quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Métodos de ensino só ao alcance de alguns


Um método onde os alunos 'votam' o que querem aprender

Termina esta sexta-feira a série de cinco reportagens do Expresso sobre escolas certificadas, na área de Lisboa, onde as famílias podem aliar um bom sistema de ensino a métodos que desenvolvem outras capacidades das crianças, recorrendo a pedagogias menos convencionais. Na escola de hoje, a experimentação é mais importante do que os livros.
  
Expresso |9:35 Sexta feira, 8 de agosto de 2014


DEMOCRACIA Os alunos participam na assembleia na escola Os Aprendizes, em Cascais, que se realiza todas as semanas, para debaterem as atividades  / Foto Tiago Miranda
No colégio Os Aprendizes, em Cascais, as salas não têm secretárias alinhadas de frente para o professor. Os alunos de cinco anos, que passaram agora para o 1.º ano, sentam-se em torno de uma mesa redonda. Estão numa assembleia.
Os adultos também estão presentes, camuflados por entre as crianças e perguntam-lhes, entre outras coisas, o que é que gostaram, ou não, de fazer durante o ano letivo. A assembleia realiza-se todas as sextas-feiras à tarde e serve para ensinar as crianças a responsabilizarem-se pelas suas decisões.
Um dos conceitos base é de que nada é decorado ou estudado através dos manuais mas através da experiência. "O adulto provoca mas quem chega à informação é o aluno, sempre através da experimentação. Nós não nos guiamos pelo manual", explica ao Expresso a diretora Sofia Borges, que abriu este espaço quando se viu com dificuldades para encontrar uma escola que gostasse para os seus filhos.
Para se "perceber melhor, em vez de aprenderem o funcionamento do sistema digestivo nos livros, os alunos vão para o moinho que temos lá fora, põem areia e ela vai percorrendo o seu caminho como percorreria no corpo humano." O mesmo aconteceu quando tiveram que aprender os pontos cardeais. Neste caso, explica, "os alunos foram para a rua e perderam-se intencionalmente para depois conseguirem encontrar o caminho de volta, apenas com uma bússola", explica a diretora.
Professores fazem guião, alunos decidem o que querem aprender
O colégio Os Aprendizes segue o plano curricular do Ministério da Educação, mas são as crianças que escolhem os temas que querem estudar todas as semanas. Aos professores, compete fazer o guião de acordo com o tema.
Na sala do professor de português, Pedro Madeira, há uma parede repleta de guiões com vários temas da disciplina, que a criança pode escolher trabalhar individualmente ou em grupo. "Existe uma cultura de não se perguntar às crianças o que pensam mas nós aqui perguntamos", diz a diretora: "Somos todos diferentes. Já existe um currículo igual para todos e já existe uma expectativa de que todos aprendam as mesmas coisas. Ao menos, que se permita que cada um aprenda ao seu ritmo e da sua forma."
Para além das disciplinas comuns a todo o ensino, as crianças têm aulas de yoga, meditação, oficina das artes e teatro, bem como um grande contacto com a natureza, fomentado por um jardim cheio de árvores e flores.
Todas as classes têm um animal como mascote, ora um cão, um peixe, um gato, um coelho ou um pássaro. Tudo isto para promover laços afetivos com os animais e para facilitar e fortalecer a capacidade de comunicação das crianças.
"Nós olhamos para a criança como um todo. Ela está na escola para se desenvolver numa série de áreas e as competências académicas são apenas algumas dessas áreas", diz a diretora Sofia Borges, enfatizando que dialogar, articular ideias, saber fazer escolhas, viver experiências e retirar delas significado são as competências que o método High Scope e os Aprendizes valorizam.
"Tenho a profunda convicção, que nasceu da experiência, que os alunos estão muito mais disponíveis para aprender quanto mais eu permitir que se expressem", conclui a diretora.
Alunos fazem sugestões para o próximo ano letivo
A última assembleia deste ano letivo terminou. As crianças comemoram o último dia de aulas e os professores acolhem as sugestões dos alunos atentamente contando que, no próximo ano, a assembleia continue pluralista e democrática.
Neste colégio, a alimentação é biológica e cuidadosamente estipulada por uma nutricionista. "Não faz sentido investir em materiais que respeitem o ambiente e depois comer batatas fritas de pacote e Coca-Cola", esclarece Sofia Borges. A escola tem dois dias de carne, dois dias de peixe e um dia de comida vegetariana.
O método pedagógico de Os Aprendizes baseia-se maioritariamente na pedagogia High Scope, indo buscar elementos ao método Waldorf e ao Movimento da Escola Moderna [ver reportagens anteriores e relacionadas com este artigo].
A pedagogia High-Scope, foi criada nos EUA na década de 60 por David Weikart, para combater o insucesso escolar. Defende que a aprendizagem deve ser feita através da experiência e de interações sociais significativas, porque se acredita que a criança tem um papel ativo na construção do seu conhecimento.
'Bilhete de identidade' de Os Aprendizes:
Esta escola aposta num sistema de ensino que privilegia as interações positivas entre o adulto e a criança, e o trabalho de equipa. Para além do método High-Scope, Os Aprendizes também se inspiram na pedagogia Waldorf e no Movimento da Escola Moderna .
Idades: Aceita crianças dos 3 aos 12 anos (pré-escolar, 1.º e 2.º ciclos do Ensino Básico).
Horário: 8h / 18h30.
Preços: A mensalidade é de 356 euros. A inscrição custa 275 euros e o seguro escolar 35 euros. Os valores são iguais em todos os anos escolares.


