sábado, 13 de março de 2021

Educação Inclusiva

 

Reflexão sobre a Educação Inclusiva


 Guerreiro medieval feito por um aluno com TEA, durante a aula de História 7º ano,  para explicar o feudalismo, 2020

 

 

Maria sonhara ser professora  de História. Dadas as suas notas queriam-na noutas áreas, mas era como professora de História que se via útil à sociedade.  Era rapariguinha franzina, cheia de sonhos, com um bom auto-conceito de si. Sabia que não era bonita nem nenhum modelo de beleza, mas achava-se simpática, com alguma inteligência, resiliência e muita curiosidade sobre o mundo. Gostava de História, sobretudo da História da Cultura e de entender os comportamentos das pessoas ao longo da história, por isso é que os seus trabalhos incidiam sobre essas temáticas, o porquê dos comportamentos e acabou por fazer a sua tese de Mestrado subordinada ao tema: “Pensar a morte em Gondomar  1834-1893 - alguns aspetos da vida.”

No entanto, além desta “coscuvilhice” sobre o comportamento das pessoas, sobretudo no passado, também gostava de intervir na sociedade e achava que a melhor  forma de o fazer era sendo professora,  embora isso desse muito trabalho, para se fazer chegar a todos,  a comportamnetos  e pensamentos  diferentes. Por isso mesmo, sempre que a matéria se prestava, gostava de dinamizar debates, para treinar a comunicação, o raciocínio e a maneira particular de cada um se afirmar.

A entrada  de Maria na primeira escola foi muito interessante! A delegada comunicou-lhe que não tinha físico para professora, os pulsos eram muito finos. “É que é preciso ter pulso para a profissão”, argumentara. “A turma de Mecânica tem uma série de alunos com problemas comportamentais e faltas disciplinares, não  pode abrir os dentes”, sublinhara!

Desta forma aconselhada, Maria foi receosa  para a sua primeira aula com os rapazes de Mecânica! Tentou fazer exercícios  de boca para virar o seu natural sorriso às avessas, mas não conseguiu. Entrou sorridente, apresentou-se,  os rapazes, apresentaram-se e perguntaram-lhe:

- Ó Stora, não nos quer acompanhar num passeio que queremos organizar? Precisamos de um professor!

Ó caramba, pensou, Maria, só me faltava esta, mas se pensou, emotivamente de uma maneira, mais depressa falou de outra, talvez mais de acorddo com o  seu sentimento e as suas crenças:

-Ok. Eu vou com vocês se prometerem que se vão comportar bem e trabalhar o ano todo, quem é capaz de organizar um passeio sozinho, também é capaz de se empenhar na escola!

- Pelo nosso lado tudo bem!

Foram. Nas Caldas compraram um boneco e ofereceram-no divertidos. Aceitou com o seu sorriso habitual.

- Muito obrigada. Olha, mais um para a minha coleção!

Entreolharam-se e daí  para a frente cumpriram o seu contrato. 

Mero golpe de sorte, porque teoria consciente, não havia nenhuma, não  tinha estágio integrado, gostava de ler livros de psicologia, estivera, a um nada de trocar a História por Psicologia, mas acabou por não trair o seu sonho inicial. Como foi notório, não havia um  espírito de equipa docente capaz de ajudar a Maria a fazer a gestão das suas aulas com aqueles rapazes que, não sabia se tinham algum transtorno, ou se só eram desmotivados pelas disciplinas e pela escola. E porquê? Era preciso elevar o seu auto-conceito e trabalhar a sua auto estima e a capacidade de se empenharem e concentrarem? Não é que o ano tivesse sido fácil, mas sempre que tentavam asneirar, algum dizia: “com esta professora , não!”

Ao longo do tempo, em tantas turmas que lecionava surgiam sempre alunos com imensas dificuldades, que, naquela altura, não tinham nomes explicítos, só eram classificados com o toque dos dedos juntos na mesa. Arranjava-se estratégias diferentes e eles lá iam, embora com muitas negativas. Uns, na Trofa, gostavam de fazer maquetas e Maria entusiasmava-os com isso, classifcava bem esses trabalhos; a maioria, em S. Pedro da Cova, gostava de fazer trabahos sobre a terra e sobre as minas, Maria aprendeu a partir desse meio para os motivar. Em certa aula sobre a industrialização, lembrou-se  que muito melhor do que ela falar do trabalho das minas, era a D. Albertina, funcionária do setor, que fora britadeira, fazê-lo. Veio à  porta, chamou-a,  comunicou-lhe o que queria. Ficou confusa, mas daí a pouco, todos participavam na aula com grande entusiasmo e depois, bom aproveitamento.

Nessa escola,  propuseram-lhe integrar com outro colega, o projeto Minerva, mas Maria não percebia nada de computadores. “Não precisas”, responderam-lhe. “Tens formção durante um ano, depois tens que dar formação a professores e alunos”. “Ok”. Que privilegiada foi! Aprendeu, deu formação a 75% dos professores da escola e também a uma elevada percentagem de alunos. Preferia estes, pela destreza, claro, mas foi interessante ver os colegas, ela incluída a demorar um dia inteiro a enfiar a bola num cesto de baskete,  com o rato, enquanto os alunos o faziam num segundo. Gerações diferentes, ao fim e ao cabo!

