quarta-feira, 2 de abril de 2014

R(e)encontros com a escola - reflexão

. Os R(e) encontros com a escola,  no seu conjunto, ajudaram à necessidade da minha reflexão que se centrava, ao fim e ao cabo no tema: como manter a chama, depois de 33 anos de serviço e continuar a lutar para que os alunos aprendam mais a pensar do que memorizar; como lidar com aqueles que não gostam da escola em geral e da disciplina de História em particular.
O professor Marçal Grilo contextualizando os problemas na sociedade atual deu-me a dimensão histórica para situar o problema:
Numa altura em que a crise financeira pôs em causa a omnipotência dos mercados, os cidadãos nunca tiveram tão pouca confiança no Estado. Na verdade, à máxima «menos Estado» neoliberal”, Philippe Aghion, na obra  Repenser l'État - Pour une nouvelle social-démocratie, responde «mais Estado, de outra forma», lembra Marçal Grilo; o que promove  o investimento do Estado no crescimento e na inovação, é, ao fim e ao cabo “um Estado garante do contrato social” roussouniano”, um Estado protetor, num mundo mais incerto, direcionando a sua ação para a educação e a doença. Marçal Grilo frisa: “passámos a ser uma sociedade sem valores. Muito poucos de nós respeitam o sentido da ética” Ora perante estas premissas recolocam-se as questões: “o que os meus alunos devem aprender?. O que devo ensinar”?.
Marçal Grilo, ministro do governo de Guterres, defendeu a política implementada já na altura: a necessidade de um bom ensino pré escolar na formação de hábitos e organização de estudo, a formação de uma mentalidade que o estudo implica sacrifício, tempo em tarefa. Hoje, continua a defender que é mais importante formar atitudes e comportamentos do que os conhecimentos. Formar para a mudança será, hoje, fundamental, num mundo em constante mutação; levar os alunos a ler, interpretar e refletir sobre o que lêem. Nesta perspetiva, a missão da escola num constante diálogo com os pais é a de guia dos jovens, daí a urgência de formações abrangentes durante o maior período de tempo possível capaz de propiciar adaptações mais facilitadoras quer opções mais cimentadas. Ora aqui está, então, o meu papel, formar o jovem numa perspetiva de cidadão reflexivo e interventivo, sendo eu, o mais possível uma referência profissional, cultural e moral. Estas premissas foram defendidas por muitos outros palestrantes ao longo dos reencontros. Numa sociedade em que as políticas contraditórias se sucedem, é fundamental encontrar espaço para as aprendizagens significativas, a articulação vertical entre ciclos, a  articulação horizontal das matérias. Como bem disse Manuel Rangel: “ Somos mediadores, adaptadores do currículo e profissionais reflexivos sobre a forma como o currículo passa para as crianças”. Plenamente de acordo. Baseando-se em Perrenoud, Rui Trindade afirma que os alunos precisam de andaimar os seus percursos de aprendizagem. Entretanto, o ministério obriga-me, através das “Metas Curriculares”a desenvolver matéria de História, no 7º e 8º ano cumprindo 41 objetivos gerais e 372 objetivos operacionais de conteúdo (descritores), não processuais, podendo destinar cerca de dezassete minutos a cada um deles à média horária de 17 minutos, o que dará cerca de 5,3 objectivos por cada aula útil [1] e tudo muito matematicamente cumprido, porque no final do ano, tenho que prestar contas do meu desempenho junto da Direção da escola. Perante isto, o que devo ensinar aos alunos? 80% dos objetivos estão compreendidos no domínio do conhecimento e compreensão, restando-me 10% para a aplicação e outros 10% a distribuir pela análise, síntese e avaliação, num programa que remonta a 1991.
E cá vou eu implementar a cultura da exigência, com certeza, já que fui para esta profissão mais para seguir aquilo que considerava a minha missão/vocação. Concordo plenamente que a auto avaliação, a permanente reflexão é muito mais importante do que a avaliação burocrática.
