Indisciplina sufoca Escola Pública
Sofia Canha
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Vou permitir-me ser politicamente incorreta. Normalmente há grandes
pruridos em falar de indisciplina nas escolas e assumi-la como um verdadeiro
problema com todas as consequências que daí advêm. Esta questão nunca é
verdadeiramente discutida nas escolas, porque não se assume como um problema da
escola, mas sim do professor.
Desviou-se a questão para a natureza psicológica do professor, em vez de se
assumir como um problema da escola e da sociedade e, assim, se dar instrumentos
claros, precisos e justos, de regulação. Fazer depender a gestão da
indisciplina na aula unicamente das características pessoais e do perfil do
professor, não só é errado como pernicioso. A principal função do professor é
mediar a aprendizagem dos alunos, mediante os conteúdos programáticos que,
formal ou informalmente, constam do programa e/ou do projeto educativo. E é
precisamente esta função que, não raras vezes, acaba por ser secundarizada,
perante situações disruptivas constantes, que desviam a atenção do professor da
sua principal função.
A relação pedagógica deve assentar no respeito mútuo, tendo por base as
condições para o pleno exercício das funções e papéis que cabem a cada um:
ensinar/educar e aprender/educar-se. O professor ao longo de 90 minutos aciona
constantemente o sistema límbico (responsável pelas emoções) e o reptiliano
(instinto, segurança), devido às diversas situações e problemas que ocorrem na
aula, significando que nem sempre está concentrado e focalizado naquele que
deveria ser o seu conteúdo funcional. Esta intermitência causa uma grande
pressão que, a longo prazo, acarreta graves prejuízos para a saúde do docente e
compromete o processo de ensino-aprendizagem.
Todos aqueles chavões que, de repente, se começaram a atribuir ao
professor (gestor de conflitos, gestor de emoções, promotor de afetos, entre
outros) transformaram-no num super-herói, capaz de assumir uma amálgama de papéis.
E a sociedade agradece, as famílias agradecem, o sistema agradece, pois, ao
delegar-se neste super-herói a tarefa de fazer tudo o que é da sua
responsabilidade e tudo o que não deveria ser, a sociedade, a família e o
sistema “lavam as suas mãos”… E pior do que isso, responsabilizam a escola e,
em última instância, os professores.
Na generalidade das salas de aula, em Portugal, gerem-se comportamentos e
situações de conflito, quando sedeveriam gerir aprendizagens.Ou seja, são
tantos os fatores de dispersão que a aprendizagem e o conhecimento ficam
secundarizados. É aqui que as escolas privadas ganham terreno e se diferenciam
(selecionando os alunos também pelos padrões de comportamento e com autonomia
para definirem as regras de conduta e eventuais sanções que, na Escola Pública,
seriam inaceitáveis).
Por outro lado, a cultura do prazer que se instalou na sociedade
pós-moderna, influenciada pelas correntes humanistas mais fundamentalistas, fez
emergir algumas teorias sobre o papel da escola, algumas excessivamente
românticas (“a escola deve servir para as crianças serem felizes”, “educar para
a felicidade”, entre outras), que têm contribuído para uma maior naturalização
dos “maus comportamentos”. Não consta que pessoas educadas em ambientes mais
disciplinadores (não confundamos com repressores) sejam pessoas piores, com
menos sentido crítico, menos educadas e menos sensíveis.
A escola e os professores têm um papel fundamental no desenvolvimento dos
indivíduos e na diminuição das assimetrias socioculturais. Mas é necessário que
todos (escola, família e sociedade) tenham consciência do seu papel,
relativamente à formação integral dos alunos, filhos, cidadãos.