sábado, 31 de maio de 2014

Metas curriculares - reflexão crítica

Documento enviado pelos autores do manual “Missão História”

Ponderações sobre o documento “Metas Curriculares de História” – 9.º ano

O documento agora em apreciação dá continuidade às Metas Curriculares já homologadas para os 7.º e 8.º anos. Carece, contudo, da resolução do principal problema apontado pelos professores de História às Metas já aprovadas: a inserção de mais conteúdos.
Na introdução pode ler-se que estas Metas “procuram, a partir do Programa de História para o 3.º Ciclo do Ensino Básico (1991) em vigor, definir conteúdos fundamentais, atualizados cientificamente, que devem ser ensinados aos alunos”. No entanto, nas Metas definidas para a disciplina de História, são elencados conteúdos que vão muito além dos já contidos no Programa de 1991. Assim, não só não são definidos conteúdos fundamentais (prioridades) como se acrescentam novos conteúdos, tornando a proposta inexequível, dada a restrição da carga horária semanal (90/ 100 minutos) em muitas escolas.
Em todos os domínios e praticamente em todas as metas/ objetivos gerais são inseridos descritores que exigem a abordagem de novos conteúdos ou um considerável aprofundamento dos contemplados no Programa de 1991. Deixam-se alguns exemplos:

As transformações políticas, económicas, sociais e culturais do após guerra
META - Conhecer e compreender as transformações económicas do após guerra

3. Caracterizar a economia dos anos 20, destacando o seu carácter modernizador, instável e especulativo.
4. Referir outros fatores de tensão económica na década de 20, nomeadamente a rivalidade entre novos e velhos países industriais, o pagamento de dívidas e indemnizações de guerra e a adoção de políticas protecionistas.

Portugal: da 1.ª República à Ditadura Militar
META - Conhecer e compreender o derrube da Primeira República e a sua substituição por um regime ditatorial (1914-1926)

2. Referir tentativas de derrube do demoliberalismo republicano, salientando o sidonismo (1917) e as tentativas de restauração monárquica.

Crise, ditaduras e democracia na década de 30
META - Conhecer e compreender as respostas dos regimes demoliberais à “Crise de 1929” e à “Grande Depressão” da década de 30

6. Avaliar os resultados económicos e sociais das medidas pré-keynesianas adotadas em alguns países na década de 30.
7. Reconhecer em algumas das medidas adotadas durante este período a génese do “Estado-Providência”.


A 2.ª Guerra Mundial: violência e reconstrução
META - Conhecer e compreender as consequências demográficas, económicas e geopolíticas da 2.ª Guerra Mundial

5. Referir a importância das conferências de Bretton Woods e de São Francisco para a consolidação de um novo modelo de gestão da economia-mundo capitalista e para a fundação da Organização das Nações Unidas (ONU).
6. Enunciar os grandes objetivos da ONU e a sua estrutura de funcionamento.

A Guerra Fria
META - Conhecer e compreender a nova “ordem mundial” do após guerra

7. Referir sucintamente alguns dos principais conflitos da Guerra Fria (Bloqueio de Berlim, Crise dos Mísseis cubanos, Guerra da Coreia, Guerra do Vietname, Guerra de Angola e Guerra do Afeganistão).

META - Conhecer e compreender os efeitos da nova “ordem mundial” do após guerra em Portugal

5. Caracterizar o novo modelo de crescimento económico adotado Progressivamente pelo Estado Novo a partir da década de 50.

META - Conhecer as características das sociedades ocidentais desenvolvidas.

META - Conhecer e compreender a evolução ocorrida desde as “crises petrolíferas” até ao colapso do bloco soviético.


Todo o domínio “O após Guerra Fria e a Globalização”


Merece particular destaque o último domínio - O após Guerra Fria e a Globalização - pela sua extensão, complexidade e abrangência, mas também pelo tema. Nada em matéria de economia é consensual contudo, a crise de 2008 tem sido dos temas mais debatidos e tem dividido nomeadamente prémios nobel da economia. A exploração dos conteúdos propostos requereria, por parte dos alunos, atividades de alargada pesquisa, confronto de perspetivas (para evitar cair na tendência demasiado ocidentalizada a  que alguns descritores poderão induzir) e domínio de questões do quotidiano, que se tornam irrealistas tendo em conta a carga horária disponível, a idade dos alunos e os níveis médios de informação dos jovens que frequentam o 9.º ano nas escolas portuguesas. Se a intenção é a de ligação à actualidade a abordagem vai sendo feita ao longo dos domínios anteriores pelo que, nos parece desnecessária. Parece-nos, pelo exposto, que todo este domínio não deveria constar das Metas a atingir em História.
A respeito dos temas tratados no último domínio, referentes a 1991-2001 e pós 2008, levantam-se ainda algumas questões:
- Haverá o distanciamento cronológico necessário para o tratamento destes temas sob o prisma histórico (e não jornalístico)?
- Que fontes utilizar para abordar os conteúdos? Apenas as jornalísticas? Artigos/ obras de opinião? Manuais de economia? 
- Será correto analisar em aulas de História, com directrizes tão definidas, processos sob os quais ainda não há qualquer consenso científico como o assumir do “colapso da hegemonia americana” e a associação entre “terrorismo global” e “integrismo islâmico”? Não será redutora a associação uma vez que não há referência a outros contextos de terrorismo como os nacionalistas ou o católico (Irlanda, Espanha…)?
- Será correto analisar consequências de acontecimentos e conjunturas ainda em processo, como por exemplo o “impacto das políticas da União Europeia em países membros menos desenvolvidos”?



Vários descritores de desempenho dos alunos apresentam níveis de complexidade demasiado elevados para a abordagem que é feita ao nível do 3.º ciclo excedendo, em muito, as indicações do Programa em vigor
- São ainda aplicados alguns conceitos que carecem de longa explicação e poderão desviar o enfoque do assunto que se está a trabalhar, por exemplo a respeito da 1.ª República é pedido que o aluno “refira tentativas de derrube do demoliberalismo republicano, salientando o sidonismo (1917) e as tentativas de restauração monárquica”, ou a respeito das respostas à Crise de 1929, é pedido que o aluno “avalie os resultados económicos e sociais das medidas pré-keynesianas adotadas em alguns países na década de 30”...
- Parece-nos ainda preocupante o facto de o valor formativo da História poder estar em risco, ao trabalhar com orientações que estabelecem um programa de valores muito normativo, determinando como os alunos devem pensar a respeito de um determinado assunto, não estimulando o espírito crítico. São disso exemplo:
“ 1. Apontar as características específicas do novo “terrorismo global” associado ao integrismo islâmico.
2. Referir as consequências humanas, financeiras e diplomáticas para os EUA do arrastar dos conflitos no Iraque e no Afeganistão.
5. Identificar o reacender das rivalidades entre os EUA e potências como a Rússia ou a China.”
A capacidade formativa da História dá-lhe potencialidades que não podemos ignorar. Assim, enquanto professores mas também enquanto cidadãos e, em muitos casos, enquanto Encarregados de Educação consideramos estes aspetos merecedores de uma maior reflexão e de consequentes alterações no documento final.
Com os nossos melhores cumprimentos,

Os professores