sábado, 26 de novembro de 2011

FADO PATRIMÓNIO IMATERIAL DA HUMANIDADE



                                                  O Fado, José Mallhoa, 1910





"O FADO é a primeira expressão artística a ser declarada Património Imaterial da Humanidade em Portugal.

 A Câmara Municipal de Lisboa através da EGEAC/MUSEU DO FADO levou a cabo esta candidatura que envolveu a comunidade artística do FADO, congregou instituições e reuniu o consenso de todos os partidos políticos. A Candidatura do FADO tornou-se uma causa nacional e a inclusão do FADO na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial é uma vitória de Portugal.

 O Plano de Salvaguarda já em curso permitirá preservar e salvaguardar as memórias da canção urbana de Lisboa, através da criação de uma Rede Integrada de Arquivos, de um Arquivo Digital de Fonogramas de Fado, de um Programa Educativo muito abrangente, de um vasto plano de edições (edição de fontes históricas, poéticas, críticas e musicais) e da criação de Roteiros de Fado". Museu do Fado





O fado património mundial da humanidade  da humanidade, claro! O fado meu preferido, misto de sentimento e destino.Um povo marinheiro de viúvas em terra.O ímpeto do mar e a força da mulher, escondida na fragilidade do amor!

Em geral, não gosto de fado, não me identifico, mas aquele "Barco Negro"  de David Mourão Ferreira, arrebata-me, pleno de densidade trágica! Ssinto empatia com aquela(s) mulher(es)  que perdem o amor, num destino sempre anunciado previamente, mas que recusam a morte. Eu sei, meu amor/Que nem chegaste a partir/Pois tudo, em meu redor/Me diz qu'estás sempre comigo. Toda esta identificação é duplicada pela voz de Amália.. 

Mesmo que eu não goste, em geral, é um património português. Viva o fado


https://www.youtube.com/watch?v=CIoa7C1B_Co

Barco Negro

 

De manhã, que medo, que me achasses feia!

Acordei, tremendo, deitada n'areia

Mas logo os teus olhos disseram que não

E o sol penetrou no meu coração

Mas logo os teus olhos disseram que não

E o sol penetrou no meu coração

Vi depois, numa rocha, uma cruz

E o teu barco negro dançava na luz

Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas

Dizem as velhas da praia, que não voltas

São louca

São loucas

Eu sei, meu amor

Que nem chegaste a partir

Pois tudo, em meu redor

Me diz qu'estás sempre comigo

Eu sei, meu amor

Que nem chegaste a partir

Pois tudo, em meu redor

Me diz qu'estás sempre comigo

No vento que lança areia nos vidros

Na água que canta, no fogo mortiço

No calor do leito, nos bancos vazios

Dentro do meu peito, estás sempre comigo

No calor do leito, nos bancos vazios

Dentro do meu peito, estás sempre comigo

Ah ah ah

Eu sei, meu amor

Que nem chegaste a partir

Pois tudo, em meu redor

Me diz qu'estás sempre comigo

Eu sei, meu amor

Que nem chegaste a partir

Pois tudo, em meu redor

Me diz qu'estás sempre

Comigo


O Fado remontando à Lisboa oitocentista,  é a alma do convívio do povo, em casa,  nas hortas, nas esperas de touros, nos retiros, nas ruas e vielas, nas tabernas, cafés de camareiras e casas de meia-porta.

Os temas são apreciados porque remetem para a vida das pessoas comuns. Na origem liga-se a lugares marginais e transgressores, frequentados por prostitutas, faias, marujos, boleeiros e marialvas.

Era rejeitado pela aristocracia, que, no entanto, por vezes também frequentava os lugares nos quais o fado era rei . É isso mesmo que é documentado pelo mito da Severa, central na história do Fado. Tem a sua origem no envolvimento amoroso do Conde de Vimioso com a meretriz Maria Severa Onofriana (1820-1846), grande cantadeira de fado, episódio várias vezes passado a poema, a teatro e a umromance  (Júlio Dantas, A Severa, 1901)  que será adaptado em 1931, a cinema ( primeiro filme sonoro português, dirigido por Leitão de Barros.

