sexta-feira, 23 de junho de 2023

S. João ou as festas do Solstício

  


S. João de João Cutileiro e festas juninas, Rua do Almada (Porto desaparecido).



Arco da Rua do Almada. Porto desaparecido






Festas de verão, 1908




Arco triunfal erguido a propósito das Festas de Verão na rua de Santo António (hoje de 31 de Janeiro), em 1908. O tripeiro





                                                   Rusgas sanjoaninas. Porto desaparecido


Alho porro. Porto desaparecido.

Tapeçaria produzida em 1962, da autoria  de Mestre Guilherme Camarinha (1912-1994), retrata a Festa de São João.  Nesta tapeçaria estão presentes: o baptismo de Cristo por São João Baptista, o fogo das fogueiras; a água das orvalhadas; os balões a subirem para o céu ; as danças e as rusgas populares; os alhos-porros e ervas de cheiro; o anho assado e outras gastronomias; as cascatas e os casais de namorados.

S. João, Cutileiro. Praça da Ribeira.

S. João da Foz. Igreja da Foz.



S. João. Igreja da Foz





S. João, Passeio Alegre. Foz



S. João, casa Teixeira de Pascoais, Amarante





S. João, Casa Teixeira de Pascoais, pormenor







S. João - Fontainhas, Porto









Bom S. João!

As festas de Solstício vêm de longa data na história da humanidade. Ligam-se aos rituais e passagem, sempre temidos, e por isso sempre apaziguados com fogo, água, sons e plantas. Com o passar do tempo e a cristianização dos povos que ocupavam o espaço europeu, os rituais ganharam um cunho religioso, ligando-se a santos. S. João é um dos mais populares.

As fogueiras, por exemplo, passaram a simbolizar a forma como  Isabel, mãe de João Batista, anuncia a Maria, o nascimento do filho que batizaria Jesus. As bandeirinhas podem ser versões coloridas e menores das grandes bandeiras de Santo António, S. João e S. Pedro. Os balões seriam lançados para anunciar o início da festa.

 

As festividades do solstício ou S. João existem, por exemplo, na Alemanha, Dinamarca, Espanha, Estónia, França, Gécia, Irlanda, Polónia, Portugal, Suécia, assim como também na Rússia, Ucrânia e regiões vizinhas.  

Na Alemanha, na celebração de S.  João,  ou “sommersonnenwende” há danças à volta de uma fogueira e o lançamento de flores e ervas aos lagos, num ritual de boas vindas à nova estação.  

Na Dinamarca, a “sankthansaften”  ou “véspera de S.  João” comemora-se com fogueiras , piqueniques e canções tradicionais.

Em tempos passsados, acreditava-se que  os espíritos bons e maus sobrevoavam os campos nessa noite, pelo que as fogueiras acesas pretendiam afastá-los.  Em épocas intransigentes, muitas muheres tidas como bruxas foram queimadas nessas fogueiras.Na atualidade, há uma fogueira em cada bairro de Copenhaga e uma bruxinha hasteada, aludindo a esse costume.

Na Estónia, além da herança pré-cristã , há a comemoração da liberdade e independência, já que uma das batalhas da Guerra da Independência do país ocorreu a 23 de junho de 1919, na qual os estonianos venceram as tropas alemãs.  Por isso,  nesse país, a fogueira principal é acesa pelo presidente do país e é a partir da “chama da independência” que se acendem tochas para atear outras fogueiras.   Há também o costume de saltar fogueiras  e falar de amor. Aqui, um conto tradicional  conta a história de dois apaixonados, Koit e Hämarik, que só se veem uma vez por ano, nessa noite mais curta do ano.

A Espanha também comemora o S. João com fogueiras, convívio e comida típica.

Na Finlândia a “juhannus”  ou “pleno verão”, famoso sol da meia-noite,  é comemorado com fogueiras junto dos lagos e rios.  

Na França, a festa de S. João é festejada com  danças e fogueiras.  

Na Noruega  (espaço Schengen) a “Sankthans” é comemorada com comida típica e uma grande fogueira.

