D. António Ferreira Gomes com D. Manuel Martins (ainda antes de eleito Bispo de Setúbal) em julho/1969, nos dias do regresso ao Porto depois de 10 anos de exílio.
A jornada de ontem no Paço e na Sé do Porto foi uma digna e justa celebração daquele regresso. O dia coincidiu com os 60 anos do impedimento de entrada no país na fronteira de Valença, em 18 de outubro de 1959. Apesar to tempo invernal, o povo do Porto quis associar-se enchendo o auditório e, à noite, a Sé Catedral para um memorável espetáculo de teatro e música. (fundação SPES)
António Ferreira Gomes nasceu
em Milhundos, a 10 de maio de 1906 e faleceu em Ermesinde a 13 de abril de 1906.
Entrou para o seminário a
16 de outubro de 1916. Estudou filosófia e teológia em Roma, na Universidade
Pontificia Gregoriana, entre 1925 e
1928.
Aos 22 anos é ordenado por D. António Augusto de Castro Meireles. Mais tarde torna-se prefeito e diretor de disciplina no Seminário
de Vilar. Por impedimento do seu tio, cónego Ferreira Gomes, em 1936, exerce as
funções de vice-reitor com funções de Reitor. Em junho de 1936, torna-se cónego
da Sé do Porto, juntamente com Manuel Valente e Sebastião Soares de Resende. Manda
colocar nas paredes do Seminário, as máximas: “De joelhos diante de Deus, de pé
diante dos homens” e “Fostes resgatados por grande preço, não queirais
tornar-vos servos dos homens” (1Cor 7, 23).
Entre 1948 e 1952 tomou a
seu cargo o bispado das dioceses de Portalegre na qual contactou com a miséria
do povo alentejano, que lhe teria dado um sentido mais real da vida, no
Portugal salazarista. Perante isso, preconizava associações agrárias de
inspiração cristã, com base na doutrina social da Igreja, para apresentar
soluções para os problemas aí vividos.
De 1952 a 1958,
notabilizou-se pela atenção à miséria social do povo português, pela crítica do
corporativismo do Estado e pela exigência de livre expressão do pensamento e da
ação política e de reunião.
A Carta pró-memória,
enviado pelo bispo do Porto a Oliveira Salazar, (13 de julho de 1958) antes de
um desejado encontro, questiona quatro possíveis objeções que o Estado teria à
ação da Igreja e dos católicos e afirma: “ apenas sugiro e peço, mas isso com
toda a nitidez e firmeza, o respeito, a liberdade e a não-discriminação devidos
ao cidadão honesto em qualquer sociedade civil.”
Depois de um período em
que Salazar se movimentou, em vão, para que a Santa Sé exonerasse o bispo,
consegue que o bispo seja aconselhado a retirar-se para férias ( escondendo-se
que seria uma saída sem retorno), em 24 de julho de 1959. Desta forma,
vê-se forçado a um exílio
de dez anos, primeiro em Vigo e depois continuado em Santiago de Compostela e Valência.
Colabora na acção pastoral de Lourdes,
Ciudad Rodrigo e Salamanca. A A estes locais vão muitos amigos apoiá-lo.
Durante, o Concílio
Vaticano II, é membro da Comissão dos Seminários e Estudos, participando na
aula conciliar com intervenções de interesse, relativas ao esquema dos bispos,
do ecumenismo, da Igreja no mundo e da liberdade religiosa (1963-1965). A
relevância das suas intervenções, juntamente com o portuense D Sebastião Soares de Resende são salientadas pelos
estudiosos.
Em de 1969, devido a diligências da ala liberal, com a
intervenção direta de Francisco Sá Carneiro, em colaboração com padres
diocesanos atuantes junto da Nunciatura, Marcelo Caetano autoriza a
sua entrada em Portugal.
De volta ao Porto envolveu-se na ação pastoral segundo as directrizes
do Concílio Vaticano II. A mudança do título do jornal “Voz do Pastorl” para “Voz
Portucalense” mostra bem qual o objetivo do seu apostolado.
Não deixa nunca
de ser uma figura incómoda e polémica. São exemplos: a presença no julgamento
do Padre Mário Pais de Oliveira nos dias 7 e 8 de janeiro de 1971, a homilia da
paz de 1972 quando fala da teologia da guerra e inclui referências às «virtudes
militares» dos capelães, o interdito à paróquia de Mozelos no dia 1 de janeiro
de 1974.
Em 1969, prefacia os “ Contos Exemplares” de Sophia de Mello
Breyner considerando que Sophia chega à verdade não pela via platónica grega,
mas pela paixão invoca o mistério e a transcendência do ser humano, ao modo
católico.
A mesma linha ética mantem-se após o 25 de Abril. O diálogo com
a cultura moderna será o seu tema central desde 1976 até ao fim.
Na altura do PREC, a defesa da doutrina social da igreja e a
denúncia dos extremismos, deram continuidade à sua defesa da tolerância e
liberdade.
Em 1986, em entrevista à RTP, afirma: “eu professo que Deus é o Senhor
da História e que a História tem sentido”.
“O homem existe, cumpre-se e pensa-se na história. E a história não
existe, faz-se. É o homem que a faz e escreve; mas também é ela, feita e
escrita, que faz o homem…”
Virá a confessar (Cartas, p.148) : "cremos e professamos que o Bem
supera o mal, que onde abundou o pecado superabundou a Redenção e que no fim o
Bem triunfará. É isto que dá sentido à história”
Perante a pergunta: “seremos nós os homens do fim?” (Cartas, p.139), D A
“Penso e creio que a História tem um sentido, que o tempo é um dom de Deus e
que os sucessivos avatares de encarnação [...] são passos [...] que sustentam o
templo de Deus altíssimo” Ou mais adiante (Cartas, p. 148). Aceitou livremente
a morte com plena lucidez, a 13 de abril de 1989. Também no seu fim adere à
realidade e vive o último traço do seu itinerário com pleno humanismo cristão.
·
Barreto, António (coord.); Mónica, Filomena (coord.)
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