Adulta Maria:
-
Olá! Em que escola andas?
Jovem Nuno:
-
Ando na escola básica Júlio Dinis, Gondomar
Adulta Maria:
-
Essa é a de cima ou a de baixo?
Jovem Nuno:
- A
de baixo, a que tem uma caixa bordeaux à entrada. É muito fixe!
Adulta Maria:
-Acredito.
Eu andei na escola preparatória Júlio Dinis. Fui inaugurá-la. As aulas
começaram a 9 de outubro de 1968. Funcionava onde é hoje a casa dos Linhos.
Era só de raparigas. Os rapazes foram para a escola de cima que emprestou as
instalações. Aquilo é que eram tempos. Quando convenci o meu pai a dar-me
umas calças, fui chamada ao Diretor, Carlos Moreira, que me impediu de as
levar para escola. Fiquei tristíssima, mas era assim, naquele tempo, os
rapazes usavam calças e as raparigas saias.
Jovem Nuno:
-
Era o tempo do Salazarismo, em que não havia liberdade, não era?
Adulta Maria:
-
Já era o tempo da primavera marcelista. Marcelo Caetano tinha acabado de
ascender ao poder em setembro, a tendência educativa era um pouco mais aberta
do que em anos anteriores. Criou-se, na altura, o ensino preparatório do
ensino secundário e a telescola, o ensino pela televisão para os jovens que
não pudessem frequentar aquele ensino.
Jovem Nuno:
-
Como assim?
Adulta Maria:
|
Jovem Nuno:
-
Que altamente! Isso nem era preciso sair de casa…
Adulta Maria:
-
Claro que era, até porque pouca gente tinha televisão e nos centros da
telescola havia um monitor.
Jovem Nuno:
-
Ah, percebo.
Adulta Maria:
-
…mas desviei-me do que te estava a contar: a Escola Júlio Dinis funcionou em
duas secções: de meninas, na rua Dr. Oliveira Salazar, e de meninos na Escola
Industrial, até 1973. Nesta data, fica construída a nova escola num local
onde tinha funcionado o campo do Sport Clube de Gondomar!
Jovem Nuno:
-
Então ficaram sem o campo?
Adulta Maria :
-
Não, mudaram-no para o sítio onde estão hoje, e melhoram as instalações.
Jovem Nuno:
-
Ah, já sei, essa escola tinha vários pavilhões e jardins interiores.
Adulta Maria:
-Essa
mesmo!
Jovem Nuno
-
Fui lá com os meus pais no dia das eleições!
Adulta Maria:
-
É, lá funcionavam sempre todas as secções de voto de S. Cosme, fizeram-me
muitas reuniões políticas e a grande feira de Gondomar, a Agrindústria,
geralmente por altura do Rosário.
Em
1974, deixou de se chamar Júlio Dinis e passou a denominar-se Escola Preparatória
de Gondomar.
- Sim, há essa tese, mas não me parece. Ele era amigo
de um padre de Fânzeres, mas quando lá foi passar um tempo já as Pupilas do Sr.
Reitor tinham sido publicadas. É natural que a paisagem fanzerense e a família de Montezelo o tivesse inspirado
na redação de Os Fidalgos da Casa Mourisca.
Narrador Alberto:
No capítulo XI dos Fidalgos da Casa Mourisca,
descreve uma casa que poderia ser muito fanzerense:
“ aqui
um monte de rama de pinheiro além duas ou três rimas de achas, acolá um tronco
de laranjeiras partido, uma mó de moinho, dois carros desaparelhados, dornas,
arados, pipas, canastras, escadas de mão, e várias outros utensílios de lavoura
e de uso doméstico”.
Na cozinha ”longos espreguiceiros ao longo das
paredes, no alto prateleiros pejados de louça nacional, de panelas e
alguidares; nas traves os cabos de cebolas, no fumeiro a bem corada pá de
presunto; o amplo forno vomitava labaredas pela boca escancarada e a cada
instante engolia as novas e enormes doses de lenha que lhe ministravam; na
masseira fumegava já da farinha ainda não levedada para a fornada da semana; e
nela os braços valentes e roliços de duas frescas moças do campo enterravam-se
até aos cotovelos”.
