Reflexão sobre a Educação Inclusiva
Guerreiro medieval feito por um aluno com TEA, durante a aula de História 7º ano, para explicar o feudalismo, 2020
Maria sonhara ser professora de História. Dadas as suas notas queriam-na
noutas áreas, mas era como professora de História que se via útil à sociedade. Era rapariguinha franzina, cheia de sonhos,
com um bom auto-conceito de si. Sabia que não era bonita nem nenhum modelo de
beleza, mas achava-se simpática, com alguma inteligência, resiliência e muita
curiosidade sobre o mundo. Gostava de História, sobretudo da História da Cultura
e de entender os comportamentos das pessoas ao longo da história, por isso é
que os seus trabalhos incidiam sobre essas temáticas, o porquê dos
comportamentos e acabou por fazer a sua tese de Mestrado subordinada ao tema:
“Pensar a morte em Gondomar 1834-1893 -
alguns aspetos da vida.”
No entanto, além desta “coscuvilhice” sobre o
comportamento das pessoas, sobretudo no passado, também gostava de intervir na
sociedade e achava que a melhor forma de
o fazer era sendo professora, embora
isso desse muito trabalho, para se fazer chegar a todos, a comportamnetos e pensamentos diferentes. Por isso mesmo, sempre que a
matéria se prestava, gostava de dinamizar debates, para treinar a comunicação,
o raciocínio e a maneira particular de cada um se afirmar.
A entrada de
Maria na primeira escola foi muito interessante! A delegada comunicou-lhe que
não tinha físico para professora, os pulsos eram muito finos. “É que é preciso
ter pulso para a profissão”, argumentara. “A turma de Mecânica tem uma série de
alunos com problemas comportamentais e faltas disciplinares, não pode abrir os dentes”, sublinhara!
Desta forma aconselhada, Maria foi receosa para a sua primeira aula com os rapazes de
Mecânica! Tentou fazer exercícios de
boca para virar o seu natural sorriso às avessas, mas não conseguiu. Entrou
sorridente, apresentou-se, os rapazes,
apresentaram-se e perguntaram-lhe:
- Ó Stora, não nos quer acompanhar num passeio que
queremos organizar? Precisamos de um professor!
Ó caramba, pensou, Maria, só me faltava esta, mas se
pensou, emotivamente de uma maneira, mais depressa falou de outra, talvez mais
de acorddo com o seu sentimento e as
suas crenças:
-Ok. Eu vou com vocês se prometerem que se vão comportar
bem e trabalhar o ano todo, quem é capaz de organizar um passeio sozinho,
também é capaz de se empenhar na escola!
- Pelo nosso lado tudo bem!
Foram. Nas Caldas compraram um boneco e ofereceram-no
divertidos. Aceitou com o seu sorriso habitual.
- Muito obrigada. Olha, mais um para a minha coleção!
Entreolharam-se e daí
para a frente cumpriram o seu contrato.
Mero golpe de sorte, porque teoria consciente, não
havia nenhuma, não tinha estágio
integrado, gostava de ler livros de psicologia, estivera, a um nada de trocar a
História por Psicologia, mas acabou por não trair o seu sonho inicial. Como foi
notório, não havia um espírito de equipa
docente capaz de ajudar a Maria a fazer a gestão das suas aulas com aqueles
rapazes que, não sabia se tinham algum transtorno, ou se só eram desmotivados
pelas disciplinas e pela escola. E porquê? Era preciso elevar o seu
auto-conceito e trabalhar a sua auto estima e a capacidade de se empenharem e
concentrarem? Não é que o ano tivesse sido fácil, mas sempre que tentavam
asneirar, algum dizia: “com esta professora , não!”
Ao longo do tempo, em tantas turmas que lecionava
surgiam sempre alunos com imensas dificuldades, que, naquela altura, não tinham
nomes explicítos, só eram classificados com o toque dos dedos juntos na mesa. Arranjava-se
estratégias diferentes e eles lá iam, embora com muitas negativas. Uns, na
Trofa, gostavam de fazer maquetas e Maria entusiasmava-os com isso, classifcava
bem esses trabalhos; a maioria, em S. Pedro da Cova, gostava de fazer trabahos
sobre a terra e sobre as minas, Maria aprendeu a partir desse meio para os
motivar. Em certa aula sobre a industrialização, lembrou-se que muito melhor do que ela falar do trabalho
das minas, era a D. Albertina, funcionária do setor, que fora britadeira,
fazê-lo. Veio à porta, chamou-a, comunicou-lhe o que queria. Ficou confusa,
mas daí a pouco, todos participavam na aula com grande entusiasmo e depois, bom
aproveitamento.