Na Polónia, a “noc swietojanska”, noite de S. João, antiga “Noc Kupały”, “noite de verão” é festejada pelas pessoas que desejam sorte umas às outras, atiram cartas de amor sobre as águas dos rios e saltam fogueiras. Hoje a nota dominante é o convívio a ver os fogos de artifício e a ouvir música.

Na Rússia (que não pertence à U. E.)  e países vizinhos, a “Ivan Kupala”, que significa “João Batista” é também celebrada atirando flores aos lagos e com muitas brincadeiras ligadas à água.

Na Suécia, na  “Midsommar” , as pessoas dançam em redor de um pilar cheio de folhas e flores, havendo comida típica que inclui: peixe, batatas e morangos.

Em Portugal, O S. João é celebrado em diversas regiões, com destaque para  Porto e Braga.

 

 

S. João do Porto

 

No Porto destaca-se  o dar a cheirar ervas aromáticas com principalmente a cidreira, costume ligado a antigos rituais de fertilidade. Em Braga, a Dança dos Pastores e a Dança do Rei David impunha-se, assim como em Sobrado, Valongo, a dança dos Bugios e Mourisqueieiros (Bugiadas).

Nos Açores, esta festa reveste particular brilho em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, com  desfiles, marchas, carros alegóricos, danças e bailes.

A primeira referência aos festejos sanjoaninos remonta ao século  XIV já que Fernão Lopes se refere a esta festa.

Embora muitas tradições já se tenham perdido, no Dia de São João, virtudes e poderes especiais estão associados ao fogo, ao orvalho, à água das fontes, dos rios e do mar, às ervas, às plantas e até mesmo ao Sol.

Segundo Germano da Silva, o manjerico, o alho-porro, os cravos e a erva-cidreira possuem, no entender do povo, virtudes específicas, provenientes do orvalho, associadas por exemplo a amores felizes ou casamento próximo.

O alho porro estará, segundo alguns estudiosos ligados ao culto fálico e o balão ao culto solar.

Ruas ornamentadas e iluminadas, arraiais, danças, músicas, jogos e desfiles alegravam a cidade, durante as Festas de Verão, que eram animadas pelo Clube dos Girondinos e Clube dos Fenianos, entre outras entidades. Nestas festas, a cidade engalanava-se, tal como no Carnaval, atraindo muita  gente.

Foi no século XIX que apareceram as primeiras cascatas no Porto. De acordo com o historiador Hélder Pacheco, “o pai e a mãe das cascatas foram os presépios, que surgiram em Portugal nos finais do século XVIII”. Segundo ele, os presépios eram transformados, substituindo-se a Sagrada Família e os reis magos pelos santos populares. (Helder Pacheco: 2004) Porto - O Livro do S. João

O martelinho foi Inventado pelo industrial portuense Manuel Boaventura e oferecido aos estudantes da Queima das Fitas de 1963, tornando-se um sucesso. Os comerciantes do Porto viram nestes "martelos musicais" potencialidades para a festa de São João, até porque um ritual de passagem que se preze, como este, que em tempos antigos celebrava a transição do equinócio para o solstício, tinha que ter fogo, ruído e água.

A primeira referência aos festejos sanjoaninos remonta ao século  XIV já que Fernão Lopes se refere a esta festa.

Em 1851, os jornais relatavam a presença de cerca de 25 mil pessoas nos festejos sanjoaninos entre os Clérigos e a Rua de Santo António.

 

1910, um concurso hípico integrado nos festejos motivou a presença do infante D. Afonso, tio do rei (a revolução republicana apenas se daria em Outubro).

 

Nesta festa, destacam-se os alhos porros para bater na cabeça de quem passa, saltos à fogueira, manjericos com quadras, lançamento de balões de ar quente e enfeites coloridos. A partir de em 1963, os martelinhos impuseram-se.

 

Bibliografia/Webgrafia:

Helder Pacheco. 2004. Porto- O Livro do S. João. Edições Afrontamento

Webgrafia.

