domingo, 25 de janeiro de 2015

Gestão da sala de aula - o difícil ofício do professor



(tal e qual)
Quem disse que não se importam?
Ana Paula Silva
Ontem falava com um colega sobre problemas que ele teria tido no desenvolvimento de uma aula de uma turma CEF de que ambos somos professores “para o bem e para o mal”.
Entre o sério e a simpática provocação amigável ele dizia-me: ”não consigo fazer nada com eles! Não sei como tu consegues! Não querem saber nada! Não se importam com nada!”. Deves ser “uma santa”….
Sem me querer justificar, lá fui dizendo que não, que a paz da minha sala se deve a uma gestão contínua dos problemas e uma negociação de atitudes que me levou a tomar determinadas decisões pedagógicas que mostraram a minha postura sobre a importância de um bom clima de sala de aula para todos os que nela participam. Assim, tentei mostrar-lhe que o fui conseguindo através de muito diálogo e do exercício de uma autoridade firme, mas que tento nunca confundir com autoritarismo, conseguindo construir uma relação pedagógica com a turma que me permite trabalhar.
Ele, ainda nas ondas de choque de uma aula que tinha terminado há pouco e que o tinha perturbado pela indisciplina desses alunos, argumentava com alguns episódios, efetivamente nada edificantes, em que a boçalidade e a indisciplina gratuita provavam que era “quase impossível” trabalhar com eles. E como eram fortes os seus argumentos! Tinha razão no grau de insatisfação que demonstrava. Difícil não ser solidária.
Sempre defendi que o problema disciplinar ou de aprendizagem de um aluno que qualquer professor de uma turma enfrenta, deve ser visto como um problema de todos os professores desse conselho de turma. Devemos saber criar condições de boa aprendizagem que frutifiquem não só nas nossas aulas mas também nas outras ao interagir com os esforços que, com o mesmo fim, fazem todos os professores do conselho de turma.
Enquanto falávamos lembrei-me que, no início do ano, logo na primeira semana de aulas, um dos alunos que ele tinha referenciado nas suas narrativas, tinha, numa altura em que eu escrevia no quadro, treinado a sua habilidade em construção aeronáutica de papel e testado a sua pontaria ao alvo, no caso eu.
Avisei-o que não toleraria esse comportamento de novo. Não acreditou. Mostrei-lhe que normalmente sou coerente com o que prometo. Dei-lhe um tempo para decidir como seria o nosso relacionamento até ao fim do ano. Depois de cumprida a sanção que lhe impus, perguntei-lhe:“ estou disposta a começar do zero, a conhecer o que és e o que podes ser a partir de hoje. Aceitas ou preferes que eu guarde a má imagem que me deste de ti naquele triste episódio? “.
Ele fez a escolha certa. Esse aluno é hoje um aluno com um comportamento que me serve de padrão positivo para os seus colegas, da referida turma CEF.
Hoje (quinta-feira) tive aulas com esta turma. Desde o meio de dezembro que uma bendita gripe recorrente me elegeu como companheira e entre a tosse e a fungadela a minha voz arranhada mal se ouve. Numa sala com computadores eu esforçava-me por explicar à turma uma tarefa formativa de análise e reflexão de dados para elaboração de uma apresentação em PowerPoint.
Não gostaram muita da ideia. “Está muito frio, “Temos de ler os documentos?- “ Respondi que sim – uma desolação audível. Demasiado audível. “Pode ser só com imagens?” Numa vozinha franzina respondi que a imagem deveria servir o texto e não o contrário. !” Quantos slides? Têm de ser muitos?” No fundo da sala dois alunos reclamavam sobre qualquer outra coisa, mas quando iam falar, levantou-se tal “reabilitado” aluno e disse com voz firme: “Não veem que a professora está doente e lhe custa falar? “ Todos olharam para mim como se ainda não tivessem percebido e, como por magia, todos se viraram para o seu computador e começaram a trabalhar.
Abri o meu computador e comecei a escrever o sumário. Tinha vestidas três camisolas e um casaco comprido, mas sentia-me gelada. Parei para aquecer as mãos e devo ter tido um arrepio percetível à distância, pois um dos alunos (com quem um dia me zanguei “feio “por uma atitude reprovável com um colega que presenciei) aproximou-se de mim e com um “senhor casaco” na mão, que tinha acabado de despir, estendeu-mo e disse: “ponha nas costas, professora, que tem pelo por dentro e é muito quentinho”.
Fiquei surpreendida não só pela generosidade do gesto mas pelo seu dono improvável. Comovida até. Mas, mais uma vez a situação fez-me recordar que se os alunos sentem que nós nos importamos eles também se importam. E demonstram-no em gestos simples mas muito gratificantes.
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