reformada, para sempre professora:

TEMPO BREVE DE RECREIO

“O Dr.Barroso da Fonte descobriu este poema numa antologia em que participei há alguns anos e fez o favor de o publicar no jornal POETAS E TROVADORES e eu resolvi partilhá-lo,PORQUE SIM...

TEMPO BREVE DE RECREIO

"Bom barqueiro, bom barqueiro, deixa -me passar
Tenho filhos pequeninos pr'acabar de criar..."
Assim começavam as rodas, os folguedos
Quando, no recreio da escola,as vozes eram os raros brinquedos
Que se usavam no tempo pequenino de ser menino.

"Corda queimada, quem te queimou?
Foi uma velha que aqui passou, passou, passou..."
E os braços cruzavam-se num sólido nó
Enquanto a cantilena embalava a ternura
Depois, mediam-se forças e a corda da velha partia
E ouvia-se então o grito de vitória num chilrear de alegria

Havia ainda a bola de trapos, o lencinho
A sameira, a macaca,o anel e o pião
E o pedacito de broa comido com sofreguidão
Fazia-se, com um galho e um elástico, uma fisga para "ir aos pardais"
E um avião de folhas de sebenta ou velhos jornais
Era o minuto curto para descansar as mãos calejadas
Da enxada,da foicinha, da vassoura de giesta e das reguadas
Entre o pião que girava na palma rugosa da mão
E a borboleta que semeava a primavera e se perdia no ar
A vida correu para a foz e tornou-se um turbulento mar
Onde as ondas se altearam entre o subtrair e o somar
Agora, no espaço do recreio, há a saudade num doer longo e medonho
A raiz quadrada duma ilusão breve e o silêncio vazio dum sonho.”

Porque sim, fez muito bem! Foi dessa maneira que eu uma menina tímida me tornei uma participante ativa e com espírito de iniciativa. Faz-me pensar, hoje, no tempo curto de recreio que os jovens têm, com intervalos em filas para carregar o cartão para o lanche que não levam de casa; nas aulas de substituição, onde as há, que fecham o aluno na sala, a fazer coisas mais ou menos didáticas mas pensadas, quase sempre pelo professor, a falta de autonomia e de convívio efetivo e os jogos de computador ou telemóvel que levam meia dúzia de jovens a estarem juntos, mas isolados a jogar no seu aparelho.
Há uns dias um jovem (que não gosta de telemóveis, coisa rara!) a quem perguntei por que não se juntava aos seus colegas com quem tinha trocado apenas umas frases, retificou-me:
- Juntar-me aos telemóveis deles!

Na verdade!

domingo, 5 de janeiro de 2014

Ser professor


Lindo poema. Aliás, a Lourdes só encontrou as palavras necessárias para descrever esta profissão que encerra em si tanta poesia. Podia ser o meu primeiro dia se no secundário usássemos bata! 



VESTIR O SONHO

Na minha madrugada florida,
Parti sorrindo à procura da vida.
Nas mãos levava um ramo verde de alegria
E, na alma, a festa de gostar do que fazia.
Encontrei caminhos tristes
E meninos sem sorrisos
Cristos de carne e osso
E santos vivendo infernos.
Contei anos e anos de invernos
E perdi a conta de tantas desilusões.
Procurei armas para desfazer a guerra
E semeei lágrimas em árida terra
Corrigi injustiças , testes e exames
Resolvi lutas, problemas e frações
Falei de paz, de vidas, de religiões
Aprendi muito mais do que ensinei...
Fui feliz dando a cada criança
As letras douradas da palavra ESPERANÇA
Hoje, recordo saudosa, aquela primeira hora
Que numa bata branca,
vesti o sonho de professora

Lourdes dos Anjos in NOBRE POVO

sábado, 4 de janeiro de 2014

JANEIRAS

Janeiras






As Janeiras ligam-se às festas do Natal devendo a sua denominação ao primeiro mês do ano.
 São antigas mensagens de boas festas em que a retribuição nunca falha
 Outrora representadas por todas as terras de Gondomar,  quer na época da 1ª República quer do Salazarismo, patenteiam muitas vezes uma crítica social, pouco consentida noutra época, já que o  Natal  e o Carnaval eram épocas de descompressão social.
Estas antigas janeiras eram estruturalmente divididas em 4 partes.
As Janeiras “A Quitéria Regateira” foram representadas em Valbom em 1924. O GEG, recolheu-as de José Martins Oliveira, mas António Fonseca de S. Pedro da Cova disse-me que as representou lá. Em 1938 foram representadas em Gens e em 1984, O GEG, do qual eu fazia parte humildemente (por causa da minha excelente voz) percorreu Gondomar, a levar esta representação aos adros das igrejas, aos largos, a alegrar muita gente que chegava a chorar de alegria, revivendo a sua meninice. Foi uma experiência inesquecível!
Em 1998, Paulo de Passos Felgueiras, inseriu-as nos seus “Subsídios para uma monografia” de S. Veríssimo de Valbom. Deixo-lhe aqui a minha homenagem, através da filha, Susana Taborda, já que partiu sem que eu tivesse conhecimento e era uma pessoa de uma humanidade notável que enquanto eu viver, sempre recordarei.

