De
volta à rotina, depois de um período de ”prisão” domiciliária, preocupação pelos mais frágeis, extremos cuidados na
desinfeção de todo o ar que se respira, volto, não igual, mas com novos motivos
para agradecer aos amigos que espalham o aroma do jasmim e nos fazem ver os
rebentos das árvores, com os seus cuidados. Obrigada. Preocupada embora por
quem não conseguiu, ainda, sair da sua “prisão”, acredito que tudo correrá bem.
É o mundo que temos, há que andar para a
frente, mas o bicharoco anda por aí e em algumas lojas nem já há gel
desinfetante! Estamos destinados a apanhar todos o Covid, é o que referem
certas opiniões. Será?
Reduzo-me
à minha pequenez, mas acho que embora andando para a frente podíamos continuar
com todos os cuidados, digo eu, que não sou ninguém. Mas eu tive-os e não me valeu de nada. Qual é
a síntese?
Como
hoje, é dia da poesia e no ar rescende o jasmim, fica o quintal florido e a
conhecida poesia de António Ramos Rosa sobre as palavras.
Palavras
Adiro
a uma nova terra adiro a um novo corpo
As
palavras identificam-se com o asfalto negro
o
tropel das nuvens
a
espessura azul das árvores acesas pelos faróis
o
rumor verde
As
palavras saem de uma ferida exangue
de
teclas de metal fresco
de
caminhos e sombras
da
vertigem de ser só um deserto
de
armas de gume branco
Há
palavras carregadas de noite e de ombros surdos
e há
palavras como giestas vivas
Matrizes
primordiais matéria habitada
forma
indizível num rectângulo de argila
quem
alimenta este silêncio senão o gosto de
colocar
pedra sobre pedra até à oblíqua exactidão?
As
palavras vêm de lugares fragmentários
de uma
disseminação de iniciais
de
magmas respirados
do
odor de gérmen de olhos
As
palavras podem formar uma escrita nativa
de
corpos claros
Que
são as palavras? Imprecisas armas
em
praias concêntricas
torres
de sílex e de cal
aves
insólitas
As
palavras são travessias brancas faces
giratórias
elas
permitem a ascensão das formas
elevam-se
estrato após estrato
ou
voam em diagonal
até à
cúpula diáfana
As
palavras são por vezes um clarão no dia calcinado
Que
enfrentam as palavras? O espelho
da
noite a sua impossível
elipse
Saem
da noite despedaçadas feridas
e são
signos do acaso pedras de sol e sal
e da
sua língua nascem estrelas trituradas
António
Ramos Rosa