Nessa escola,
propuseram-lhe integrar com outro colega, o projeto Minerva, mas Maria
não percebia nada de computadores. “Não precisas”, responderam-lhe. “Tens
formção durante um ano, depois tens que dar formação a professores e alunos”. “Ok”.
Que privilegiada foi! Aprendeu, deu formação a 75% dos professores da escola e
também a uma elevada percentagem de alunos. Preferia estes, pela destreza,
claro, mas foi interessante ver os colegas, ela incluída a demorar um dia
inteiro a enfiar a bola num cesto de baskete,
com o rato, enquanto os alunos o faziam num segundo. Gerações
diferentes, ao fim e ao cabo!
Este projeto foi um factor integrador de excelência.
Havia uma turma com alunos com muitas dificuldades. Necessitariam de maior
concentração no estudo, mais permissividade no seu movimento dentro da sala?
Maria não sabia. Só constatava que no Conselho de Turma, se sentia
alienígena. “Os alunos não são bem
comportados e não têm boas notas”.” Porquê? Comigo têm. O que se estará a
passar”? – interrogava-se silenciosamente. Ora, no início do ano, Maria tinha
prometido que quem se portasse bem e se
empenhasse, podia ir para o Clube dos Computadores que se denominava ”Invesigar
S. Pedro da Cova”. Muitos empenharam-se, obtinham resultados encorajadores, a
sua auto-estima ia-se tornando positiva, aumentava o auto conceito e lá iam trabalhar com os computadores,
com um movimento mais livre que era prolongado nos passeios pela
freguesia, o que tornou a aula de História muito mais interessante de seguir.
Maria esteve muitos anos a lecionar em S. Pedro da
Cova e foi aí que ouviu pela primeira vez, falar em dislexia. Não afetava grandemante
as aprendizagens mas a redação frásica era um ai meu Deus! Não sabia como lidar
com tal, mas a mãe do aluno, uma colega da escola ajudava o filho a treinar a ortografia, a redigir, e a descodificar o que ele
escrevia. Os professores liam os textos devagar. Talvez o menino fosse
acompanhado por mais alguém, mas tornou-se num aluno confiante e com evolução
no seu desempenho. Nunca teve testes diferentes, com resposta curta ou de
espaços, mas como gostava de desenhar, muitas das aprendizagens eram suportadas
pelo desenho. Talvez tivesse ajudado.
Na mesma escola havia um aluno, com óculos de
garrafa, estilo “cientista” que não se dava com ninguém, a não ser com um
vizinho bem parecido que tinha um pai colecionador (hoje, catagá-lo-íamos de
autista, vulgo “Asperger”) . Quando Maria lecionou a 2ª guerra Mundial, ficou a
saber que ele era expert em kits de
barcos e aviões da 2ª Guerra e o colega possuía, em casa, uniformes, revistas, um pedaço do muro de
Berlim, um mundo de vestígios do conflito. Propôs-lhes fazerem uma exposição. O
cientista sempre mais calado, ia fazendo os kits, o outro, com ajuda da
professora, pesquisando o significado dos objetos. Todos juntos fizeram legendas
e a exposição foi aberta sem um certo
acinte por parte de alguns colegas que se queixavam que os alunos só se
centravam naquele projeto. “É temporário”, respondia Maria! “Vão ver como vão ser os melhores alunos do
9º ano”! No entanto, o que Maria achou
fundamental, foi o acréscimo de consideração dos dois,
certamente mais benéfica para o
cientista que exultava de orgulho contido, o que contribuiu, certamente para o
seu bem estar, o seu sentimento de pertença a um grupo que o admirava e para a
sua consciência de poder ir longe,
porque conseguira montar quase sozinho uma exposição digna de algum museu.
Com o passar dos anos, Maria, muitas vezes, chega ao
final do ano insatisfeita: a imagem que vê refletida no espelho é a de uma
formiga, os outros dizem que é leão, mas ela gostaria, apenas, de ser uma
professora que tivesse ajudado os alunos a crescer realmente de forma autónoma
e satisfeitos consigo próprios.
A certa altura, Maria resolveu concorrer para mais
perto de casa e foi parar à Júlio Dinis. Mal entra no polivalente, vê um rapaz
agarrado aos cortinados pesados, o que a fez dirigir-se logo para lá a correr,
para evitar algum acidente. Atrás de si, o Agente da Escola Segura, agarra-a,
afasta-a , e segura o rapaz. Tinha conhecido o herói do momento, um rapaz com
perturbação do comportamento, num dos seus acessos de destruição. Nunca foi seu
aluno, mas que chegou a causar alguns problemas chegou. Num deles agrediu, à
saída do ginásio, um aluno cuja mãe fez queixa e o assunto andou nos jornais. A
escola conseguiu um funcionário extra, ex reformado da GNR, para vigiar os
recreios, mas o rapaz agressor, embora controlado, na escola, hoje, é possível vê-lo nos piores sítios,
infelizmente.