Germano Silva, Porto do Germano: Os rituais do São João. Disponível em https://www.jn.pt/4843057773/porto-do-germano-os-rituais-do-sao-joao/. Consultado: 20 junho, 2023 às 15:00.

  https://www.semprefamilia.com.br/cultura/festas-juninas-pelo-mundo-como-sao-joao-e-celebrado-em-outros-paises/

https://www.awebic.com/sao-joao-em-outros-paises/

Bispo luterano abençoa a “chama da independência”. Foto: Ardi Hallismaa/Forças Armadas da Estônia.

https://veronicandrade.wordpress.com/tag/sao-joao-na-dinamarca/

https://www.360meridianos.com/especial/sao-joao-espanha

https://buencamino.com.br/2021/06/23/sao-joao-na-galicia/

http://farofadbatata.blogspot.com/2009/06/festa-junina-polonia-despois-de-tantos.html

viajandonotempo  - https://viajandonotempo.blogs.sapo.pt/20151.html

https://www.oportoencanta.com/2015/06/uma-cascata-de-sao-joao-com-mais-de-40 anos.

Germano Silva, Porto do Germano: Os rituais do São João, 20 junho, 2023 às 15:00, https://www.jn.pt/4843057773/porto-do-germano-os-rituais-do-sao-joao/


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Zeca Afonso

 





“- Bem, eu sou o vosso novo professor de Organização Política, mas devo dizer-vos que não percebo nada disto. Vocês já deram isto o ano passado, não foi? Então sabem, de certeza, mais que eu.

Gargalhada geral.

- Podem rir porque é verdade. Eu não percebo nada disto, as minhas disciplinas, aquelas em que me formei, são História e Filosofia, não tenho culpa que me tivessem posto aqui, tipo castigo, para dar uma matéria que não conheço, nem me interessa. Podia estudar para vir aqui desbobinar, tipo papagaio, mas não estou para isso. Não entro em palhaçadas.

Voltámos a rir, numa sonora gargalhada, tipo coro afinado, mas ele ficou impávido e sereno. Continuava a mostrar um semblante discreto, calmo, simpático.”

(...)

“- Repito – eu não percebo nada desta disciplina que vos venho leccionar, nem quero perceber. Estou-me nas tintas para esta porcaria. Mas, atenção, vocês é outra coisa. Vocês vão ter que estudar porque, no final do ano, vão ter que fazer exame para concluírem o vosso 7º ano e puderem entrar na Faculdade. Isso, vocês têm que fazer. Estudar. Para serem homens e mulheres cultos para puderem combater, cada um onde estiver, esta ditadura infame que está a destruir a vossa pátria e a dos vossos filhos. Vocês são o amanhã e são vocês que têm que lutar por um novo país.

Não vão precisar de mim para estudar esta materiazinha de chacha, basta estudarem umas horas e empinam isto num instante. Isto não vale nada. Eu venho dar aulas, preciso de vir, preciso de ganhar a vida, mas as minhas aulas vão ser aulas de cultura e política geral. Vão ficar a saber que há países onde existem regimes diferentes deste, que nos oprime, países onde há liberdade de pensamento e de expressão, educação para todos, cuidados de saúde que não são apenas para os privilegiados, enfim, outras coisas que a seu tempo vos ensinarei. Percebem? Nós temos que aprender a não ser autómatos, a pensar pela nossa cabeça. O Salazar quer fazer de vocês, a juventude deste país, carneiros, mas eu não vou deixar que os meus alunos o sejam. Vou abrir-lhes a porta do conhecimento, da cultura e da verdade. Vou ensinar-lhes que, além fronteiras, há outros mundos e outras hipóteses de vida, que não se configuram a esta ditadura de miséria social e cultural”. Hélia Carvalho

 

Cerca de dois meses depois, Zeca Afonso foi preso.

