CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO: de quem é
afinal a voz?
Está em consulta pública a nova Estratégia Nacional de Educação para a
Cidadania e Desenvolvimento. Entre as novidades, destaca-se a introdução da
participação dos pais na definição da estratégia de Cidadania de cada escola e
na construção do plano de turma. À primeira vista, parece uma proposta de
aproximação entre escola e família. Mas será mesmo?
O primeiro dos quatro domínios obrigatórios (Direitos Humanos, Democracia e
Instituições Políticas, Desenvolvimento Sustentável, e Literacia Financeira e
Empreendedorismo ) poderá acolher aprendizagens que ficaram de fora, como a
sexualidade e a igualdade de género. No entanto, tudo passará, no futuro, pela
aceitação dos pais. Será possível trabalhar com entidades habituais, como os
Centros de Saúde ou associações locais, mas apenas se os encarregados de
educação estiverem de acordo.
Surge então uma questão delicada: será que os professores terão de submeter
a sua planificação ao crivo dos pais? Poderão estes vetar alguma atuação? Ainda
que tenha havido bom senso na maioria das escolas, há sempre margem para alguma
contestação. E se houver oposição, o que acontece? Suspende-se a ação
educativa? Não se abordam estes temas? Ficam os alunos dependentes da
sensibilidade (ou resistência) dos adultos?
As restantes áreas de gestão flexível (Saúde, Media, Risco e Segurança
Rodoviária, Pluralismo e Diversidade Cultural) deverão continuar a ser
trabalhadas ao longo da escolaridade, em pelo menos um ano, por ciclo. Até
aqui, tudo como dantes.
Por enquanto, foram elaborados documentos orientadores e descritores para
os 1.º, 3.º, 5.º, 7.º e 10.º anos, que serão testados por dez escolas piloto. A
revisão das Aprendizagens Essenciais deverá ficar concluída até dezembro, e,
entre janeiro e abril, estará novamente em discussão pública.
É fundamental durante o tempo que é dado fazer-se ouvir a voz da comunidade
educativa em toda a sua diversidade. Os professores, os alunos e, claro, os
pais. É vital a reflexão partilhada do que queremos ensinar aos futuros
cidadãos. E aqui surgem perguntas que merecem debate alargado: a sexualidade
continua a ser tabu ou é uma aprendizagem essencial desde cedo? O combate ao
assédio e à violência online é uma prioridade educativa, como sugere a UNESCO
ou uma responsabilidade exclusiva da família?
Importa também lembrar que a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento tem
sido implementada de formas muito distintas. Pode existir como disciplina
autónoma, integrada em blocos curriculares ou através de projetos transversais.
Não se sabe como será no futuro, mas sente-se já um maior peso centralizador
nas orientações recentes.
Por fim, sobre a tão falada “libertação das amarras ideológicas”, vale a
pena refletir: sempre existiram amarras, mudam apenas de cor ou nome. O
importante é garantir que o ensino da cidadania promove o pensamento livre,
crítico e informado. A maioria dos professores tem dado esse contributo com
seriedade e empenho, mesmo quando o caminho é sinuoso. Que não regressemos aos
tempos do livro único, onde pensar de forma diferente era o verdadeiro tabu.