É nesta auto avaliação que situo a necessidade de motivar os alunos, que hoje habitam escolas que podem ser até novas, (muito diferentes das ergonomicamente adaptadas às suas funções, apontadas por Cesário Moreira) mas são literalmente cinzentas e mal iluminadas, aos magotes, cabeça da frente a esconder aos de trás a informação a reter, a imagem que se pretendia pudessem observar com pormenor.  Neste contexto, resta sublinhar que, para que haja ensino - aprendizagem  é necessário que o professor consiga motivar os seus alunos para a aprendizagem, entenda quebrar as suas defesas, no que respeita as atribuições internas e externas, a alta ou baixa auto estima e adeque a sua linguagem a tais pressupostos. Estamos certamente perante o fator professor/ aluno e a sua capacidade de tornar interessante ou desafiante, aprender.
Poderíamos, ainda, introduzir outra variável, que nos dias de hoje é perturbada por fatores externos que influenciam a própria motivação do docente. Com efeito, é necessário que o professor goste do que ensina e reflita na melhor forma de levar os alunos que deve conhecer bem, a apreenderem os conteúdos a lecionar, certamente muito mais fácil com métodos ativos e de “aprender fazendo”. Mas, nas circunstâncias atuais, este ensino terá que utilizar alguns dos métodos tradicionais adaptados a um toque de modernidade. Alguns  modelos tradicionais de aprendizagem das ciências, com base nas perspetivas de autores como Ausubel, Piaget ou Driver,  defendem situações de aprendizagem estruturadas adaptados aos conhecimentos prévios ou estimulando o conflito cognitivo e a sua mudança concetual. Estes métodos que também valorizam a atividade dos alunos, preconizam que  o ensino parta de uma avaliação diagnóstica, para que possa ser adaptado à estrutura cognitiva preexistente no aluno, para que esta funcione de ancoradora para outras aprendizagens, ou seja, uma aprendizagem significativa com organizadores de ancoragem avançados ou índices de organização introduzidos por uma comunicação do que os alunos devem adquirir. Estas estratégias pretendem já fugir da memorização maquinal ao exigir que o aluno retenha a ideia e a relacione com os conhecimentos já adquiridos, procurando o seu sentido. De forma semelhante poderemos socorrer-nos de Vigotsky e a zona de desenvolvimento próximo.
No entanto, uns e outros  descuram a dimensão afectiva enfatizada por António Damásio.  [2]
Neste campo, partindo das lembranças de Marina Serra Lemos, o professor deverá, ainda, estar atento ao estilo motivacional de cada aluno: os alunos socialmente motivados, que reagem melhor em situações de aprendizagem em grupo e os curiosos em situações de resolução de problemas. Desta forma, deveremos questionar as estratégias uniformes já que são aplicadas a características individuais diversas, utilizando uma diversidade de processos pedagógicos que visem  promover a motivação (intrínseca, extrínseca ou combinada) do maior número de alunos. Neste percurso, a definição de objetivos e avaliação dos progressos no sentido de os atingir será relevante.  As disposições, hábitos e crenças devem ser tidas em linha de conta já que condicionam o envolvimento nas tarefas.
Os últimos anos têm-me levado a pensar porque é que bons alunos falham, quando outros têm sucesso. Marina Serra releva a questão da confiança na capacidade, para atingir resultados desejados, daí a necessidade de encorajamento dos alunos a estabelecer objetivos, facilitar vivência de experiências emocionais positivas e estimular o desejo e a vontade de aprender.
Segundo Pocinho et al. (2007) e Canavarro (1999) [3]estar motivado para aprender pressupõe  a utilização de  estratégias de autorregulação ou de metacognição. Desta forma, a motivação é fundamental para se atingirem aprendizagens significativas. Também o autoconhecimento por parte do aluno, a autoestima positiva, vai permitir o sucesso.
Deste mesmo domínio, poderíamos inserir a palestra do professor Joaquim Azevedo com quem trabalhei, no início da sua caminhada pela defesa do ensino profissional, nos CTL, em Lordelo, Paredes, tendo eu própria experienciado, a diferença de motivação de um aluno inserido no ensino regular e um aluno inserido no ensino “profissional de marcenaria, talha, palhinha ou trabalho do couro”.
