A arte de ser boa pessoa de Vítor Pinto Basto
Li o livro de um fôlego. Empatizei com as estórias reais e banais lá contadas. Podiam reportar-se a mim, aos meus amigos e conhecidos e, além disso, são tecidas com um suspense que nos move a ler mais rápido para descobrir o desenlace. A escrita madura fascina: todos os capítulos se iniciam com um poema de José Gomes Ferreira, desenvolvendo-se como uma espécie de glosa do tema do poema.O cruzar do tempo passado, presente, passado, impõe-se na memória pensante; as referências filosóficas ou a intertextualidade remetem o leitor para outros mundos e tempos, quiçá neles impregnados de liberdade, absurdo e funcionalidade do que interessa para viver. A montagem de parte da história num espaço conhecido, o Porto, com referência a locais que dão vida à cidade, a história passada em França com a mesma beleza definida, por comparação, das paisagens portuguesas, algumas portuenses, conduz o leitor a uma maior adesão à descrição/narração. Como exemplo, as analogias entre paisagens francesas e portuguesas: Îlle Gironde, o Gironde e a ria de Aveiro; a Rua Sainte Catherine, pedonal e cheia de casas comerciais de marcas que se podem encontrar na sua congénere portuense, Santa Catarina, em parte pedonal. O Bolhão e o Marché des Capucins. O pinhal de Ofir e Cap Ferret.Uma pontuação sincopada, por ponto final, que realça as ideias de forma mais lenta como se, assim, devessem ser sorvidas e saboreadas às colheradas.
Persiste
a utopia/realidade
da inevitável queda do despotismo, a reflexão sobre o que
realmente interessa escrever.
Tal como em “O rapaz que queria aprender a olhar”, persiste a utopia da inevitável queda do despotismo, a reflexão sobre o que realmente interessa escrever.
Como em outros autores, mas de forma particular, arvora-se a denúncia de um Porto sem tripeiros, a denúncia da solidão da velhice, sem políticas que se interessem por inativos e, ainda, a constatação de que o amor pelos filhos não gera a biunívoca responsabilidade de cuidados.No nosso mundo, já não é natural que os filhos cuidem dos progenitores. A vida é frenética!