No entanto, nos anos a seguir foi professora de um
aluno, agora já com registos com nome, sinalizado com défice de atenção e
concentração, num PEI (projeto eductivo
individual), o que quer dizer que tinha sido avaliado a nível psiquiátrico e
psicológico, que tinha um plano de
execução para os professores seguirem e avaliarem a sua eficácia, redefenirem
estratégias, se ncessario fosse, tendo em vista o progressso do menino. Foi
bonito ver a interação entre pais e a escola, as permissões (por exemplo para ir
à casa de banho) que eram explicadas aos colegas, as adaptações dos testes,
embora, depois desta ação, Maria tivesse depreendido que não teriam sido as
melhores, já que se insistia nas escolhas múltiplas e no aumento do tempo,
embora, também, se defenissem pausas que
permitiriam uma certa acalmia.
Nesta escola, houve outro caso que Maria tentou resolver a todo o custo, o do
menino, da sua direção de turma, um menino avaliado com TEA, agora não com PEI, mas
com RTP (Relatório técnico pedadógico) com limitação da reciprocidade social e
emocional; défice de atenção /concentração; deficiência na comunicação verbal;
movimentos repetitivos e estereotipados; inflexíbilidade às rotinas; hiperreativo ao barulho das conversas dos
colegas que o faziam tapar os ouvidos e baixar a cabeça, quando algo não lhe
agradava de todo.´Foi nececessário defenir medidas universais e seletivas, nomes
diferentes para coisas iguasis. Relativamente a este caso, tomou a iniciativa
de reunir com a direçao e professores do ATL que o aluno frequentava , com a
psicóloga e terapeutas, com os colegas da turma, em particular, para que
houvesse uma atuação comum e uma troca constante de informações para que
pudesse tornar-se mais autónomo e feliz. Está hoje, depois de algumas
dificuldades, no últmo ano, do curso profissional de eletricidade.
Mas o caso que mais tocou Maria, foi o da sua última
direção de turma, a turma D cheia de
diamantes que precisavam de ser
lapidados, sem que se lhes retirassem as suas propriedades únicas, era uma menina com transtorno de ansiedade generalizada, uma
outra disléxica e com défice cognitivo, um menino com PHDA, uma menina com TOC; um outro, com algum défice cognitivo, menino
simpático e risonho que só acompanhava com meninas e que com toda a coragem e
apoio de toda a turma, diretora de turma e professores, assumiu a sua relação
de homosexualidade com um namorado, o
que foi bem aceite pela mãe mas custou um pouco ao pai. Era um corre corre de
relatórios para diversos técnicos, entrevistas, pedidos de coadjuvância e
interações com os pais, breves exercícos de relaxamento antes das avaliações.
Por vezes, os brilhantes desalinhavam, levando Maria
quase ao desespero, contendo-se, apenas, porque sabia que atrás daquela atitude
estava a vida multifacetada, sempre a mudar de forma, a poluir diamantes
brilhantes com impurezas que o tempo limpará ou pelo menos, Maria assim o espera, com o auxílio das estrelas, dos trevos e da
vontade de cada um. No entanto, outras vezes, formavam um colar
que Maria usava orgulhosamente
por ter tantos brilhantes, tão valiosos e tão diferentes. É essa
recordação que guarda, na sua caixinha de música onde um gato toca piano e uma
dançarina dança, compassadamente, dando ao mundo um significado de infinita
paz, arrastando nuvens de esperança que se dirigem a um futuro onde os
brilhantes continuando a ser colar no peito de Maria, brilharão autonomamente,
de diferentes formas!
É que, apesar de tudo há a necessidade de Maria se auto cuidar e não exigir tudo de si,
de saber apelar aos outros e trabalhar em equipa com as estuturas da escola e,
quando não for possível, resolver os casos, saber dizer não, uma palavra que a
Maria tem dificuldade em pronunciar. Com efeito, a necessídade do trabalho conjunto
é fundamental.. A interação entre colegas é sempre uma mais valia, para que
nunca haja “pulsos finos” lançados sozinhos a lecionar à “turma de Mecânica”!
Na verdade, Maria,
neste curso, sentiu-se mais segura, não pelo dever cumprido, porque
verificou que cometeu algumas falhas, mas porque adquiriu instrumentos para
melhorar e ser capaz de ajudar os seus alunos
com pontos de vista mais científicos. Na verdade, foram muitas as aprendizagens
interiorizadas, acrescidos dos materiais que foram disponibilizados que
poderão servir, para uma melhoria significativa, na definição de estratégias mais flexíveis e
adaptadas a cada um, que aliadas a uma coadjuvação, nem sempre fácil, embora, contribuirá,
certamente, para a formação de seres
mais felizes.