Joaquim Azevedo chama a atenção para o facto da conceção de ensino profissional como currículo para os menos capazes, estar errada, à partida, já que hoje sabemos que as inteligências são múltiplas e um curso profissional de mecânica não terá menos valor do que um científico tecnológico. Torna-se, então, premente reorientar a educação para a diferença, mostrando os benefícios que poderão advir para toda a sociedade.
Os alunos devem é ser selecionados pelas suas capacidades, depois de um período de aprendizagem generalista e não como solução para quem não tem apetência pela escola em geral.
Como o citado palestrante, penso que seguir um curso de música desenvolve tanto o ser humano na sua totalidade como um de Matemática, sobretudo se despertar a curiosidade para o que rodeia o Homem. A hierarquia das disciplinas é uma questão de moda, já que sabemos que hoje as ciências e as tecnologias são as mais bem vistas e o ensino não pode estar sujeito a esses juízos de valor.
Os alunos dos cursos profissionais para seu bem e dos professores que ministram estes cursos devem ser alunos motivados para uma determinada aprendizagem, embora mais prática. Estes alunos são tão úteis à sociedade e ao mundo do trabalho como os seus colegas dos cursos científico-tecnológico, humanístico ou artes. Neste aspeto, a comunidade local deveria ser chamada a colaborar em parceria com a escola, no sentido de melhor formar a nível prático e encontrar saída profissionais estimulantes.
As estratégias para desenvolver as capacidades destes alunos terão necessariamente que ser diferentes, mas esta diferença não é segregadora, se for exigente nos seus objetivos – formar o profissional numa determinada área; até porque citando o grande especialista neste tipo de ensino, Joaquim Azevedo, a realidade produtiva e económica baseia-se no uso intensivo do conhecimento e requer uma nova mão-de-obra, muito mais qualificada, capaz de se adaptar com mais facilidade às mutações permanentes, mais criativa e com mais capacidade de iniciativa própria “
Desta forma, é fundamental que o ensino profissional dê a possibilidade aos seus alunos de prosseguir estudos universitários seguindo as mesmas regras dos outros cursos.
Esta variante do ensino aponta para outra trave mestra defendida, também, por Marçal Grilo, a da autonomia das escolas que gera, necessariamente responsabilidade. Se as escolas que têm autonomia funcionam melhor porque têm a faculdade de tratar o que é difícil de forma diferente é fundamental que qualquer escola faça a avaliação diagnóstica  dos seus alunos, para a partir de uma liderança forte e um corpo docente estável possa definir um projeto adequado às necessidades evidenciadas. Por isto tudo, concluo que tenho que cumprir as diretrizes do ministério, mas sem descurar as minhas crenças pessoais cimentadas ao longo de uma carreira já considerável e baseada nas investigações e conclusões dos estudos que se vão fazendo.
Este ciclo ajudou-me a pensar a escola de forma sustentada, a relembrar algumas das leituras que tinha feito a fazer outras, vincando sempre a necessidade de não deixar morrer muito do que foi conquistado com as pedagogias operacionalizadas ao longo do século XX, redobrando a certeza, apesar da crise de valores e falta de ética imperarem, na nossa sociedade, de que a educação do futuro terá que incidir sobre a igualdade de oportunidades, adaptando-se  a cada um segundo as suas necessidades.


[1] Luís Grosso, O regresso do livro único - metas curriculares , Público, 21 de abril, 2013   


[2] Damásio, A. (2007). Porque é que as ciências «moles» são «moles», in Despertar para a Ciência –
Novos Ciclos de Conferências, Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação para a Ciência e a
Tecnologia e Gradiva, pp. 151-152.
[3] Canavarro, J. (1999). Ciência e Sociedade. Coimbra: Quarteto Editora; Pocinho, M. et al. (2007). Atribuições causais para o bom e fraco desempenho escolar: estudo com alunos do 3º ciclo do ensino básico. Revista Psicologia, Educação e Cultura, Nº 2(11), pp. 1-11. In Motivação e aprendizagem: A didática da Economia no ensino secundário – um estudo de caso-  http://www.ore.org.pt/filesobservatorio/pdf/mestradopedromucharreira.pdf, 13.11.2013