terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

DEIXAS DO JOÃO - O ENTERRO DO JOÃO




No Entrudo, vale tudo!
No Carnaval, ninguém leva a mal!

                                         Esta vida são dois dias e o carnaval três.


 Deixas:


Diz o padre:

O João já morreu
Vai agora a enterrar
Ele e o Carnaval
Passaram a vida a gozar!

Agora no seu testamento
Ele diz que deixa, deixa
Deixou uma escola falida
Uma tampa que não fecha

O tabelião (notário) abre o testamento e lê:

Estão aqui os meus amigos
Todos juntos pra me enterrar
À espera do testamento
Quando o funeral acabar

Estão aqui os meus amigos
Todos tristes a chorar
Todos querem saber
O que lhes vou deixar!

Para as minhas mulheres
Quero que seja sabido
Que lhes deixo o meu retrato
Para se lembrarem do marido!

A todos os acompanhantes
Deixo uma caixa de gritaria
Para gritarem bem alto
Todos juntos em histeria!
Deixo-vos boa educação
Para saberem pensar
Mais tempo às Humanidades
Para os valores poderem formar

Deixo mais horas de História
E também de Geografia
Para que os alunos
Não percam a Memória
Nem deixem a Terra vazia!


Deixo ao Ministro da Educação
Uma boa dose de Inteligência
Para dosear as disciplinas
A dar aos alunos experiência!


Deixo ainda aos bons alunos
Tempo para projetar
As suas aspirações
E o mundo transformar.


À escola do futuro
Deixo o euro milhões
Para dar aulas na rua
E abrir todos os portões


Aos funcionários deixo
Muita sorte no futuro
Para auxiliarem na educação
E não limparem o muro.


Aos administrativos
Deixo uma grande missão
Trabalharem com alegria
Prá papel ter coração!


2º Tabelião:


Aos “stores”que são seca
Deixo a net a funcionar
Para mostrarem o mundo
Com o rato a clicar.


Deixo aos alunos das turmas
Onde um agride e outro esfola
Um grande rol de direitos
Para construírem a Escola!

Deixo aos professores de Português
Um compêndio de poesia
Escrito sem acordo
Para ensinar com alegria


Aos professores de Física Química
Uma caixa de tubos de ensaio
E reagentes para experienciar
Desde setembro até maio.

Às professoras de Visual
Deixo o armário cheio
De empenho e criação
Para nada ficar a meio!
.

Deixo às professoras de História
Para o programa finalizar
Mais um tempo semanal
Pra nas fontes navegar.


Deixo aos professores de Matemática
Números e cálculos para jogar
Num treino bem divertido
Os rankings poderem ultrapassar!

Deixo às professoras de Francês
Um crepe muito saboroso
Para provar que esta língua
Tem um saber apetitoso!

Deixo aos professores de Inglês
Uma bela família real
Para viajar pelo mundo fora
Numa forma especial!



Tabelião ajudante:

Deixo à Directora de Turma
Um montão de paciência
Porque para os conflitos mediar
É preciso muita experiência!


Deixo à professora de Português
Um saco de paciência
Prá nunca desanimar
E corrigir a nossa fluência

À professora de Física Química
Deixo muitos tubos de ensaio
Para poder ensaiar à vontade
De setembro até maio..

Ao professor de Visual
Deixo um armário cheio
De materiais sem igual
Pró esforço não ser só meio.

Deixo à professora de História
Que se aplica com afinco
Para ao fim do programa chegar
Mais um tempo semanal
Pra nas fontes podermos nadar.

Deixo à professora de Matemática
Para os jogos bem jogar
Uma caixa de x e y
E os rankings ultrapassar.

Deixo à professora de Francês
Muitos crepes saborosos
Pra provarem que a língua é importante
Para todos os não ociosos!


Deixo à professora de Inglês
Uma grande família real
Para quando se portarem mal
Não dar gritos de terror!



Aos professores de Geografia
Mais um tempo semanal
Para grafar toda a terra
De uma maneira natural.

Deixo aos professores de Ciências
Um novo organigrama
Para mostrar toda a natureza
Que está prevista no programa!

Aos professores de Moral
Deixo uma grande moralidade
Somos imaturos adolescentes
É esta a nossa verdade!

Deixo aos professores de Educação Física
Um fortificante para aguentarem
Os exercícios e as dispensas
Andarem abaixo e acima sem fartarem.

