“Nora
tem sete anos e regressou à escola com Abel, o seu irmão mais velho. Quando ela
percebe que ele é constantemente atormentado por alguns colegas, quer
protegê-lo e contar aos pais. Mas ele obriga-a a guardar segredo. A pequena
vê-se assim dividida entre o que considera certo e a lealdade à promessa que
fez.
Em
competição na secção Un Certain Regard no Festival de Cinema de Cannes (onde
arrecadou o prémio FIPRESCI), este é um drama sobre "bullying" e
violência emocional entre crianças que conta com assinatura da realizadora
belga Laura Wandel.” PÚBLICO
"Recreio",
primeira longa-metragem dirigida (e escrita) pela belga Laura Wandel, é um
drama sobre bullying entre crianças que nos introduz no campo de guerra do
recreio de uma escola primária.
Un monde
ou O Recreio, merece ser visto por pais e professores já que mostra aos
adultos, o mundo das crianças.
Com
graça, a realizadora questionada sobre os comentários de que o que mostra no filme
é impossível em Portugal respondeu.... "Não acredito...."
#unmonde #recreio #cinema #psicologiainfantil #educação #escolas #professores #crianças #bullying #laurawandel #MayaVanderbeque
https://cinecartaz.publico.pt/filme/recreio-408147
Entrevista
Recreio: "O filme é uma metáfora do mundo dos
adultos"
João
Antunes
24 Junho 2022 às 22:07
É uma obra perturbadora, construída a partir da visão das crianças.
Recreio" ("Un monde", no original) acompanha Nora, uma
menina de sete anos, que vai para a escola com o irmão mais velho. Mas quando
parecia ser este a tomar conta dela, é Nora quem vai tomar conta dele.
“De uma certa forma, é uma metáfora do mundo dos adultos: há o jogo dos
territórios, a necessidade de se integrar, de ser reconhecido. Problemáticas
que afligem os humanos, crianças ou adultos. Queria que o meu filme fosse um
espelho do mundo, de uma forma global.”
O seu filme mostra alguns jovens que, apesar da idade que têm, demonstram
já alguma forma de crueldade...
Para escrever o filme passei bastante tempo no recreio de
escolas e a falar com professores. E com um psiquiatra, especialista em
violência na escola, que afirma que uma criança que é violenta é uma criança em
sofrimento. Que a sua violência é sempre uma reação a qualquer coisa. Que tem
uma ferida ainda não foi reconhecida e que a violência é a única maneira de
manifestar qualquer coisa que não está bem consigo.
Concorda com essa teoria?
Tenho a impressão que é a mesma coisa para os adultos. Mas penso que a
bondade é instintiva. E o que se passa no filme é um regresso a essa bondade
instintiva que temos dentro de nós. Todas aquelas crianças estão ligadas pelo
mesmo medo, o da exclusão.
(...)
Tentei mostrar a violência física mas também a violência verbal, mental.
Mas fiquei com a impressão de que só mostrei a violência física nos rapazes. De
qualquer forma, não quis categorizar claramente rapazes e raparigas. As
raparigas também podem ser tão violentas como os rapazes.
A personagem do pai é muito interessante, mas não sabemos
muito bem o que se passa com ele...
Quis mostrar um pai inquieto, o que é normal, que não sabe como agir com
os seus filhos. A situação escapa-lhe completamente, porque os filhos não lhe
contam nada, têm medo da reação dele. Mas não sabemos se está desempregado, são
as outras crianças que dizem a Nora que o pai não trabalha, porque está a
aparecer a toda a hora.
A mãe é uma personagem completamente ausente...
Não se sabe, pode estar desempregada, pode estar em casa. Mas não quis
dar respostas. Detesto dar respostas, gosto que o espectador possa construir a
trama que lhe apetece. E que possa participar na narração, é muito importante
para mim. Quando não sabemos as coisas vamos mais rapidamente aos estereótipos.
As coisas são muito mais complexas do que pensamos.
Para filmar sempre à altura do olhar de Nora utilizou um
dispositivo fílmico que deve ter sido complicado de pôr em prática.
Desde o início que decidi que a câmara deveria manter-se sempre à altura
das crianças. Queria transportar o espectador para o olhar das crianças, o que
é ver o mundo a essa altura. O diretor de fotografia tinha a câmara à altura da
cintura e era ele que acompanhava a Maya, era ele que se tinha de adaptar à
atriz. Não eram eles que se tinham de adaptar a nós, mas nós a eles. O
dispositivo era simples, mas o trabalho complicado, por exemplo ao nível do
foco. Foi uma proeza impressionante.
(...)
Dizem que trabalhar com crianças é sempre complicado. Como é
que trabalhou com este grupo?
Começámos a trabalhar muito antes com as personagens principais. Não lhes
dei o guião a ler, não queria que fosse uma coisa recitada, queria que se
apropriassem do filme. Trabalhámos todos os fins de semana durante quatro meses
antes de filmar, Como nunca tinham representado, o que lhes pedi para começar
foi criar a marioneta das suas personagens. Para que compreendessem que não
eram eles, mas sim personagens.
Incluiu no guião muitas das propostas deles?
Fui-me apropriando de muitas coisas que eles propuseram para a escrita do
guião final, sim. Dávamos-lhes o início da cena e perguntávamos o que pensavam
que as suas personagens fariam. Isso permitiu que falássemos da violência na
escola, da relação com os outros. E propus-lhe que desenhassem todas as cenas
num caderno. Na rodagem permitia-lhes recordar o que tinham feito, mas de forma
lúdica.
Em que filmes se inspirou para criar a sua história?
O "Ponette", do Jacques Doillon, era evidente. Aliás, mostrei-o
à Maya. Também mostrei "O Miúdo da Bicicleta", dos irmãos Dardenne. É
claro que há "Os 400 Golpes", mesmo que a personagem seja mais velha.
E também me lembre de "O Balão Branco", do Jafar Panahi, todo sobre o
ponto de vista de uma criança. É verdade que há filmes extraordinários sobre o
universo das crianças.
(...)
Como foi a estreia em Cannes?
Sinceramente, a primeira projeção em Cannes foi o momento mais bonito da
minha vida. Ainda por cima tivemos de esperar um ano, porque o confinamento
veio logo a seguir ao último dia da pós-produção. Pensei que este filme nunca
ia ser visto, depois de sete anos de batalha.
https://www.jn.pt/artes/recreio-o-filme-e-uma-metafora-do-mundo-dos-adultos-14967037.html