 

 Em 1983, muito doente convidou Rui Pato (já médico) afastado das andanças dos acompanhamentos, para tocar consigo no concerto do Coliseu de Lisboa. Perguntou a Rui Pato o que queria tocar. Este respondeu: a “Canção de embalar”. Zeca responde que não sabe se a consegue cantar.

https://www.youtube.com/watch?v=l68SAEpesvI

 

 

À quinta música do alinhamento, do Concerto do Coliseu de Lisboa,  “Balada de Outono”',  José Afonso emociona-se, mas persiste em  cantar: “Águas das fontes calai / ó ribeiras chorai / que eu não volto a cantar”.

 

Claro que volta! Está no nosso

https://www.esquerda.net/dossier/zeca-afonso-suas-aulas-eram-absolutamente-revolucionarias/47134

https://radiocomercial.iol.pt/noticias/133490/despedida-de-zeca-afonso-no-coliseu-de-lisboa-foi-ha-40-anos

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto

 

27 de janeiro

Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto

O Holocausto foi a ação de extermínio em massa de cerca de seis milhões de judeus que ocorreu durante a 2º Guerra Mundial. Através de um plano macabro e atentatório dos Direitos do Homem, Adolf Hitler foi responsável pela morte de mais de um milhão de crianças, dois milhões de mulheres e três milhões de homens judeus.



O texto seguinte constitui um testemunho, vivido na primeira pessoa, de Ida Grinspan, uma jovem judia, que tinha 14 anos quando a sua vida se cruzou com os planos de Hitler.

“Não sou vítima. Sobrevivi a Auschwitz”

Passava da meia-noite, de 30 para 31 de janeiro de 1944, quando o barulho de uma travagem brusca a acordou. Ouviu vozes. Três gendarmes franceses falavam com (…) a ama que a acolhera, para a proteger dos bombardeamentos de Paris.


                                                Transporte de judeus para Auschwitz, 1942

O texto seguinte constitui um testemunho, vivido na primeira pessoa, de Ida Grinspan, uma jovem judia, que tinha 14 anos quando a sua vida se cruzou com os planos de Hitler.

“Não sou vítima. Sobrevivi a Auschwitz”

Passava da meia-noite, de 30 para 31 de janeiro de 1944, quando o barulho de uma travagem brusca a acordou. Ouviu vozes. Três gendarmes franceses falavam com (…) a ama que a acolhera, para a proteger dos bombardeamentos de Paris.

 


Um dormitório em Auschwitz
Ida Grinspan tinha apenas 14 anos. Pensou em fugir, mas (…) desistiu. Não chorou quando foi presa. Nem quando a intimidaram a revelar o paradeiro do seu pai e irmão. Da cidade de Deux-

-Sèvres foi levada para Paris e, de lá, para Drancy. Meteram-na num comboio. Viajou durante três dias e três noites, sem comida nem espaço para as pernas, apenas com um balde de água para dezenas de pessoas e uma latrina. “A água acabou e a latrina transbordou. O cheiro era insuportável. Acreditou-se que pior não poderia ser”. Chegou (…) entre gritos ensurdecedores. Juntou-se às mulheres que diziam não estar cansadas e entrou no campo, sem saber que era vedado a menores de 16 anos (…).

“Puseram-me nua, à frente dos SS. Raparam-me todos os pelos do corpo e tatuaram-me um número no braço esquerdo, depois de um duche bem gelado, o único que tomei no campo”.

Ida entrou no barracão bem vestida, um penteado à moda e saiu com um número, com uma estrela de David. “No espaço de meio-dia, tudo desaba”. Mas não chorou. Mantinha a esperança de encontrar a mãe, presa em julho de 1942.

Disseram-lhe que não teria de aguentar tanto tempo. Falaram-lhe das câmaras de gás. Mas não acreditou. Ninguém acreditou. Rapidamente perceberam. “Pelo cheiro a carne queimada (…)”.

Trabalhou 12 horas por dia, sete dias por semana.

“Transportei pedras, um trabalho que não servia para nada. Só para nos embrutecer. Éramos cinco numa cama. A manta era curta demais e as da ponta tinham frio. Então a mais velha organizou tudo. Todos os dias, uma diferente dormia no meio. A solidariedade não era a partilha de pão, porque não o tínhamos. Eram estas coisas”.

