Saramago é considerado por muitos críticos um mestre no tratamento da língua portuguesa. Em 2003, o crítico norte-americano Harold Bloom, no seu livro Genius: A Mosaic of One Hundred Exemplary Creative Minds - "Génio: Um Mosaico de Cem Exemplares Mentes Criativas", considerou José Saramago, o "Mestre", "the most gifted novelist alive in the world today". Declarou ainda que Saramago é "um dos últimos titãs de um género literário que se está a desvanecer".
Oriundo de uma família de trabalhadores rurais, José Saramago nasce na aldeia ribatejana de Azinhaga (concelho de Golegã), em 1922. Faz estudos secundários; contudo, por razões económicas, não pode prosseguir estudos.
Exerce diversas profissões, como serralheiro, desenhador, editor e tradutor antes de se dedicar ao jornalismo e, a partir de 1976, totalmente à literatura. Colabora como crítico literário na revista Seara Nova, como comentador político no jornal Diário de Lisboa (1972/73). Em 1975 assumiu a direcção do Diário de Notícias (1975).
Entre as suas obras, destacam-se Memorial do Convento (1982), A Jangada de Pedra (1986), História do Cerco de Lisboa (1989), O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1992), Ensaio sobre a Cegueira (1996), Todos os Nomes (1997) e A Caverna (2000), todas traduzidas em várias línguas.
José Saramago é comendador da Ordem Militar de Santiago de Espada, desde 1985, e cavaleiro da Ordem das artes e das Letras Francesas desde 1991. É galardoado com o Prémio Vida Literária, atribuído pela APE, em 1993; com o prémio Camões, em 1995 e, em 1998, é-lhe atribuído o Prémio Nobel da Literatura. Em 1999, é doutorado honoris causa pela Universidade de Nottingham, em Inglaterra.
Reivindiquemos também o dever dos nossos deveres
Naquele 10 de Dezembro de 1998, em que José Saramago recebeu o Prémio Nobel, assinalavam-se também os 50 anos da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Saramago, por isso o escritor chamou a atenção para a efeméride e para as poucas acções efectuadas.
"Cumpriram-se hoje exactamente 50 anos sobre a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não têm faltado comemorações à efeméride. Sabendo-se, porém, como a atenção se cansa quando as circunstâncias lhe pedem que se ocupe de assuntos sérios, não é arriscado prever que o interesse público por esta questão comece a diminuir já a partir de amanhã. Nada tenho contra esses actos comemorativos, eu próprio contribuí para eles, modestamente, com algumas palavras. E uma vez que a data o pede e a ocasião não o desaconselha, permita-se-me que diga aqui umas quantas mais.
Neste meio século não parece que os governos tenham feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que moralmente estavam obrigados. As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante.
Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem. Ou porque não lho permitem aquelas que efectivamente governam o mundo, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da democracia. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos que somos. Pensamos que nenhuns direitos humanos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem e que não é de esperar que os governos façam nos próximos 50 anos o que não fizeram nestes que comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra. Com a mesma veemência com que reivindicamos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa tornar-se um pouco melhor.
Não esqueci os agradecimentos. Em Frankfurt, no dia 8 de Outubro, as primeiras palavras que pronunciei foram para agradecer à Academia Sueca a atribuição do Prémio Nobel da Literatura. Agradeci igualmente aos meus editores, aos meus tradutores e aos meus leitores. A todos torno a agradecer. E agora também aos escritores portugueses e de língua portuguesa, aos do passado e aos de hoje: é por eles que as nossas literaturas existem, eu sou apenas mais um que a eles se veio juntar. Disse naquele dia que não nasci para isto, mas isto foi-me dado. Bem hajam portanto."
Neste meio século não parece que os governos tenham feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que moralmente estavam obrigados. As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante.
Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem. Ou porque não lho permitem aquelas que efectivamente governam o mundo, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da democracia. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos que somos. Pensamos que nenhuns direitos humanos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem e que não é de esperar que os governos façam nos próximos 50 anos o que não fizeram nestes que comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra. Com a mesma veemência com que reivindicamos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa tornar-se um pouco melhor.