 O fado estará sempre presente nas festas populares e coletividades, vindo a constituir-se um instrumento de intervenção política, durante o salazarismo, pelo que será proibido pela censura em 1927.

O Teatro de Revista, nascido em 1851, utilizá-lo-á , projetando-o. Aqui, com refrão e orquestrado, o fado será cantado quer por famosas actrizes, quer por fadistas de renome. Ficarm célebres duas formas diferentes de abordar o fado: o fado dançado e estilizado por Francis e o fado falado de João Villaret.

Nos anos 30 e 40 do século XX, Hermínia Silva junta os seus dotes de cantadeira com os de actriz cómica e revisteira.

 

A partir do último quartel do séc. XIX, define-se a forma poética da “décima”, quadra glosada em quatro estrofes de dez versos cada, em torno da qual se estruturaria o Fado para mais tarde se desenvolver em torno de outras variantes. Neste período, a  guitarra impõe-se como acompanhante da canção que se difundide dos centros urbanos para as zonas rurais do país.

A partir da década de 30 do século XX, impõe-se fadistas profissionais como por exemplo, a  “Troupe Guitarra de Portugal”, integrada, entre outros, por Ercília Costa (1902-1985) e Alfredo Marceneiro (1891-1982), para só citarmos um dos mais conhecidos.

 Como já dissemos atrás, o Decreto-Lei nº 13 564 de 6 de Maio de 1927, impôs ao  longo de 200 artigos, uma “Fiscalização superior de todas as casas e recintos de espectáculos ou divertimentos públicos (…) exercida pelo Ministério da Instrução Pública, por intermédio da Inspecção Geral dos Teatros e seus delegados”, o que reduziu os espaços dedicados ao fado, o seu repertório e proibiu a improvisação, tão apreciada.

Gradualmente, o fado passou a circunscrever-se à casa  de fados,  locais que se concentrariam, sobretudo, a partir da década de 30, nos bairros históricos da cidade, sobretudo no Bairro Alto..

 O Fado esteve sempre presente no cinema português até à década de 70. Aliás, o cinema debruçar-se-á, em 1947 sobre o Fado, em História de uma Cantadeira protagonizado por Amália Rodrigues ou, em 1963, em O Miúdo da Bica, protagonizado por Fernando Farinha.  Também Hermínia Silva, Berta Cardoso, Deolinda Rodrigues, Raul Nery e Jaime Santos foram protagonistas de filmes.

 A inauguração da Rádio Televisão Portuguesa , em 1957 contribuiu largamente para a divulgação do fado junto do grande público.

O fado com presença na Radio, no Cinema e na Televisão ganha vitalidade nas décadas de 1940 e 1960, designadas, até,  de “anos de ouro”. Neste período, o concurso da Grande Noite do Fado que se inicia em 1953 e ganha uma periodização anual contribuirá para a sua grande divulgação.

 Além das casas de fado, rádio e televisão, a canção impõe-se nos “Serões para Trabalhadores” da  FNAT, a partir de 1942. O SNICT,  Secretariado Nacional de Informação, Cultura e Turismo que, a partir de 1944 passa a tutelar a Censura, a Emissora Nacional e a Inspecção Geral dos Espectáculos faz aproximar, sobretudo, a partir da década de 1950, o fado do Estado Novo, impondo-se como grande intérprete internacional,  Amália Rodrigues.

 O Fado apresenta uma simplicidade melódica valorizada pela voz, apelando à comunhão entre intérprete, músicos e ouvinte. Em quadras ou quadras glosadas, quintilhas, sextilhas, decassílabos e alexandrinos, esta poesia popular evoca os temas ligados ao amor, à sorte e ao destino individual assim como à vida quotidiana citadina. Por vezes, apesar de ser acusado de perpetuação do regime, reveste-se de carácter interventivo e contestação das injustiças.

SE de início, as letras do fado eram anónimas, a partir da década de1920, impõem-se poetas populares como Henrique Rego, João da Mata, Gabriel de Oliveira, Frederico de Brito, Carlos Conde e João Linhares Barbosa. No anos 50, o fado abraçará, sobretudo a partir de Amália Rodrigues, a poesia erudita. A partir do contributo do compositor Alain Oulman, o fado passará a cantar os textos de poetas como David Mourão-Ferreira, Pedro Homem de Mello, José Régio, Luiz de Macedo e, mais tarde, Alexandre O’Neill, Sidónio Muralha, Leonel Neves ou Vasco de Lima Couto, entre outros.

