Durante séculos os autores das obras
sobre a expansão europeia dos séculos XV e XVI, divulgaram uma visão heroica
dos navegadores e colonizadores, enfatizando o seu caráter civilizador. Como o
continente americano era desconhecido na Europa, a palavra «descobrimento»
concretizou a visão eurocêntrica, ou seja, europeísta. Mais recentemente,
alguns historiadores têm analisado a expansão europeia do ponto de vista dos
povos que viviam nas terras «descobertas» por Cristóvão Colombo e Pedro Álvares
Cabral, apelidadas de Novo Mundo. A palavra descobrimento foi, então,
substituída por expansão. Não é apenas o significado das duas palavras, mas
também a intencionalidade no seu uso, que as torna inconciliáveis. Descobrir
significa encontrar o que era desconhecido, logo não implica qualquer ato
contrário à paz. Se nos lembrarmos de grandes descobertas da História, como por
exemplo, a penicilina, concluiremos que os descobridores contribuíram, na
generalidade, para o bem-estar da humanidade. Já a palavra expansão tem um
significado belicista, como afirma o historiador Tzvetan Todorov, «
é uma guerra, uma conquista.» E foi através da expansão que os Europeus
construíram um «mundo novo» no Novo Mundo encontrado por Colombo e Cabral.
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Esse «mundo novo» foi construído sobre
os cadáveres de milhões de pessoas que, à chegada dos Europeus, tinham um modo
de vida tão diferente do modo de vida seguido na Europa que levou Sérgio
Buarque de Holanda a afirmar: «o confronto de duas humanidades diversas, tão
heterogéneas, que não deixa de impor-se entre elas uma intolerância mortal.» O
confronto das duas humanidades diversas pode ser concretizado através de alguns
exemplos. O imperador asteca acreditando que os Europeus eram deuses, recebeu-os
amigavelmente e abrigou-os no seu palácio. Hernán Cortés, o comandante
espanhol, prendeu-o e, a partir daí, foi mais fácil dominar o povo asteca. Os
Incas eram agricultores e o ouro, tão desejado na Europa, abundava no seu
território, contudo, para os Indígenas, a maior riqueza eram os armazéns
espalhados pelo império onde guardavam especialmente alimentos e tecidos. Tal
como os Astecas, os Incas, inicialmente, acreditaram que os Europeus eram
deuses. Já alguns Europeus estavam convictos que, após a cristianização do seu
continente, o diabo tinha ido habitar o continente americano, logo todas as
atrocidades eram justificadas à luz da religião. Quando Pedro Álvares Cabral
chegou ao Brasil, um dos indígenas foi levado à sua presença, tendo apontado
para o colar de ouro do capitão português e para terra. Para os Portugueses, o
gesto significou que o metal precioso abundaria na região, o que não era
verdade. Como os indígenas não conheciam a propriedade privada, tudo era de
todos, talvez o indígena desejasse mostrar o colar aos restantes membros da
tribo que tinham ficado em terra.
Ao contrário do que, por vezes, se
pretende fazer crer, quer os aspetos positivos quer os negativos da expansão
europeia dos séculos XV e XVI, não podem ser atribuídos a um só povo, pois o
empreendimento europeu está associado à nova mentalidade renascentista que deu
origem à Idade Moderna. Se os pensadores do Renascimento defenderam a
esfericidade da Terra, Fernão de Magalhães deu início à viagem que a comprovou;
à criação da perspetiva na pintura, procurando o artista aproximar-se da
perfeição, corresponderam os cartógrafos desenhando o globo terrestre com
enorme rigor. No livro Descobrimentos e Renascimento, Janice Silva
afirma: «Os descobridores, ao realizarem a sua obra de colonização construindo
igrejas e outras edificações necessárias à conquista, e os artistas, pintando
ou esculpindo na Europa, consideravam a existência de um único padrão de
beleza, uma única religião verdadeira, uma cultura superior a todas as outras.
Descobridores e artistas olhavam o mundo de um único ponto e a partir dele
destruíam e construíam. Por todos esses motivos, a harmonia presente nos
quadros renascentistas transformava-se em desarmonia no Novo Mundo.»
Francisco Cantanhede, professor
https://osetubalense.com/opiniao/2021/11/11/a-construcao-do-novo-mundo-no-mundo-novo/?fbclid=IwAR124xkdn-9J9dLhJnj-1GYpm06Rle61ltWBfkRyHRgncbnIrbKjBtx8ZLk