Barco Negro
De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia
Mas logo os teus olhos disseram que não
E o sol penetrou no meu coração
Mas logo os teus olhos disseram que não
E o sol penetrou no meu coração
Vi depois, numa rocha, uma cruz
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas
São louca
São loucas
Eu sei, meu amor
Que nem chegaste a partir
Pois tudo, em meu redor
Me diz qu'estás sempre comigo
Eu sei, meu amor
Que nem chegaste a partir
Pois tudo, em meu redor
Me diz qu'estás sempre comigo
No vento que lança areia nos vidros
Na água que canta, no fogo mortiço
No calor do leito, nos bancos vazios
Dentro do meu peito, estás sempre comigo
No calor do leito, nos bancos vazios
Dentro do meu peito, estás sempre comigo
Ah ah ah
Eu sei, meu amor
Que nem chegaste a partir
Pois tudo, em meu redor
Me diz qu'estás sempre comigo
Eu sei, meu amor
Que nem chegaste a partir
Pois tudo, em meu redor
Me diz qu'estás sempre
Comigo
O Fado remontando à Lisboa oitocentista,
é a alma do convívio do povo, em casa, nas hortas, nas esperas de touros, nos
retiros, nas ruas e vielas, nas tabernas, cafés de camareiras e casas de
meia-porta.
Os temas são apreciados porque remetem para a vida das pessoas comuns. Na
origem liga-se a lugares marginais e transgressores, frequentados por
prostitutas, faias, marujos, boleeiros e marialvas.
Era rejeitado pela aristocracia, que, no entanto, por vezes também
frequentava os lugares nos quais o fado era rei . É isso mesmo que é documentado
pelo mito da Severa, central na história do Fado. Tem a sua origem no
envolvimento amoroso do Conde de Vimioso com a meretriz Maria Severa Onofriana
(1820-1846), grande cantadeira de fado, episódio várias vezes passado a poema,
a teatro e a umromance (Júlio Dantas, A
Severa, 1901) que será adaptado em 1931,
a cinema ( primeiro filme sonoro português, dirigido por Leitão de Barros.
O fado estará sempre presente nas
festas populares e coletividades, vindo a constituir-se um instrumento de
intervenção política, durante o salazarismo, pelo que será proibido pela
censura em 1927.
O Teatro de Revista, nascido em 1851, utilizá-lo-á , projetando-o. Aqui,
com refrão e orquestrado, o fado será cantado quer por famosas actrizes, quer
por fadistas de renome. Ficarm célebres duas formas diferentes de abordar o
fado: o fado dançado e estilizado por Francis e o fado falado de João Villaret.
Nos anos 30 e 40 do século XX, Hermínia Silva junta os seus dotes de
cantadeira com os de actriz cómica e revisteira.
A partir do último quartel do séc. XIX, define-se a forma poética da
“décima”, quadra glosada em quatro estrofes de dez versos cada, em torno da
qual se estruturaria o Fado para mais tarde se desenvolver em torno de outras
variantes. Neste período, a guitarra
impõe-se como acompanhante da canção que se difundide dos centros urbanos para
as zonas rurais do país.
A partir da década de 30 do século XX, impõe-se fadistas profissionais como
por exemplo, a “Troupe Guitarra de
Portugal”, integrada, entre outros, por Ercília Costa (1902-1985) e Alfredo
Marceneiro (1891-1982), para só citarmos um dos mais conhecidos.
Como já dissemos atrás, o
Decreto-Lei nº 13 564 de 6 de Maio de 1927, impôs ao longo de 200 artigos, uma “Fiscalização
superior de todas as casas e recintos de espectáculos ou divertimentos públicos
(…) exercida pelo Ministério da Instrução Pública, por intermédio da Inspecção
Geral dos Teatros e seus delegados”, o que reduziu os espaços dedicados ao
fado, o seu repertório e proibiu a improvisação, tão apreciada.
Gradualmente, o fado passou a circunscrever-se à casa de fados, locais que se concentrariam, sobretudo, a partir
da década de 30, nos bairros históricos da cidade, sobretudo no Bairro Alto..
O Fado esteve sempre presente no
cinema português até à década de 70. Aliás, o cinema debruçar-se-á, em 1947 sobre
o Fado, em História de uma Cantadeira protagonizado por Amália Rodrigues ou, em
1963, em O Miúdo da Bica, protagonizado por Fernando Farinha. Também Hermínia Silva, Berta Cardoso, Deolinda
Rodrigues, Raul Nery e Jaime Santos foram protagonistas de filmes.
A inauguração da Rádio Televisão
Portuguesa , em 1957 contribuiu largamente para a divulgação do fado junto do
grande público.
O fado com presença na Radio, no Cinema e na Televisão ganha vitalidade nas
décadas de 1940 e 1960, designadas, até, de “anos de ouro”. Neste período, o concurso
da Grande Noite do Fado que se inicia em 1953 e ganha uma periodização anual
contribuirá para a sua grande divulgação.
Além das casas de fado, rádio e
televisão, a canção impõe-se nos “Serões para Trabalhadores” da FNAT, a partir de 1942. O SNICT, Secretariado Nacional de Informação, Cultura e
Turismo que, a partir de 1944 passa a tutelar a Censura, a Emissora Nacional e
a Inspecção Geral dos Espectáculos faz aproximar, sobretudo, a partir da década
de 1950, o fado do Estado Novo, impondo-se como grande intérprete internacional,
Amália Rodrigues.