Este projeto foi um factor integrador de excelência. Havia uma turma com alunos com muitas dificuldades. Necessitariam de maior concentração no estudo, mais permissividade no seu movimento dentro da sala? Maria não sabia. Só constatava que no Conselho de Turma, se sentia alienígena.  “Os alunos não são bem comportados e não têm boas notas”.” Porquê? Comigo têm. O que se estará a passar”? – interrogava-se silenciosamente. Ora, no início do ano, Maria tinha prometido  que quem se portasse bem e se empenhasse, podia ir para o Clube dos Computadores que se denominava ”Invesigar S. Pedro da Cova”. Muitos empenharam-se, obtinham resultados encorajadores, a sua auto-estima ia-se tornando positiva, aumentava o auto conceito  e lá iam trabalhar com os  computadores,  com um movimento mais livre que era prolongado nos passeios pela freguesia, o que tornou a aula de História muito mais interessante de seguir.

Maria esteve muitos anos a lecionar em S. Pedro da Cova e foi aí que ouviu  pela  primeira vez, falar em dislexia. Não afetava grandemante as aprendizagens mas a redação frásica era um ai meu Deus! Não sabia como lidar com tal, mas a mãe do aluno, uma colega da escola ajudava o filho  a treinar a ortografia,  a redigir, e a descodificar o que ele escrevia. Os professores liam os textos devagar. Talvez o menino fosse acompanhado por mais alguém, mas tornou-se num aluno confiante e com evolução no seu desempenho. Nunca teve testes diferentes, com resposta curta ou de espaços, mas como gostava de desenhar, muitas das aprendizagens eram suportadas pelo desenho. Talvez tivesse ajudado. 

Na mesma escola havia um aluno, com óculos de garrafa, estilo “cientista” que não se dava com ninguém, a não ser com um vizinho bem parecido que tinha um pai colecionador (hoje, catagá-lo-íamos de autista, vulgo “Asperger”) . Quando  Maria lecionou a 2ª guerra Mundial, ficou a saber que  ele era expert em kits de barcos e aviões da 2ª Guerra e o colega possuía, em casa,  uniformes, revistas, um pedaço do muro de Berlim, um mundo de vestígios do conflito. Propôs-lhes fazerem uma exposição. O cientista sempre mais calado, ia fazendo os kits, o outro, com ajuda da professora, pesquisando o significado dos objetos. Todos juntos fizeram legendas e a exposição foi aberta sem um certo  acinte por parte de alguns colegas que se queixavam que os alunos só se centravam naquele projeto. “É temporário”, respondia Maria!  “Vão ver como vão ser os melhores alunos do 9º ano”!  No entanto, o que Maria achou fundamental,  foi  o acréscimo de consideração dos dois, certamente mais benéfica  para o cientista que exultava de orgulho contido, o que contribuiu, certamente para o seu bem estar, o seu sentimento de pertença a um grupo que o admirava e para a sua  consciência de poder ir longe, porque conseguira montar quase sozinho uma exposição digna de algum museu.

Com o passar dos anos, Maria, muitas vezes, chega ao final do ano insatisfeita: a imagem que vê refletida no espelho é a de uma formiga, os outros dizem que é leão, mas ela gostaria, apenas, de ser uma professora que tivesse ajudado os alunos a crescer realmente de forma autónoma e satisfeitos consigo próprios.

A certa altura, Maria resolveu concorrer para mais perto de casa e foi parar à Júlio Dinis. Mal entra no polivalente, vê um rapaz agarrado aos cortinados pesados, o que a fez dirigir-se logo para lá a correr, para evitar algum acidente. Atrás de si, o Agente da Escola Segura, agarra-a, afasta-a , e segura o rapaz. Tinha conhecido o herói do momento, um rapaz com perturbação do comportamento, num dos seus acessos de destruição. Nunca foi seu aluno, mas que chegou a causar alguns problemas chegou. Num deles agrediu, à saída do ginásio, um aluno cuja mãe fez queixa e o assunto andou nos jornais. A escola conseguiu um funcionário extra, ex reformado da GNR, para vigiar os recreios, mas o rapaz agressor, embora controlado, na escola,  hoje,  é possível vê-lo nos piores sítios, infelizmente.

No entanto, nos anos a seguir foi professora de um aluno, agora já com registos com nome,  sinalizado com défice de atenção e concentração, num  PEI (projeto eductivo individual), o que quer dizer que tinha sido avaliado a nível psiquiátrico e psicológico, que tinha um plano  de execução para os professores seguirem e avaliarem a sua eficácia, redefenirem estratégias, se ncessario fosse, tendo em vista o progressso do menino. Foi bonito ver a interação entre pais e a escola, as permissões (por exemplo para ir à casa de banho) que eram explicadas aos colegas, as adaptações dos testes, embora, depois desta ação, Maria tivesse depreendido que não teriam sido as melhores, já que se insistia nas escolhas múltiplas e no aumento do tempo, embora, também, se defenissem  pausas que permitiriam uma certa acalmia. 

