JOSÉ TOLENTINO DE MENDONÇA, O QUE É AMAR UM PAÍS - O PODER DA ESPERANÇA, Quetzal Editores, 2020.
DAR MENOS UM PASSO
Depois de ter lido “O que é amar um pais
de José Tolentino de Mendonça, algumas questões persistiram na minha mente,
face às certeza, às vezes, de incentivo à calma, securizantes,
ou estagnadoras, propaladas pelos meios de comunicação social ou
pelas nossas comunidades de amigos.
No entanto, o atual tempo e aqui teremos
que pensar como entendemos este conceito, no sentido grego de Cronos que devora
os próprios filhos, logo que nos retira violentamente ao passado e nos projeta,
da mesma forma, para o futuro, ou no sentido de Kairós, o tempo oportuno.
Será que nos é proporcionado descobrir o “instante iminente, lugar da própria
revelação”(Mendonça, 2020,110)? Saberemos descobrir, na agressividade,
isolamento e indolência de alguns, o medo do desconhecido e ultrapassar essa
perceção indo ao encontro do outro, reencontrando-nos, também, bichos do mundo
tão pequenos?
Escolheremos seguir em frente na veloz
tecnologia que não olha a estragos ou afirmar-nos-emos pela
capacidade de repensar corajosamente instrumentos e consequências?
Desta forma várias
perguntas podem ser refletidas.
Será que o presente pandémico será
acelerador de assimetrias ou implementará a proximidade coletiva?
Quando tudo se “normalizar”, veremos o
outro como rival ou abraçá-lo-emos como aliado indispensável?
O mundo poderá viver uma nova etapa de
globalização consciente dos riscos do abuso ambiental, da precarização do
trabalho e da exclusão, e tornar-se mais justo?
A terra poderá deixar de ser um objeto que
satisfaz todos os nossos interesses desenfreados e emergir a ideia que terá que
haver cuidados capazes de regular o equilíbrio entre todos os seres vivos?
Será que entenderemos, como já referiu o
Papa Francisco, na Encíclica Laudato Si que “o grito da terra
e o grito dos pobres” está interligado e faz parte da mesma ambição desmedida
de uns poucos que dominam todo o planeta em seu próprio proveito?
Repensaremos o conceito que nos
remetia para a “app de food delivery” (Mendonça. 2020.p.84) e reencontraremos o
sabor das refeições lentas e cozinhadas em comunidade caseira?
A União Europeia conseguirá repensar-se e
reerguer os seus ideais?
A nossa convivência e organização do
espaço habitado poderá ser fundada numa humanização das relações?
Saberemos cuidar dos traumas gerados pelo
trabalho e risco excessivo de alguns profissionais?
Haverá uma visão mais harmoniosa da vida
material e espiritual, entre pessoas e comunidade?
Será que o “Tudo vai ficar bem”, inclui a
ideia de uma sociedade igual à anterior?
O devir histórico está em constante
mutação e os traumas e revoluções provocam solavancos para a frente. Resta-nos
saber em que sentido. A globalização da economia e da comunicação, assegurando
um consumo ilimitado, foi conseguida à custa da destruição de
eco-sistemas, como se nenhum recurso fosse inesgotável. A crise
pandémica coloca-nos o noção dos limites e o que começou por ser um
assunto sanitário catapulta-nos para uma “encruzilhada civilizacional”
(Mendonça, 2020. p. 97)
Para avançarmos no nosso caminho, temos
que reaprender a harmonizar transformação e preservação, numa comunidade
que redescobre o seu património relacional. Como diz, o papa
Francisco “o tempo é superior ao espaço”, ou seja, o mundo tem a
forma que nós lhe dermos. Assim, “as formas do espaço são relativas e o tempo é
fluído, móvel; enquanto o tempo tende a cristalizar, muitas vezes até a
bloquear” (Mendonça. 2020.p.115). Um tempo de calamidade e paragem
é, também, “uma grande oportunidade para redescobrir que a vida não começa e
acaba aqui” (Mendonça. 2020. p. 115). Esta constatação torna imperioso que
liguemos passado, presente e futuro e que esperemos poder construir
este último com uma energia renovada.
Se, segundo Freud, a nossa experiência
traumática nos angustia, em todos os tempos, houve movimentos e pessoas que
resistiram ao trauma. Segundo os psiquiatras, para curar o trauma,
será necessário pensar que nada volta ao mesmo, encontrando-se uma nova vivência.
Esta poderá ser alicerçada, segundo Tolentino de Mendonça, no amor que vive
adormecido. “Esta é uma hora para avivarmos em nós a experiência de sermos
amados” (Mendonça. 2020. p. 119). De seguida, há que pronunciar as
palavras nunca ditas e de contar a nossa história, exercendo a criatividade em
todos os sentidos, na escrita, na música, nas artes plásticas, eu diria mesmo,
na economia e sociedade. Por fim, acordemos em nós uma imagem de beleza, como a
dos "lírios do campo" de que falava Etty Hillesum, quando encarcerada
num campo de concentração. E, beleza das belezas, é tempo de pensarmos em nós
próprios, nos tornarmos a própria beleza, ao cuidarmos do mundo, ao cuidarmos
do outro.
Assim possa ser!