Ler mais:
 http://expresso.sapo.pt/um-metodo-onde-os-alunos-votam-o-que-querem-aprender=f884238#ixzz3AIPO3lzl

Uma nação doente -texto de Santana Castilho

Evitei comentar a PACC porque sempre me pareceu que o cerne da questão não está nos professores mas no ensino que é praticado nos últimos anos que desvaloriza os erros e permite formar professores com um número de créditos mínimo. Por outro lado, custa-me comentar ações de colegas, quando até os professores mais velhos, depois de corrigirem tanta asneira nos testes dos seus alunos, ficam tão confundidos com a grafia das palavras que têm que se certificar no dicionário, ou no corretor automático. Mas, apesar de tudo isto, na televisão, na política o erro surge e pouca gente se insurge, porquê, agora, esta revolta tumultuosa contra uma classe que já está enxovalhada!
A verdade é que o problema existe e que há que ser resolvido, mas através desta indignação, parece-me não haver caminho!
Estes pensamentos, recalcados no inconsciente foram hoje despertados, através das palavras brilhantes de Santana Castilho. Deixemo-lo falar:

A conturbada Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) foi realizada por 10.220 professores, dos quais 1.473 reprovaram. Esclareço que o uso do qualificativo “professores”, que não “candidatos a professores”, como o ministro da Educação lhes chama, é consciente e está correcto. Porquê? Porque a lei vigente lhes confere esse título profissional, logo que terminam a sua formação superior. Portanto, se os apelidarem de “candidatos”, serão só “candidatos” a um lugar em escolas públicas.
Feito este esclarecimento, passemos aos factos e às considerações que me merecem:
1. Segundo os resultados divulgados, relativamente ao item da prova em que se pedia a produção de um texto com uma dimensão compreendida entre 250 e 350 palavras, 62,8% desses textos continham erros ortográficos, 66,6% erros de pontuação e 52,9% erros de sintaxe. Isto é preocupante? É! Seja qual for a área científica da docência, é exigível a um professor que conheça o código de escrita e, muito mais, a sintaxe, sem cujo domínio não se exprimem ideias de forma ordenada e coerente. Como é preocupante o presidente da República dizer, reiteradamente, “cidadões” em vez de cidadãos! Ou recriar o futuro do verbo fazer, de farei para “façarei”. Como é preocupante o primeiro-ministro dizer “sejemos” em vez de sejamos. Como é preocupante encontrarmos no comunicado do Ministério da Educação e Ciência, ironicamente sobre a PACC e no próprio dia em que teve lugar a segunda chamada, um estranho verbo “revir” em lugar de rever. Como é preocupante uma deputada escrever “sensura” por censura, “tulero” por tolero ou “bloquiarei” por bloquearei.
2. Posto o anterior, sucede-se a pergunta óbvia: e agora? Agora temos a humilhação pública de toda uma classe, com todo o cortejo de generalizações abusivas e nada acrescentado à superação de eventuais lacunas na formação dos jovens professores (jovens, sim, porque é bom recordá-lo, falamos de professores que nunca deram uma só aula ou têm menos de cinco anos de contratos precários, em regime de escravatura moderna).
O incremento da qualidade dos professores só se consegue com a valorização da sua formação, inicial e contínua, e com a melhoria das condições de trabalho. Mas Nuno Crato e os que o apreciam como o justicialista do “eduqês” galopam estes resultados como se com eles fosse possível substituir o investimento na formação por uma prova que não destrinça um bom professor de um satisfatório perito em decifração de charadas.