Nesta escola, houve outro caso que  Maria tentou resolver a todo o custo, o do menino, da sua direção de turma, um menino avaliado com TEA, agora não com PEI, mas com RTP (Relatório técnico pedadógico) com limitação da reciprocidade social e emocional; défice de atenção /concentração; deficiência na comunicação verbal; movimentos repetitivos e estereotipados; inflexíbilidade às rotinas;  hiperreativo ao barulho das conversas dos colegas que o faziam tapar os ouvidos e baixar a cabeça, quando algo não lhe agradava de todo.´Foi nececessário defenir  medidas universais e seletivas, nomes diferentes para coisas iguasis. Relativamente a este caso, tomou a iniciativa de reunir com a direçao e professores do ATL que o aluno frequentava , com a psicóloga e terapeutas, com os colegas da turma, em particular, para que houvesse uma atuação comum e uma troca constante de informações para que pudesse tornar-se mais autónomo e feliz. Está hoje, depois de algumas dificuldades, no últmo ano, do curso profissional de eletricidade.

Mas o caso que mais tocou Maria, foi o da sua última direção de turma, a turma D  cheia de diamantes que precisavam de ser  lapidados, sem que se lhes retirassem as suas propriedades únicas,  era uma menina  com transtorno de ansiedade generalizada, uma outra disléxica e com défice cognitivo, um menino com PHDA, uma menina com TOC;  um outro, com algum défice cognitivo, menino simpático e risonho que só acompanhava com meninas e que com toda a coragem e apoio de toda a turma, diretora de turma e professores, assumiu a sua relação de homosexualidade com um namorado,  o que foi bem aceite pela mãe mas custou um pouco ao pai. Era um corre corre de relatórios para diversos técnicos, entrevistas, pedidos de coadjuvância e interações com os pais, breves exercícos de relaxamento antes das avaliações.

Por vezes, os brilhantes desalinhavam, levando Maria quase ao desespero, contendo-se, apenas, porque sabia que atrás daquela atitude estava a vida multifacetada, sempre a mudar de forma, a poluir diamantes brilhantes com impurezas que o tempo limpará ou pelo menos, Maria  assim o espera, com  o auxílio das estrelas, dos trevos e da vontade de cada um. No entanto, outras vezes, formavam um  colar  que Maria usava orgulhosamente  por ter tantos brilhantes, tão valiosos e tão diferentes. É essa recordação que guarda, na sua caixinha de música onde um gato toca piano e uma dançarina dança, compassadamente, dando ao mundo um significado de infinita paz, arrastando nuvens de esperança que se dirigem a um futuro onde os brilhantes continuando a ser colar no peito de Maria, brilharão autonomamente, de diferentes formas!

 Esses e outros esforços e os reforços dados a cada aluno, foram acrescentando, pela formadora, Drª Cláudia, nuns casos, satisafação de dever cumprido, noutros, novas visões para tratar os assuntos de outra forma, da próxima vez que apareçam. No entanto, fica sempre a questão final, é muito difícil a um professor sem apoios e sem instrumentos, fazer com que todos os seus alunos se sintam incluídos e capazes de desenvolver ao máximo o seu potencial, nas melhores condições. Quando dizem à Maria, eu ali naquele lugar, estaria com muito mais atenção, ela responde: “vamose pedir à Câmara para construir um segundo anel em cada sala”! E os outros, a quem ela gosta de exigir mais, porque são capazes de ir mais? E aqueles alunos médios dos quais, quase Maria se esquece, porque nada exigem, mas que também têm direito a um desenvolvimnto das suas capacidades?

É que, apesar de tudo há a necessidade de  Maria se auto cuidar e não exigir tudo de si, de saber apelar aos outros e trabalhar em equipa com as estuturas da escola e, quando não for possível, resolver os casos, saber dizer não, uma palavra que a Maria tem dificuldade em pronunciar. Com efeito, a necessídade do trabalho conjunto é fundamental.. A interação entre colegas é sempre uma mais valia, para que nunca haja “pulsos finos” lançados sozinhos a lecionar  à “turma de Mecânica”!

Na verdade, Maria,  neste curso, sentiu-se mais segura, não pelo dever cumprido, porque verificou que cometeu algumas falhas, mas porque adquiriu instrumentos para melhorar e ser capaz de ajudar os seus alunos  com pontos de vista mais científicos. Na verdade, foram muitas as aprendizagens interiorizadas, acrescidos dos materiais que foram disponibilizados que poderão servir, para uma melhoria significativa, na  definição de estratégias mais flexíveis e adaptadas a cada um, que aliadas a uma coadjuvação, nem sempre fácil, embora, contribuirá, certamente,  para a formação de seres mais felizes.