 O fado inicia a sua internacionalização, sobretudo para África e Brasil com artistas como Ercília Costa, Berta Cardoso, Madalena de Melo, Armando Augusto Freire, Martinho d’Assunção ou João da Mata, entre outros. No entanto o seu boom só acontecerá com Amália Rodrigues, a parir de 1950 qe consegue impôr-se como embaixatriz do fado de de Portugal.

 

De início Introduzida em Portugal a partir das colónias inglesas de Lisboa e do Porto, referências de gosto e mentalidade cultural da época, a guitarra inglesa conheceu uma grande divulgação nos salões europeus de meados do século XVIII. De utilização exclusiva nos círculos da burguesia e da nobreza dos salões urbanos, entre meados do século XVIII e 1820, “é nessa qualidade que a vemos associada ao acompanhamento de algumas modinhas e cançonetas italianas de carácter mais erudito (…) no que se refere aos primeiros testemunhos do Fado dançado no Brasil (…) as fontes da época mencionam sempre a viola. O mesmo sucede nas descrições mais antigas do fado de Lisboa (…)” (Cfr. NERY, Rui Vieira, Para uma História do Fado, Lisboa, Publico/Corda Seca, 2004, p. 98).

 

A partir do início do século XX, impõe-se a “guitarra portuguesa”  de seis cordas, adaptação da guitarra inglesa que  a partir de 1840 se associa ao canto fadista.

Na história da construção da guitarra portuguesa, inteiramente artesanal, distinguem-se duas famílias de guitarreiros que aperfeiçoaram e transmitiram o seu segredo ao longo de sucessivas gerações. A primeira inicia-se com Álvaro da Silveira e é continuada por Manuel Cardoso e seu filho Óscar Cardoso. A segunda nasce com João Pedro Grácio e mantém-se com João Pedro Grácio Júnior, que se destaca de seis irmãos, e seu filho Gilberto Grácio. O diálogo permanente entre esta oficina e os executantes que a preferiram, como Luís Carlos da Silva, Petrolino, Armando Freire, Artur Paredes, Carlos Paredes, José Nunes, foi fundamental á evolução técnica e acústica do instrumento.

 

A revolução de Abril de 1974 alargando horizonte e por vezes, conotando o fado com o Estado Novo, levou à interrupção, por dois anos, do concurso da Grande Noite do Fado, e à enorme diminuição da difusão do fado na rádio e televisão.

 

No entanto, ao estabelezar-se o regime democrático, o fado reabilita-se. Com efeito, já em 1976 , o álbum Um Homem na Cidade, de Carlos do Carmo, vem recriar o fado com parte integrante dos valores democráticos.

A partir de 1980, as pessoas renovam o seu interesse pelo fado, sobretudo devido a uma nova geração de intérpretes que  e com a aproximação ao fado de cantores como José Mário Branco, Sérgio Godinho, António Variações ou Paulo de Carvalho.

 No plano internacional, Amália Rodrigues e Carlos do Carmo impoem-se como expoentes.

 Nos anos 90 o fado consagrar-se-á, com Mísia e Cristina Branco, respectivamente na França e Holanda. Consagra-se, nesta altura ,  intérprete Camané.

No final da década e início do século XXI, surgem intérpretes como Mafalda Arnauth, Katia Guerreiro, Maria Ana Bobone, Joana Amendoeira, Ana Moura, Ana Sofia Varela, Pedro Moutinho, Helder Moutinho, Gonçalo Salgueiro, António Zambujo, Miguel Capucho, Rodrigo Costa Félix, Patrícia Rodrigues, Carminho ou Raquel Tavares. No circuito internacional, Mariza é a grande protagonista.

 

Fonte:

Pereira, Sara (2008), “Circuito Museológico”, in Museu do Fado 1998-2008, Lisboa: EGEAC/Museu do Fado.

 https://www.museudofado.pt/noticias/fado-e-patrimonio-imaterial-da-humanidade