3. Dito o que disse supra, tenho legitimidade para fazer 3 perguntas simples:
- Como se pode confiar na integridade do processo de apuramento dos resultados da PACC, particularmente depois de o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) ter trocado chaves de correcção e de o país ter conhecido a fraude da avaliação encomendada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, cujo contrato impunha um determinado resultado?
- Como foram contabilizadas, nas estatísticas do IAVE, as provas entregues depois de marcadas com diferentes expedientes de protesto? Foram muitas ou foram poucas? Quantas?
- Que influência tiveram nos resultados os múltiplos tipos de coacção verificados e as grosseiras faltas de condições mínimas para a realização de um exame (ampla e publicamente documentadas nas televisões)?
4. O epílogo desta saga remete-nos, finalmente, para o mais grave problema da nossa sociedade: a pulverização da confiança dos cidadãos no Estado e nas elites que nos governam. A deriva do país, entregue a dirigentes sem ética nem vergonha, não se detecta apenas na Educação. Está por todo o lado, qualtsunami de lama.
O governador do Banco de Portugal e o presidente da República disseram-nos que o BES era sólido e que podíamos estar tranquilos. Com o golpe de mão de 3 de Agosto e a divulgação pública da acta que o consumou, não foi só o BES que foi reduzido a nada. Nenhum dos que “se não sabiam deviam saber” veio a público reconhecer a incompetência com que facilitaram tantos crimes de mercado.
Em 2007 escrevi sobre o drama de Manuela Estanqueiro, professora com 63 anos de idade, 30 de serviço, vítima de leucemia aguda, a quem, por duas vezes, uma junta médica recusou a reforma por doença e obrigou a dar aulas nas vascas da morte e em sofrimento desumano. Um tribunal de segunda instância acaba de condenar a Caixa Geral de Aposentações a pagar à filha uma indemnização de 20.000 euros. Os responsáveis por esta vergonha de uma sociedade sem critério, mais aqueles que tiveram o desplante de recorrer da sentença inicial, pedindo que a indemnização fosse reduzida para 5.000 euros, continuam nos seus postos, sem beliscadura. Como Ricardo Salgado permanecerá no seu iate e na sua mansão, sem que o fisco estranhe que tal cidadão não tenha um só bem em seu nome.
Três anos de austeridade não destruíram só a economia, o emprego e os direitos sociais. Adoeceram a nação.
In "Público" de 13.8.14

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Clube dos Poetas Mortos


“Fui para os bosques para viver livremente,
 para sugar o tutano da vida,
 para aniquilar tudo o que não era vida,
e para, quando morrer, não descobrir que não vivi.”
                                                                                                                  Thoreau




Faleceu Robin Williams  que nasceu a 21 de Julho de 1952.
Começou a sua carreira como comediante secundário. Estreou-se como alienígena em Mork and Mindy.
Participou em filmes como: The World According to Garp, Moscow
on the Hudson,  Seize the Day,Good Morning Vietnam, Awakenings, The Fisher King, Alladin, Mrs. Doubtfire e o filme onde ganhou um Òscar: Good Will Hunting.
No entanto, o filme em que professores e educadores o identificam mais é
o Clube dos Poetas Mortos .
 “Apanha os botões de rosa enquanto podes
 O tempo voa.
 E esta flor que hoje sorri
 Amanhã estará moribunda.”
Walt Whitman, Clube dos Poetas Mortos