Aos professores de Tecnologias
Deixo uma varinha de condão
Para nos maravilharem
Com performances de explosão.

Deixo à professora de TIC
Uma escola bem informatizada
Computadores e projetores
Sempre muito sincronizados.

Aos professores de Música
Deixo uma nova pauta
Para sempre poderem ensinar
A magia da flauta!

Aos professores de Educação Especial
Muitos louvores quero dar
Tanta freima e atenção
Para todos no mundo integrar.

Aos serviços de psicologia
Muito vigor e discernimento
Para atenderem tanto menino
Que precisa de alimento

À professora bibliotecária
Que sempre motiva a ler
Um dia de 36 horas
Para todos os projetos fazer.

À Direção desta escola
Só posso deixar paciência
Para gerir a geringonça
Com saber e experiência!

Ao nobre Conselho Geral
Só posso deixar muita luz
Para saber discernir
Entre tanto ponto de cruz!


Padre :

Estão aqui os seus amigos
Todos tristes a chorar
O seu enterro é agora
O Carnaval vai acabar!
               Gondomar, 2017
































Escola E.B. 2.3. de Gondomar


                          





enterro joão

Enterro do João













Carnaval 2006

CARNAVAL EM GONDOMAR

                                                                1992



“Dizeis que viva o Entrudo
Aquele maldito home
Dá dois dias de fartura
Sete semanas de fome.”

A quadra deve aludir ao Domingo e terça-feira gorda, de fartura, quanto às sete semanas, serão os dias quaresmais, os quarenta dias.




Em Gondomar, o Carnaval era jogado em grande parte por mascaradas, bailes e jogos. De Domingo Gordo a Terça-feira, sucedem-se os cortejos de mascarados. O uso de água, farinha ou farelo, por vezes cinza fazia parte do Carnaval de outrora.
No entanto, indispensável ao Carnaval é a gritaria, o barulho que se faz com latas ou bombos.
Ontem e hoje, estes elementos estão presentes. Tratar-se-ão, talvez, de rituais de purificação anteriores à institucionalização da Quaresma pela Igreja.
Durante o Estado Novo,muitos foram proibidos por serem considerados excessivos.
 No entanto, a tradição mais duradoura é a do “Enterro do João”, que se realiza na noite de terça-feira gorda. Não é mais do que a adaptação regional da queima do Carnaval, que realiza, noutras regiões.






O “João”, patriarca benfeitor da sociedade, é um boneco cheio de palha ou moliço e vestido com roupas velhas e cara escondida por uma máscara. O cortejo que acompanha é uma caricatura de um verdadeiro funeral, com o padre, o sacristão, as viúvas, os filhos, os amigos e até o “tabeleão”. O grupo chora e grita: “Ai, João! Adeus João!” O cortejo para no local da queima e aí é lido o testamento do João. As deixas chistosas referem-se a cada um dos presentes ou conhecidos e constituem uma oportunidade para fazer crítica e pedir melhoramentos.
A queima marcará o fim dos dias de folia e dará início à seriedade quaresmal. O barulho e o fogo destinam-se a afugentar o mal, por isso a passagem do Inverno para a Primavera, do Carnaval para a Quaresma.