Ida Grinspan saiu de Auschwitz a 18 de janeiro de 1945 (…).Ela e outros prisioneiros caminharam durante três noites e três dias, sem comida. Só neve, mal calçados, mas a bom passo, porque os russos vinham mesmo atrás. “Ouvimos o assobio das balas. E víamos, no caminho, os corpos abatidos. Sempre cinco a cinco (…)”.

Chegaram ao campo (…) tinha os pés gelados e contraíra tifo (doença). De repente os alemães abandonaram o campo e, dia e meio depois, os russos chegaram (…). Mais tarde, apareceram “três soldados americanos lindíssimos”. Deram-lhe rebuçados, chocolate e pastilhas e partiram (…).

“Quando regressei a Paris, tinha quase 17 anos. Não pude voltar à escola (…)”.

A guerra tinha acabado, mas foi difícil recomeçar sem os pais (entretanto desaparecidos).

“Nem esquecimento nem perdão! Esquecer é impossível (…). Algum SS pediu perdão? Alguma vítima perdoou? (…) Hoje, só quero que saibam o que os homens puderam fazer a outros homens. Que saibam o que se passou, que pode acontecer, que estejam atentos. A Alemanha perdeu a guerra, mas o nazismo não morreu. As ideias nazis existem no Mundo inteiro”.

Inês Rapazote e Gonçalo Rosa da Silva, “Testemunho de Ida Grinspan, vítima do Holocausto”, 1944. Revista Visão Nº 1159, maio de 2015.

Inês Rapazote e Gonçalo Rosa da Silva, “Testemunho de Ida Grinspan, vítima do Holocausto”, 1944. Revista Visão Nº 1159, maio de 2015.

 

 Atividade

1. O que mais te impressionou no testemunho que acabaste de ler?

2. Lê a afirmação:

Hoje, só quero que saibam o que os homens puderam fazer a outros homens. Que saibam o que se passou, que pode acontecer, que estejam atentos,

2.1. Com base na afirmação de Ida Grinspan, consideras que massacres como o do holocausto, durante a 2ª Guerra, nunca mais acontecerão?


Para saberes mais…Vídeos sobre o Holocausto:

Reportagem RTP

https://www.youtube.com/watch?v=3pU3Kmqkfow

 

Reportagem SIC - 70 anos da Libertação Auschwitz

https://www.youtube.com/watch?v=TYhWKA-BAv4

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Fogaça de Santa Maria da Feira






Segundo dizem os investigadores, esta Festa teve origem num voto que remonta a 1505, que prometia a S. Sebastião, a oferta de um pão doce e uma procissão, em cada 20 de janeiro, a S. Sebastião, para que protegesse o povo contra a peste, a fome e a guerra. Teria nascido, assim a fogaça com quatro torres, representação do Castelo da Feira.

Manda a tradição que, por ocasião da Festa das Fogaceiras, se envie fogaças aos familiares e amigos que se encontram longe.

A minha não veio de longe, mas era tão boa!




quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Obrigada

 O Tratado da Gratidão de São Tomás de Aquino tem três níveis de gratidão: um nível superficial, um nível intermédio e um nível mais profundo.

O nível superficial é o nível do reconhecimento, do reconhecimento intelectual, do nível cerebral, do nível cognitivo do reconhecimento.
O segundo nível é o nível do agradecimento, do dar graças a alguém por aquilo que esse alguém fez por nós.
E o terceiro nível mais profundo do agradecimento é o nível do vínculo, é o nível do sentirmos vinculados e comprometidos com essas pessoas.
(...) Em inglês ou em alemão agradece-se no nível mais superficial da gratidão. Quando se diz “thank you” ou quando se diz “zu danken” estamos a agradecer no plano intelectual. (...)
Quando se diz “merci” em francês, quer dizer dar uma mercê, dar uma graça. Eu dou-lhe uma mercê, estou-lhe grato, dou-lhe uma mercê por aquilo que me trouxe, por aquilo que me deu. Em espanhol “gracias”, ou “grazie” em italiano. Dou-lhe uma graça por aquilo que me deu e é nesse sentido que eu lhe agradeço, é nesse sentido que eu lhe estou grato.
Só em português, (...) que eu saiba, é que se agradece com o terceiro nível, o terceiro nível, o nível mais profundo do tratado da gratidão. Nós dizemos “obrigado”.
E obrigado quer dizer isso mesmo. Fico-vos obrigado. Fico obrigado perante vós.
Fico vinculado perante vós. (...)
Jeanlauand




domingo, 1 de janeiro de 2023

Janeiro




Jano (em latim: Janus) é o deus romano das mudanças e transições.

