Setúbal, 01
Ago (Lusa) - José Afonso era um professor que se apresentava sempre com grande
simplicidade, não usava fato e gravata, e granjeou a simpatia de muitos alunos,
antes de ser expulso do antigo Liceu de Setúbal, em 1968.
Lusa . 9:18
Sábado, 1 de agosto de 2009
Setúbal, 01 Ago (Lusa) - José Afonso era
um professor que se apresentava sempre com grande simplicidade, não usava fato
e gravata, e granjeou a simpatia de muitos alunos, antes de ser expulso do
antigo Liceu de Setúbal, em 1968.
A descrição é da advogada Alice Brito, uma
antiga aluna de José Afonso, o poeta e cantor de Grândola Vila Morena, canção
que, anos mais tarde, viria a ser utilizada pelos militares como senha da
Revolução de Abril de 1974.
"O José Afonso era um professor de
História que contava muitas histórias. Lembro-me da análise que ele fazia dos
manuais de História da época, que eram coisas intragáveis", contou à Lusa
a advogada setubalense.
"Dizia-nos que se alguém gostasse
daqueles manuais, provavelmente também gostava de palha", acrescentou,
reconhecendo que o facto de ter sido aluna do "Zeca", acabou por
marcar o seu percurso de vida.
A antiga aluna de José Afonso recorda que,
a dada altura, se soube entre as alunas - havia turmas separadas de rapazes e
de raparigas - que aquele professor cantava, era cantor e que até tinha discos
gravados.
"Aquela ambiência quase mágica que as
aulas já tinham foi ainda reforçada, porque ter um disco hoje não tem o impacto
que tinha na altura", disse Alice Brito, recordando que também chegou a
andar com um livro do José Afonso escondido, por dentro da bata, porque não
podia ser mostrado no liceu.
Além da História que fazia parte do
programa curricular, José Afonso contava outras histórias nas salas de aula,
algumas das quais ainda hoje permanecem na memória dos alunos, como foi o caso
de um estranho encontro de Zeca Afonso com um pescador num imenso areal.
"Distraído, como sempre, José Afonso
foi embater num pescador, que estava no areal remendar as redes", contou
Alice Brito, adiantando que nunca mais se esqueceu da resposta dada pelo
pescador: "e o mar é tão grande".
Alice Brito, que define José Afonso como
"um poeta inato, em que a poesia ia desde o motivo escolhido para a
história até à forma como a apresentava, garantiu que na altura já se sentia
que aquele professor não gostava do antigo regime e que foi por isso que o
expulsaram do ensino oficial.
"Ainda hoje não sei como é que foi
feita a denúncia e como surgiu o problema, mas lembro-me que houve uma revolta
sincera, sentida e dorida, de muitos alunos", recordou.
"Claro que na altura as revoltas eram
muito contidas, entre criaturas muito jovens, ainda adolescentes. Mas lembro-me
dos cochichos, de se falar disto no recreio e mesmo fora do liceu",
acrescentou.
Olhando o passado, Alice Brito, advogada
em Setúbal e dirigente local do Bloco de Esquerda, garantiu à Lusa que tem
"muito orgulho por ter sido aluna de José Afonso".
GR.
Lusa/Fim