O Fado apresenta uma simplicidade
melódica valorizada pela voz, apelando à comunhão entre intérprete, músicos e
ouvinte. Em quadras ou quadras glosadas, quintilhas, sextilhas, decassílabos e
alexandrinos, esta poesia popular evoca os temas ligados ao amor, à sorte e ao
destino individual assim como à vida quotidiana citadina. Por vezes, apesar de
ser acusado de perpetuação do regime, reveste-se de carácter interventivo e contestação
das injustiças.
SE de início, as letras do fado eram anónimas, a partir da década de1920,
impõem-se poetas populares como Henrique Rego, João da Mata, Gabriel de
Oliveira, Frederico de Brito, Carlos Conde e João Linhares Barbosa. No anos 50,
o fado abraçará, sobretudo a partir de Amália Rodrigues, a poesia erudita. A
partir do contributo do compositor Alain Oulman, o fado passará a cantar os
textos de poetas como David Mourão-Ferreira, Pedro Homem de Mello, José Régio,
Luiz de Macedo e, mais tarde, Alexandre O’Neill, Sidónio Muralha, Leonel Neves
ou Vasco de Lima Couto, entre outros.
O fado inicia a sua internacionalização,
sobretudo para África e Brasil com artistas como Ercília Costa, Berta Cardoso,
Madalena de Melo, Armando Augusto Freire, Martinho d’Assunção ou João da Mata,
entre outros. No entanto o seu boom só acontecerá com Amália Rodrigues, a parir
de 1950 qe consegue impôr-se como embaixatriz do fado de de Portugal.
De início Introduzida em Portugal a partir das colónias inglesas de
Lisboa e do Porto, referências de gosto e mentalidade cultural da época, a
guitarra inglesa conheceu uma grande divulgação nos salões europeus de meados
do século XVIII. De utilização exclusiva nos círculos da burguesia e da nobreza
dos salões urbanos, entre meados do século XVIII e 1820, “é nessa qualidade que
a vemos associada ao acompanhamento de algumas modinhas e cançonetas italianas
de carácter mais erudito (…) no que se refere aos primeiros testemunhos do Fado
dançado no Brasil (…) as fontes da época mencionam sempre a viola. O mesmo
sucede nas descrições mais antigas do fado de Lisboa (…)” (Cfr. NERY, Rui
Vieira, Para uma História do Fado, Lisboa, Publico/Corda Seca, 2004, p. 98).
A partir do início do século XX, impõe-se a “guitarra portuguesa” de seis cordas, adaptação da guitarra inglesa que
a partir de 1840 se associa ao canto
fadista.
Na história da construção da guitarra portuguesa, inteiramente artesanal,
distinguem-se duas famílias de guitarreiros que aperfeiçoaram e transmitiram o
seu segredo ao longo de sucessivas gerações. A primeira inicia-se com Álvaro da
Silveira e é continuada por Manuel Cardoso e seu filho Óscar Cardoso. A segunda
nasce com João Pedro Grácio e mantém-se com João Pedro Grácio Júnior, que se
destaca de seis irmãos, e seu filho Gilberto Grácio. O diálogo permanente entre
esta oficina e os executantes que a preferiram, como Luís Carlos da Silva,
Petrolino, Armando Freire, Artur Paredes, Carlos Paredes, José Nunes, foi
fundamental á evolução técnica e acústica do instrumento.
A revolução de Abril de 1974 alargando horizonte e por vezes, conotando o
fado com o Estado Novo, levou à interrupção, por dois anos, do concurso da
Grande Noite do Fado, e à enorme diminuição da difusão do fado na rádio e
televisão.
No entanto, ao estabelezar-se o regime democrático, o fado reabilita-se.
Com efeito, já em 1976 , o álbum Um Homem
na Cidade, de Carlos do Carmo, vem recriar o fado com parte integrante dos
valores democráticos.
A partir de 1980, as pessoas renovam o seu interesse pelo fado, sobretudo
devido a uma nova geração de intérpretes que e com a aproximação ao fado de cantores como
José Mário Branco, Sérgio Godinho, António Variações ou Paulo de Carvalho.
No plano internacional, Amália
Rodrigues e Carlos do Carmo impoem-se como expoentes.
Nos anos 90 o fado consagrar-se-á,
com Mísia e Cristina Branco, respectivamente na França e Holanda. Consagra-se,
nesta altura , intérprete Camané.
No final da década e início do século XXI, surgem intérpretes como
Mafalda Arnauth, Katia Guerreiro, Maria Ana Bobone, Joana Amendoeira, Ana
Moura, Ana Sofia Varela, Pedro Moutinho, Helder Moutinho, Gonçalo Salgueiro,
António Zambujo, Miguel Capucho, Rodrigo Costa Félix, Patrícia Rodrigues,
Carminho ou Raquel Tavares. No circuito internacional, Mariza é a grande
protagonista.
Fonte:
Pereira, Sara (2008), “Circuito Museológico”, in Museu do
Fado 1998-2008, Lisboa: EGEAC/Museu do Fado.