Janeiro era uma homenagem a Jano, um dos principais deuses romanos., representado com duas faces. A princípio, cada face apresentava o masculino e feminino, simbolizando  até  a oposição entre o Sol e Lua. Mais tarde passou a representar a juventude e a velhice , passando, posteriormente a apresentar duas faces iguais.

Existem muitas versões da origens do deus Jano. Uma delas refere-se a Jano como um homem mortal nascido em Tessália, filho do deus Apolo e Creusa. Ao tornar-se rei da região de Lácio, foi elevado ao estatuto  de deus após a morte. Teria sido um corajoso  explorador que fundou a cidade de Janícula e casado com a ninfa Camasene do Lácio tendo desse casamento um flho o deus-rio Tiberino, responsável pelo nome do rio Tibre.


A escultura da cabeça de Jano, (retirada da página do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa) simbolizando votos de bons começos, proveniente da cidade etrusco-romana de Vulci, datada do seculo II antes de Cristo, está atualmente no Museo Nazionale Etrusco di Villa Giulia, em Roma.




sábado, 25 de junho de 2022

Un monde (O recreio)

 

“Nora tem sete anos e regressou à escola com Abel, o seu irmão mais velho. Quando ela percebe que ele é constantemente atormentado por alguns colegas, quer protegê-lo e contar aos pais. Mas ele obriga-a a guardar segredo. A pequena vê-se assim dividida entre o que considera certo e a lealdade à promessa que fez.

Em competição na secção Un Certain Regard no Festival de Cinema de Cannes (onde arrecadou o prémio FIPRESCI), este é um drama sobre "bullying" e violência emocional entre crianças que conta com assinatura da realizadora belga Laura Wandel.” PÚBLICO

 "Recreio", primeira longa-metragem dirigida (e escrita) pela belga Laura Wandel, é um drama sobre bullying entre crianças que nos introduz no campo de guerra do recreio de uma escola primária.

 Un monde ou O Recreio, merece ser visto por pais e professores já que mostra aos adultos, o mundo das crianças.

 Com graça, a realizadora questionada sobre os comentários de que o que mostra no filme é impossível em Portugal respondeu.... "Não acredito...."

#unmonde #recreio #cinema #psicologiainfantil #educação #escolas #professores #crianças #bullying #laurawandel #MayaVanderbeque

https://cinecartaz.publico.pt/filme/recreio-408147

 

Entrevista

Recreio: "O filme é uma metáfora do mundo dos adultos"

                                                                                                                            João Antunes

                                                                                                                           24 Junho 2022 às 22:07

 

É uma obra perturbadora, construída a partir da visão das crianças.

Recreio" ("Un monde", no original) acompanha Nora, uma menina de sete anos, que vai para a escola com o irmão mais velho. Mas quando parecia ser este a tomar conta dela, é Nora quem vai tomar conta dele.

“De uma certa forma, é uma metáfora do mundo dos adultos: há o jogo dos territórios, a necessidade de se integrar, de ser reconhecido. Problemáticas que afligem os humanos, crianças ou adultos. Queria que o meu filme fosse um espelho do mundo, de uma forma global.”

O seu filme mostra alguns jovens que, apesar da idade que têm, demonstram já alguma forma de crueldade...

Para escrever o filme passei bastante tempo no recreio de escolas e a falar com professores. E com um psiquiatra, especialista em violência na escola, que afirma que uma criança que é violenta é uma criança em sofrimento. Que a sua violência é sempre uma reação a qualquer coisa. Que tem uma ferida ainda não foi reconhecida e que a violência é a única maneira de manifestar qualquer coisa que não está bem consigo.