Esta morte levou-me a pensar  num filme paradigmático,  protagonizado por  Robin Williams, na personagem de professor Keaton. Eis-me, de novo no ensino/aprendizagem que é praticado, nas nossas escolas por nós, na dicotomia ensinar memorizando, ensinar a pensar; seguir, apenas o estabelecido ou promover a autonomia? Ensinar com regra e obediência, sem dúvida, porque mesmo o professor Keating quando mandava era obedecido. No entanto, como combater o institucional? O professor Keating foi despedido, os pais, um em particular não gostaram e até tomaram medidas drásticas que culminaram num ato irremediável.
Tanta reflexão a fazer.
 “Sempre pensei que a educação é aprender a pensar por si próprio”,  diz Keating,  isto num colégio de  Welton que tem como objetivo formar e que tem como metas:   “tradição”, “disciplina”, “honra” e “excelência”, palavras de ordem que os estudantes transportam nos estandartes na cerimónia de abertura do ano lectivo.            
O filme conta a história do que se passa quando é admitido John Keating que, com a sua criatividade e sabedoria, inspira os seus alunos a perseguir um caminho próprio: “ Carpe Diem ...Aproveitem o dia, meus amigos...tornem as vossas vidas extraordinárias...”
Na sua abordagem nada ortodoxa de ensino da poesia, não abdica do seu papel de professor, ao mandar os alunos arrancarem as páginas do manual a ela referentes. Defende que a poesia tem que se sentir, já que é essencial à vida: “Não lemos e escrevemos poesia porque é “giro”. Lemos e escrevemos poesia porque somos membros da raça humana. E, como tal, estamos cheios de paixão”.
Quando um grupo dos estudantes encontra um velho “Livro de Turma” do tempo em que Keating frequentava o mesmo colégio e descobre que fez parte de um grupo chamado “Clube dos Poetas Mortos”, abordam-no e o professor fala-lhes, entusiasmado do Clube que reunido numa gruta, pretendia “ sugar o tutano da vida.” Fascinados, os alunos resolvem refundar o Clube dos Poetas Mortos sem que o professor saiba.
Quanto a  Keating continua a surpreender os alunos com as suas estratégias imaginativas.  Para ultrapassar a animosidade dos alunos em relação a ShaKespeare, interpreta alguns excertos da sua obra de forma divertida e para mostrar que se deve olhar as coisas de forma diferente, sobe à secretária e convida os alunos a fazerem o mesmo.
No entanto, um dos momentos mais marcantes das estratégias de Keating é aquele em que pede a cada um dos seus alunos que leiam um poema de sua autoria.
Todd, o aluno tímido da turma não o consegue fazer, mas Keating incita-o a subir à carteira e a lançar o seu grito bárbaro de libertação interior. De seguida, Todd  declama o seu poema perante a turma estupefacta.
Mas estas estratégias não geram só coisas boas, Neil Perry, constantemente pressionado pelo pai a seguir os valores rígidos do Colégio e da Família, insere-se, apesar, da discordância desta, num grupo de teatro e na redação do jornal, pelo  que é retirado do Colégio pela família e acaba por suicidar-se.
Como  consequência, o professor é despedido, não sem que todos os alunos, mesmo os mais inseridos no sistema se despeçam dele subindo para a secretária  com a frase mágica:  “Oh, Captain, my Captain”.

Ó Capitão! meu Capitão!

Ó Capitão! meu Capitão! Finda é a temível jornada, 
Vencida cada tormenta, a busca foi laureada. 
O porto é ali, os sinos ouvi, exulta o povo inteiro, 
Com o olhar na quilha estanque do vaso ousado e austero. 
Mas ó coração, coração! 
O sangue mancha o navio, 
No convés, meu Capitão 
Vai caído, morto e frio.
Ó Capitão! meu Capitão! Ergue-te ao dobre dos sinos; 
Por ti se agita o pendão e os clarins tocam teus hinos. 
Por ti buquês, guirlandas... Multidões as praias lotam, 
Teu nome é o que elas clamam; para ti os olhos voltam, 
Capitão, querido pai, 
Dormes no braço macio... 
É meu sonho que ao convés 
Vais caído, morto e frio.
Ah! meu Capitão não fala, foi do lábio o sopro expulso, 
Meu calor meu pai não sente, já não tem vontade ou pulso. 
Da nau ancorada e ilesa, a jornada é concluída. 
E lá vem ela em triunfo da viagem antes temida. 
Povo, exulta! Sino, dobra! 
Mas meu passo é tão sombrio... 
No convés meu Capitão 
Vai caído, morto e frio.
                                                WALT WHITMAN