sábado, 25 de junho de 2022

Un monde (O recreio)

 

“Nora tem sete anos e regressou à escola com Abel, o seu irmão mais velho. Quando ela percebe que ele é constantemente atormentado por alguns colegas, quer protegê-lo e contar aos pais. Mas ele obriga-a a guardar segredo. A pequena vê-se assim dividida entre o que considera certo e a lealdade à promessa que fez.

Em competição na secção Un Certain Regard no Festival de Cinema de Cannes (onde arrecadou o prémio FIPRESCI), este é um drama sobre "bullying" e violência emocional entre crianças que conta com assinatura da realizadora belga Laura Wandel.” PÚBLICO

 "Recreio", primeira longa-metragem dirigida (e escrita) pela belga Laura Wandel, é um drama sobre bullying entre crianças que nos introduz no campo de guerra do recreio de uma escola primária.

 Un monde ou O Recreio, merece ser visto por pais e professores já que mostra aos adultos, o mundo das crianças.

 Com graça, a realizadora questionada sobre os comentários de que o que mostra no filme é impossível em Portugal respondeu.... "Não acredito...."

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https://cinecartaz.publico.pt/filme/recreio-408147

 

Entrevista

Recreio: "O filme é uma metáfora do mundo dos adultos"

                                                                                                                            João Antunes

                                                                                                                           24 Junho 2022 às 22:07

 

É uma obra perturbadora, construída a partir da visão das crianças.

Recreio" ("Un monde", no original) acompanha Nora, uma menina de sete anos, que vai para a escola com o irmão mais velho. Mas quando parecia ser este a tomar conta dela, é Nora quem vai tomar conta dele.

“De uma certa forma, é uma metáfora do mundo dos adultos: há o jogo dos territórios, a necessidade de se integrar, de ser reconhecido. Problemáticas que afligem os humanos, crianças ou adultos. Queria que o meu filme fosse um espelho do mundo, de uma forma global.”

O seu filme mostra alguns jovens que, apesar da idade que têm, demonstram já alguma forma de crueldade...

Para escrever o filme passei bastante tempo no recreio de escolas e a falar com professores. E com um psiquiatra, especialista em violência na escola, que afirma que uma criança que é violenta é uma criança em sofrimento. Que a sua violência é sempre uma reação a qualquer coisa. Que tem uma ferida ainda não foi reconhecida e que a violência é a única maneira de manifestar qualquer coisa que não está bem consigo.

 Concorda com essa teoria?

Tenho a impressão que é a mesma coisa para os adultos. Mas penso que a bondade é instintiva. E o que se passa no filme é um regresso a essa bondade instintiva que temos dentro de nós. Todas aquelas crianças estão ligadas pelo mesmo medo, o da exclusão.

(...)

Tentei mostrar a violência física mas também a violência verbal, mental. Mas fiquei com a impressão de que só mostrei a violência física nos rapazes. De qualquer forma, não quis categorizar claramente rapazes e raparigas. As raparigas também podem ser tão violentas como os rapazes.

A personagem do pai é muito interessante, mas não sabemos muito bem o que se passa com ele...

Quis mostrar um pai inquieto, o que é normal, que não sabe como agir com os seus filhos. A situação escapa-lhe completamente, porque os filhos não lhe contam nada, têm medo da reação dele. Mas não sabemos se está desempregado, são as outras crianças que dizem a Nora que o pai não trabalha, porque está a aparecer a toda a hora.

A mãe é uma personagem completamente ausente...

Não se sabe, pode estar desempregada, pode estar em casa. Mas não quis dar respostas. Detesto dar respostas, gosto que o espectador possa construir a trama que lhe apetece. E que possa participar na narração, é muito importante para mim. Quando não sabemos as coisas vamos mais rapidamente aos estereótipos. As coisas são muito mais complexas do que pensamos.

Para filmar sempre à altura do olhar de Nora utilizou um dispositivo fílmico que deve ter sido complicado de pôr em prática.

Desde o início que decidi que a câmara deveria manter-se sempre à altura das crianças. Queria transportar o espectador para o olhar das crianças, o que é ver o mundo a essa altura. O diretor de fotografia tinha a câmara à altura da cintura e era ele que acompanhava a Maya, era ele que se tinha de adaptar à atriz. Não eram eles que se tinham de adaptar a nós, mas nós a eles. O dispositivo era simples, mas o trabalho complicado, por exemplo ao nível do foco. Foi uma proeza impressionante.

(...)

Dizem que trabalhar com crianças é sempre complicado. Como é que trabalhou com este grupo?

Começámos a trabalhar muito antes com as personagens principais. Não lhes dei o guião a ler, não queria que fosse uma coisa recitada, queria que se apropriassem do filme. Trabalhámos todos os fins de semana durante quatro meses antes de filmar, Como nunca tinham representado, o que lhes pedi para começar foi criar a marioneta das suas personagens. Para que compreendessem que não eram eles, mas sim personagens.

Incluiu no guião muitas das propostas deles?

Fui-me apropriando de muitas coisas que eles propuseram para a escrita do guião final, sim. Dávamos-lhes o início da cena e perguntávamos o que pensavam que as suas personagens fariam. Isso permitiu que falássemos da violência na escola, da relação com os outros. E propus-lhe que desenhassem todas as cenas num caderno. Na rodagem permitia-lhes recordar o que tinham feito, mas de forma lúdica.

Em que filmes se inspirou para criar a sua história?

O "Ponette", do Jacques Doillon, era evidente. Aliás, mostrei-o à Maya. Também mostrei "O Miúdo da Bicicleta", dos irmãos Dardenne. É claro que há "Os 400 Golpes", mesmo que a personagem seja mais velha. E também me lembre de "O Balão Branco", do Jafar Panahi, todo sobre o ponto de vista de uma criança. É verdade que há filmes extraordinários sobre o universo das crianças.

(...)

Como foi a estreia em Cannes?

Sinceramente, a primeira projeção em Cannes foi o momento mais bonito da minha vida. Ainda por cima tivemos de esperar um ano, porque o confinamento veio logo a seguir ao último dia da pós-produção. Pensei que este filme nunca ia ser visto, depois de sete anos de batalha.

https://www.jn.pt/artes/recreio-o-filme-e-uma-metafora-do-mundo-dos-adultos-14967037.html