 Concorda com essa teoria?

Tenho a impressão que é a mesma coisa para os adultos. Mas penso que a bondade é instintiva. E o que se passa no filme é um regresso a essa bondade instintiva que temos dentro de nós. Todas aquelas crianças estão ligadas pelo mesmo medo, o da exclusão.

(...)

Tentei mostrar a violência física mas também a violência verbal, mental. Mas fiquei com a impressão de que só mostrei a violência física nos rapazes. De qualquer forma, não quis categorizar claramente rapazes e raparigas. As raparigas também podem ser tão violentas como os rapazes.

A personagem do pai é muito interessante, mas não sabemos muito bem o que se passa com ele...

Quis mostrar um pai inquieto, o que é normal, que não sabe como agir com os seus filhos. A situação escapa-lhe completamente, porque os filhos não lhe contam nada, têm medo da reação dele. Mas não sabemos se está desempregado, são as outras crianças que dizem a Nora que o pai não trabalha, porque está a aparecer a toda a hora.

A mãe é uma personagem completamente ausente...

Não se sabe, pode estar desempregada, pode estar em casa. Mas não quis dar respostas. Detesto dar respostas, gosto que o espectador possa construir a trama que lhe apetece. E que possa participar na narração, é muito importante para mim. Quando não sabemos as coisas vamos mais rapidamente aos estereótipos. As coisas são muito mais complexas do que pensamos.

Para filmar sempre à altura do olhar de Nora utilizou um dispositivo fílmico que deve ter sido complicado de pôr em prática.

Desde o início que decidi que a câmara deveria manter-se sempre à altura das crianças. Queria transportar o espectador para o olhar das crianças, o que é ver o mundo a essa altura. O diretor de fotografia tinha a câmara à altura da cintura e era ele que acompanhava a Maya, era ele que se tinha de adaptar à atriz. Não eram eles que se tinham de adaptar a nós, mas nós a eles. O dispositivo era simples, mas o trabalho complicado, por exemplo ao nível do foco. Foi uma proeza impressionante.

(...)

Dizem que trabalhar com crianças é sempre complicado. Como é que trabalhou com este grupo?

Começámos a trabalhar muito antes com as personagens principais. Não lhes dei o guião a ler, não queria que fosse uma coisa recitada, queria que se apropriassem do filme. Trabalhámos todos os fins de semana durante quatro meses antes de filmar, Como nunca tinham representado, o que lhes pedi para começar foi criar a marioneta das suas personagens. Para que compreendessem que não eram eles, mas sim personagens.

Incluiu no guião muitas das propostas deles?

Fui-me apropriando de muitas coisas que eles propuseram para a escrita do guião final, sim. Dávamos-lhes o início da cena e perguntávamos o que pensavam que as suas personagens fariam. Isso permitiu que falássemos da violência na escola, da relação com os outros. E propus-lhe que desenhassem todas as cenas num caderno. Na rodagem permitia-lhes recordar o que tinham feito, mas de forma lúdica.

Em que filmes se inspirou para criar a sua história?

O "Ponette", do Jacques Doillon, era evidente. Aliás, mostrei-o à Maya. Também mostrei "O Miúdo da Bicicleta", dos irmãos Dardenne. É claro que há "Os 400 Golpes", mesmo que a personagem seja mais velha. E também me lembre de "O Balão Branco", do Jafar Panahi, todo sobre o ponto de vista de uma criança. É verdade que há filmes extraordinários sobre o universo das crianças.

(...)

Como foi a estreia em Cannes?

Sinceramente, a primeira projeção em Cannes foi o momento mais bonito da minha vida. Ainda por cima tivemos de esperar um ano, porque o confinamento veio logo a seguir ao último dia da pós-produção. Pensei que este filme nunca ia ser visto, depois de sete anos de batalha.

https://www.jn.pt/artes/recreio-o-filme-e-uma-metafora-do-mundo-dos-adultos-14967037.html