 Na primeira os cantadores anunciam a sua chegada com a ramaldeira:
1ª parte




Boa noite meus senhores
Boa noite vimos ar
Se é tarde mandai-me embora
Se é cedo mandai-me entrar!

2ª parte:
Enquanto o som das violas e dos bombos chamam as pessoas para a festa, os intervenientes formam um círculo e dão início à oração, que constitui o início da função propriamente dita – trata-se de um cântico religioso ligado à quadra natalícia.



Coro:
Pastorinhos todos unidinhos
Vamos a Belém
Ver o Deus Menino
E a Virgem Mãe

Pastorinhos todos unidinhos
Vamos adorar
Ver o Deus Menino
Que nos vem salvar

Foi nascido em Belém
Na manjedoura dum boi
Veio dar a bênção ao mundo
E dizer-nos como foi

A 24 de Dezembro
Da meia noite para o dia
Nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria

Entrai pastores, entrai
Por este portão sagrado
Lá vereis o Deus Menino
Numas palhinhas deitado

Deus nos dê festas felizes
Estimados moradores
A bênção de Deus vos cubra
De Virtudes e de amores


3ª parte - representação

A Quitéria regateira
Aqui “bem” a regateira
E”bem” toda escamada
Por causa do “cambarista”
Quer a canastra selada.


Regateira:
 Ó senhor “variador”
Mas você não tem “rezão”
A canastra ter o selo
É uma “expuluração”

Vereador:
Eu sou o “variador”
Venho cheio de razão
Ou dizes como te chamas
Ou marchas já P´ra “Quintão”



Regateira:
Sou Quitéria Regateira sou filha
Da Redondinha
Natural de “Balbom”
Lugar de Fonte Pedrinha.

Zé Povo:

Ó Quitéria Regateira
Faça o seu negócio, faça
Nabos cá como os do Zé
não “aparece” na praça.


Coro:
Bamos todos camaradas
Bamos todos sem demora
Correr o “variador”
P´la porta da “Cambra” fora

Zé Povo:
Deixa fazer o negócio
Tu pratica ações de “home”
Se lá não aparecer à praça
Até tu mesmo passas fome.

Vereador:
Tu tens que cumprir à risca
cá esta questão do selo

Regateira:
 Isso é que nós veremos!

Zé Povo:
Põe.te “ábuar” seu “tramêlo”

Vereador:
Mas esta questão do selo
Já pegou em toda a parte.

Regateira:
Mas inda não há estampilha
p´ra selar o açafate.


Vereador:
Mas esta questão do selo
já há muito não só d´agora

Zé Povo:
Se não queres ser “encomodado”
Põe-te ábuar vai-te embora

Regateira:
Cá o Zé é quem trabalha
P´ra tu ires para o jardim

Zá Povo:
De noite para o teatro
De dia p´ro botequim

Regateira:
Eu mesmo já tenho visto
De vezes já não tem conta

Zé povo:
Eu mesmo vi-o na praça
Ele a apanhar uma ponta.

Vereador:
Não repitam a palavra
Se quando não estamos mal

Zé Povo:
Arrebita pouco cachimbo
se não há revolução geral.

Regateira:
Ai meu Deus que “insaltação”
Vai hoje aqui na cidade.

Zé Povo:
Não te aflijas rapariga
Q´eu acabo-lhes c´o a vaidade.

Coro:
Cada pancada seu jeito
Nesta corja de mandriões
Não os deixes abusar
E tu não vivas de ilusões

Regateira:
Perdoa-me por esta vez
Abandono esta vida

Zé Povo:
Continuas a vender
Segue p´rá frente rapariga

Verador:
Parece-me que estão brincando
Co´a senhora autoridade

Regateira:
Abandono esta vida
Não volto mais à cidade.


Vereador:
És regateira de praça
És obrigada a vender

Zé Povo:
Mas não é obrigada a ganhar
Para vós ladrões “comer”.

Regateira:
Vamos ao que nos importa
P´ra “librar” a questão
diga-me se estou perdoada…

Zé Povo:
Se paga o selo ou não.

Vereador:
Do selo estás perdoada
Porque a lei não está em vigor
Por agora ficas multada
Em cem mil reis a favor.

Regateira:
Eu não posso pagar isso
No ano não ganho tanto.

Vereador:
O Zé é quem paga tudo
Tu não faças tanto espanto.

Zé Povo:
Agora estou mais contente
por a lei não estar em vigor
Vai pedir a essa gente
Se dá alguma coisa por favor.