Não esqueci os agradecimentos. Em Frankfurt, no dia 8 de Outubro, as primeiras palavras que pronunciei foram para agradecer à Academia Sueca a atribuição do Prémio Nobel da Literatura. Agradeci igualmente aos meus editores, aos meus tradutores e aos meus leitores. A todos torno a agradecer. E agora também aos escritores portugueses e de língua portuguesa, aos do passado e aos de hoje: é por eles que as nossas literaturas existem, eu sou apenas mais um que a eles se veio juntar. Disse naquele dia que não nasci para isto, mas isto foi-me dado. Bem hajam portanto."
Eu, pessoalmente lembro com especial agrado o Memorial do Convento, que me marcou a juventude e porque não dizê-lo, a vida.
A história de Memorial do Convento inicia-se cerca de 1711, três anos depois do casamento de D. João V com D. Maria Ana Josefa de Áustria, e termina vinte e oito anos depois (1739), aquando da realização do auto-de-fé que determina a morte de António José da Silva e de Baltasar Mateus Sete-Sóis.
Nesta época, D. João V dava continuidade à política absolutista, alimentada pelas remessas de ouro do Brasil.
É uma época de estabilidade onde se constroem inúmeros monumentos barrocos. D. João V para isso concorre mantendo-se afastado dos problemas políticos europeus, nomeadamente da Guerra da Sucessão que ocorre em Espanha. .
A Portugal, chega, através dos estrangeirados, o movimento filosófico do Iluminismo, que visou difundir o racionalismo cartesiano e o experimentalismo de Bacon, ilustrado no romance pela construção da passarola.
No entanto, com o fito de travar estas ideias, a Inquisição reforça o seu poder. Vários estrangeirados foram contratados para desenvolverem obras em Portugal, como Nicolau Nasoni na arquitectura e Domenico Scarlatti na música. Na literatura, merece destaque o judeu António José da Silva e o sermonário português, onde a nossa língua atinge um elevado grau de apuramento.
Na globalidade, os elementos históricos são respeitados na diegese do romance. É o que se passa com os aspectos ligados à construção do Convento de Mafra. Outros pertencem à ficção. É o caso de Bartolomeu de Gusmão, na obra Bartolomeu Lourenço e as suas experiências voadoras, que na História são nebulosas, mas que na ficção nos aparecem de forma clara. A sua fuga para Espanha e a sua morte têm também alguns aspectos ficcionais.
O relato das práticas da Inquisição, dos acontecimentos populares religiosos (as procissões, por exemplo) e o casamento dos príncipes reais retratam bem o ambiente da época.
A par destas personagens mais ou menos históricas, existem outras ficcionais, destacando alguns nomes que representam metonimicamente os cerca de 20 000 trabalhadores utilizados na construção do convento.
As personagens femininas são tratadas de forma especial. Blimunda, personagem de enorme força poética e filosófica com a sua capacidade extraordinária, quase mágica, de ver o que está no mundo e para além dele, mostra a corrupção da Igreja, os excessos da nobreza, o investimento caríssimo de D. João V na construção do Convento de Mafra, a acção da Inquisição, que zela pelos interesses da Coroa, através da expropriação dos bens dos judeus, enquanto o povo sofre a pobreza e a doença.
D. Maria Ana caracterizada como uma rainha triste e insatisfeita, com um casamento de aparência, onde as regras e formalidades se estendem até o leito conjugal, mostra um relacionamento amoroso com o rei frio, programado e indiferente. O seu maior objectivo é o milagre da fecundação, o que levou D. João V a fazer a promessa de mandar construir um convento em Mafra, caso a concepção ocorresse. É o que perpassa no seguinte extracto:
“Dona Maria Ana estende ao rei a mãozinha suada e fria, que mesmo tendo aquecido debaixo do cobertor logo arrefece ao ar gélido do quarto, e el-rei, que já cumpriu o seu dever, e tudo espera do convencimento e criativo esforço com que o cumpriu, beija-a como a rainha e futura mãe, se não presumiu demasiado frei António de São José. Restará à rainha sonhar com o cunhado e redimir-se dessa fraqueza, pela oração.
No entanto é a força de Blimunda que nos questiona sobre a importância de ver o mundo de forma verdadeira, sem máscaras, sem hipocrisia, e isso só é permitido a pessoas sensíveis, àquelas que entendem que nem sempre ter olhos é saber ver. " Usa cada qual os olhos que tem para ver o que pode ou lhe consentem, ou apenas parte pequena do que desejaria."