Desta forma, no último dia do Carnaval, na terça-feira gorda, faz-se um cortejo, cuja figura principal é um boneco. É o Enterro do João.
Ernesto Veiga de Oliveira circunscreve o “ Enterro do João” à região limítrofe do Porto, correspondente aproximadamente ao extremo sudeste das antigas Terras da Maia, estendendo-se por Ermesinde, Valongo, Maia e Gondomar.
A Tia Micas e a Ti Olívia Rasteira contaram-nos como era:
“Faz-se um espantalho de palha, mete-se numa carrela e a canalhada vai pelas ruas a gritar … Num ano, iam a fazer o enterro como se fosse da Igreja, levavam uma cruz de pau, tochas acesas e uma saia branca vestida e a servir de opa.
A Ti Olívia já fez muitos joões:
- “Quando não tínhamos palha eram videiras, Fazíamos um macaco, umas pernas, uns braços, púnhamos uma cabeça … púnhamo-la numa carrela!”
Perguntámos à Ti Olívia se não havia mais nada no João, respondeu que não. No entanto outra informante a D. Joaquina referiu que o João tinha que ter uma coisa para fazer chichi. Que havia mesmo quem gostasse de ver se tinha!
Já Veiga de Oliveira se referiu a este elemento erótico do “veretrum” ( vulgo pénis).
-Deitávamo-lo com folores.
-Adeus João! Quem há-de comer na tua tigela, João!
A viúva chorava:
- Ai meu “home”, que tanta falta me faz.
Alguém caridoso consolava:
- Deixa lá, mulher, deixa lá, tem paciência.
- Ó João, adeus João!
E a Ti Olívia continua:
- Fomos atrás do Enterro, fomos pela Boca adente, viemos por Quintão, fomos inté ao Taralhão….
Vinham homes e vinham tudo …. Com as saias brancas vestidas, a ler um livro. Faziam uma cruz …
Um ano fizemos um, no Calvário. Era o meu falecido pai, o Manel Leal, era o David Cete …. O Manel Leal, em cima de uma parede de laje que esborrachou toda … a discursar com uma saia branca vestida e outra saia branca a fazer de opa…  uma coberta e os homens a pegar, uns de cada ponta, pr´ a mode ir aquela pano atras do enterro … uns com palmas e com flores …
Deste relato se conclui que no “Enterro do João” vão incorporados os “familiares, nomeadamente, a “viúva” que chora pelo João, contribuindo para a beleza da sua morte, já que a morte deve ser bem chorada.
- Ó João! Ai João, deixa a carne e come o pão! Ó João!
O João com o seu clima de liberdade, de brincadeira, juntamente com máscaras, contribui para a libertação de todo um potencial de tendências obscuras e recalcadas durante todo o ano. O homem dá livre expansão a todos os seus desejos primários e pretende através da folia atingir a purificação.





Veiga de Oliveira dá notícia de um testamento. Em S. Cosme e em S. Pedro da Cova, muitas vezes, este não se faz. O responso e o elogio fúnebre do morto é mais usual. No entanto, as deixas ou testamento aparecem, por vezes.
No fim, o João é queimado pelo fogo, associado, quanto a nós, à morte do Inverno e do tempo em que se pode comer carne.
A queima do João marca o fim do Carnaval e o início da Quaresma. Entra-se, então, na quarta-feira de Cinzas. Neste dia, era usual destruírem-se todos os vestígios carnavalescos como serpentinas e tudo o mais.










Informantes:

Srª Olívia Rasteira – Ti Olívia Rasteira (90 anos) e Srª Micas Neves – Ti Micas, 73 anos, 1977, S. Cosme
D. Joaquina, Ti Quina, 1990, S. Pedro da Cova

Consultou-se, ainda:

Ernesto Veiga de Oliveira, O Enterro do João, Douro Litoral, 7ª série, Junta da Providência do Douro Litoral, 1956.







Os Carrapatos


Outrora em Gondomar, foi costume “deitar os carrapatos”, uso que consistia em gritar, através de um corno, críticas sociais de forma jocosa que os grupos achavam pertinentes
Essa tradição chega, mesmo, ao século XX:


“Carrapatos, carrapatões
Bichinhos e saltões
Todos dentro de uma panela
A ferrar no cú e sobrecu
Da ….. Amélia

Os circunstantes a quem era endereçados os Carrapatos condicionavam o texto que tinha que rimar. A crítica estava sempre presente


O Semanário “A Nossa Terra” , a 30 de janeiro de 1932, noticiava que na noite de 21 para 22 daquele mês foram presos em Valbom, pelo Sr. Regedor da Freguesia, uns quatro indivíduos por terem ido para um pinheiral buzinar palavrões indecentes ao que se costumava chamar “carrapatos”. Os presos estiveram na cadeia da Administração, uns dois dias e ao cabo desse tempo satisfizeram umas multas a fAvor das agremiações de beneficência que o Sr. Administrador do Concelho lhes impôs. E o Semanário comentou: “Foi remédio santo… tão santo que não se tornaram a ouvir as buzinadelas a altas horas da noite….. Pudera! Não que elas ardem! Camilo de Oliveira, 1933,  Vol II, p. 525



Uma quadra para o nosso tempo:

Carrapatos, carrapatões
Bichinhos e saltões
Todos dentro de uma marquise
A ferrar, ferrar, até desfazer a crise.