Regateira:
Adeus ó patrão da casa
Regateira vai-te embora
Dâ-nos alguma coisinha
P´ra juda da multa agora

Zé Povo:
Adeus ó patrão da casa
Até ó ano que vem

Regateira:
Dê-nos alguma coisinha
Que é aquilo que nos convém

Vereador:
C á este vereador
Também alguma coisa queria

Zé Povo:
Tragam-lhe pão bolorento
E um copinho de água fria.

Regateira:
Cá este nosso fiscal
Está a pedir não tem “bergonha”.

Zé Povo:
Arreiem-lhe daí com um peso
Põe-te “ábuar” sua peçonha

Regateira:
Adeus ó patrão da casa
Deus lhe dê festinha alegre

Vereador:
Tragam-lhe qualquer coisinha
P´ra ela qualquer coisa serve.

Regateira:
Cale-se seu atrevido
Se não dou-lhe já có chinelo

Zé Povo:
Dá com força rapariga
Que ele só larga farelo.

Vereador:
Deixa pôr “ábuar”
Antes de ser desfeiteado

Regateira:
É tratante, é maroto

Zé Povo:
E é um grande malcriado.

Coro:
Vamos embora cachopa
Vou-vos dizer como é
Dê-nos alguma coisinha
Quem recebe é cá o Zé.

4ª parte:
Despedida:

Adeus ó patrão da casa
Até ao ano que vem
Dê-nos alguma coisinha
Que é isso que nos convém.

Por vezes a festa prosseguia portas adentro, em alegre convívio, outras vezes, ia em frente ao som da ramaldeira, ao encontro de novos convivas.



Em 2005, a APEL - Associação de pais da escola da Lagoa  resolveu adaptar estas Janeiras  ao contexto da época e com elas participar na festa de Natal. Os ensaios foram poucos, creio que não houve nenhum geral e a função correu um pouco desafinada. De qualquer forma, a representação mostrava algumas verdades.



Coro:
Pastorinhos todos unidinhos
Vamos a Belém
Ver o Deus Menino
E a Virgem Mãe

Pastorinhos todos unidinhos
Vamos adorar
Ver o Deus Menino
Que nos vem salvar

Foi nascido em Belém
Na manjedoura dum boi
Veio dar a bênção ao mundo
E dizer-nos como foi

A 24 de Dezembro
Da meia noite para o dia
Nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria

Entrai pastores, entrai
Por este portão sagrado
Lá vereis o Deus Menino
Numas palhinhas deitado

Deus nos dê festas felizes
Estimados moradores
A bênção de Deus vos cubra
De Virtudes e de amores


3ª parte - representação

Coro:
Aqui “bem” a regateira
E bem toda escamada
São horas do inglês
Inda não vendeu a pescada.

Quitéria:
Ó rapaz espera aí
Não sei onde vais almoçar
Vamos ver se a tua tia
Ainda está para t´aturar!

Dizem lá que na escola
Tu vais ter a refeição
Só não sei se é pr´ agora
Ou pr´ a depois do S. João!

Eu bem queria que comesses
Numa cantina arejada
Com cortinas nas janelas
No prato a minha pescada

Queria um rico lavatório
Para ires pr´ a mesa lavado
Rapaz com essas maneiras
Ainda te vou ver deputado!

Vereador:
Vamos lá minha senhora
Uma coisa de cada vez
Não acha bem o seu filho
Na escola aprender inglês?

Quitéria:
É muito bom sim senhora
Mas o que hei-de fazer
Se o vou levar à escola
Não posso o peixe vender!

Srª Presidente:
D. Quitéria, paciência!
Foi o que se pode arranjar
Com tantos despachos para ler
Não sei para onde me virar!

Quitéria:
Inda falta a Informática
E até a natação
Com tantas actividades
Que tempo sobra pr´a  lição?

Zé Povinho:
São belas as actividades
Mas para ninguém se dispersar
Será bom que estas se façam
Fora do horário escolar.

Quitéria:
Coitados dos professores
Com tanto para aturar
E disseram-me noutro dia
Que não se podem reformar!

Zé Povinho:
Coitados é dos meninos
Vão ter mestres de bengala
E óculos tão graduados
Que nem enxergam a sala!

Fiscal:
Boa noite, meus senhores
Venho aqui averiguar
A que horas esta escola
Tem o hábito de encerrar!

Se for antes das cinco e meia
Nem pensem que vou tolerar
O horário é para cumprir
Pr´os  meninos ocupar.


Zé Povinho:
Para tudo harmonizar
Há uma coisa a fazer
É a gente associar-se
Pr´os problemas resolver

Coro:
O Zé, não te aflijas
Já somos da APEL
Que em protestos e propostas
Já gastou muito papel

Zé Povinho:
Juntos vamos pr´á frente
Que esta luta é pr´a vencer
Juntemos as nossas forças
Porque querer é poder!


Coro:
E já agora é bom lembrar
Algo de muito especial
Só com a ajuda de todos
É que vem o Pai Natal!

4ª parte – despedida


Adeus ó patrão da casa
Até ao ano que vem
Dêem-nos alguma coisinha
Que é isso que nos convém!

Com votos de Boas festas