Segue-se a fórmula típica do pão que se leva a
cozer.
Mariana e Beatriz
vestidas de camponesa atravessam o palco com uma masseira com farinha a
levedar. Fazem um cruz na massa e dizem ao mesmo tempo:
“S. Vicente te acrescente
S. Mamede te levede”
( remeiras posicionam-se no palco).
Narrador Alberto
Também é certo que Júlio Dinis descreve a
marginal do rio Douro, entre o Porto e Valbom, no passeio de uma personagem de
“Um família Inglesa”, Manuel Quintino:
( Manuel Quintino- Gonçalves
- entra em cena e vai olhando o que que passa no palco, vai de um lado ao outro
e pára do lado oposto observando a cena)
Narrador Alberto declama:
“ A primeira diversão operou-a só à vista do
mercado de peixe, na ribeira.
As lanchas valboeiras tinham, naquele
instante, chegado ao cais. As regateiras, os compradores particulares e os
pescadores que vendiam, animavam o mercado com o movimento e vozearia.”
“Este espetáculo, cheio de vida comercial, não
achou indiferente Manuel Quintino. Agradava-lhe aquele tráfego; examinava com
olhos conhecedores a excelência do peixe, e informava-se curioso dos preços que
regulavam o mercado.
(Manuel Quintino – Gonçalves- vem até meio da cena e diz)
- Não há nada para o arranjo doméstico, como a
pescada. É o peixe mais inocente que há. Com razão lhe chamam a galinha-do-mar.
“
(Peixeira Beatriz
apregoa o peixe):
- Olha a rica pescada fresquinha da linha.
Peixeira Mariana:
- Olha a
sardinha de Espinho a saltar! Ó freguesa merque, leve pescada que é galinha!
Narrador Alberto:
“ Chegou à quinta chamada da China – um dos
passeios favoritos das classes populares portuenses.
(Coreografia: Pessoas passam. Barqueiras de Avintes
remam- Canção do mar-instrumental)
Narrador Alberto:
Desciam a rampa, que antecede o portão, alguns
bandos de gente do povo, rindo, cantando, em plena festa; iam em direção ao
rio. As barqueiras de Avintes aproximavam os barcos da margem para os receber;
outras, ainda a grande distância, chamavam, com toda a força daqueles pulmões
robustos, as pessoas que vinham por terra. Cruzavam-se os barcos, movidos por
vigorosos braços destas engraçadas e joviais remeiras, e carregados com os
frequentadores das diversões campestres do Areinho e da pesca do sável. Tudo
era riso e cantigas no rio.
Peixeira Beatriz:
- Olha o sável que bibo, bibinho!
Peixeira Mariana:
Que bom que é fritinho de sabolada!
( Um homem desce a tocar cavaquinho- Tiago Sampaio)
Barqueira Alexandra apregoa:
Embarque freguês lá pró outro lado!
Barca não tereis linda como esta.
A moça solteira cá deste lugar
É afoita e brejeira
A cantar e dançar
Que dança tão linda
Mesmo à nossa moda
Que volta ligeira
Certinha na roda!
Narrador Alberto:
Manuel Quintino via tudo isto, e escutava
entretido o canto de uma barqueira, que dizia:
( Manuel Quinteiro, Gonçalves
vai de um lado ao outro do palco a observar tudo o que se passa)
(Barqueira
Alexandra canta música popular:)
As riquezas deste mundo
Para mim não têm valor;
Eu sou rica dos teus braços
Eu sou rica do teu amor.
A cantar e dançar
Que dança tão linda
Mesmo à nossa moda
Que volta ligeira
Certinha na roda!
Jovem Nuno:
Ah! Agora percebo como alguém se lembrou de
nomear Júlio Dinis como patrono da primeira escola do Ciclo Preparatório de
Gondomar, é justo que a Escola Básica de Gondomar, que lhe deu continuação,
retome o seu nome, homenageando um autor que soube descrever a realidade do seu
tempo tão cheio de contradições, como aliás o nosso, e, neste sentido, tão
atual.
Todos:
Viva a Escola Básica Júlio Dinis vírgula Gondomar!
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