Em 2 de
Janeiro de 1967 pelo Decreto-Lei 47.480 cria-se o “ Ciclo Preparatório do
Ensino Secundário’’ para começar a ser implementado no ano letivo de 1968/69
(artº 26º , nº 1).
- O Decreto-lei
nº 48.572 de 9/9/68 publica o Estatuto do Ciclo Preparatório do Ensino
Secundário
- A
Portaria 23.601 de 9/9/68 , publica os programas do Ciclo Preparatório do
Ensino Secundário.
Em 1967 é
criado o Ciclo Preparatório do Ensino Secundário (Dec-Lei nº.47.480, de 2 de
Janeiro), constituído por dois anos (5ª. e 6ª. Classe). Este ciclo passa a ser
comum aos liceus e às escolas técnicas. Em 1969, começa uma fase de grandes
transformações no ensino em Portugal, que conduziu à sua rápida expansão e massificação.
O ensino liceal foi a modalidade que mais se expandiu à custa da proliferação
de colégios privados.
O Decreto
n.º 48 572 do Ministério da Educação Nacional de 9 de Setembro de 1968
Aprova o
estatuto do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário que constitui um dos meios
possíveis de cumprimento da escolaridade obrigatória.
Nesse
seguimento surge a escola Preparatória Júlio Dinis. As primeiras reuniões são
feitas na Escola Industrial e Comercial de Gondomar. Aí, certamente, foi
decidido o nome a dar à escola e o local onde deveria ser ministrado o ensino
às meninas, já que a secção dos rapazes ficaria na própria Escola Industrial.
Se a
escola Preparatória Júlio Dinis, começou por ocupar o edifício da Rua Dr.
Oliveira Salazar/ 25 de Abril, com o número 279 (secção feminina), e parte das
instalações na Escola Comercial e Industrial de Gondomar (atual Escola
Secundária), em Janeiro de 1973 passou a ter novas instalações contíguas à
atual Secundária de Gondomar.
Após o 25
de abril de 1974, a Escola Júlio Dinis passou a denominar-se Escola
Preparatória de Gondomar.
Por que
denominar-se Júlio Dinis?
Durante
muito tempo defendeu-se que foi junto de Agostinho Ferreira Barbosa, reitor de
Fânzeres, que Júlio Dinis estadeou em convalescença da sua tuberculose, em
agosto e parte de setembro de 1869. Como o reitor de Fânzeres, homem esmoler e
culto, personifica a bondade em pessoa, há uma corrente de pensamento que o
indica como inspirador da personagem “Reitor” das pupilas do Senhor Reitor do
referido escritor. Efetivamente, o Padre Agostinho, foi coadjutor de Fânzeres
desde 1824 e Reitor a partir de 1832, datas muito anteriores à estada de Júlio
Dinis naquela freguesia. Aliás morre um ano antes da publicação da obra em 1866
no “jornal do Porto”.
Por essa
altura o pároco com o qual é natural Júlio Dinis ter travado amizade,já que são
ambos do Porto, é o padre António Pinto do Outeiro.
Mais
provável é o padre Agostinho assemelhar-se à personalidade desse outro Reitor,
o reverendo Fernando António Correia da Silva, abade de Grijó, reitor desde
1833 e falecido em 1877, esse sim possível inspirador de “As Pupilas do Sr.
Reitor” segundo a opinião do prof. António Domingos de Sousa Costa.[i]
Também o médico Egas Moniz que investigou a obra do seu colega, Júlio Dinis
mostra provas em que “As pupilas do Sr. Reitor” teriam sido escritas em Ovar e
inspiradas em pessoas dessa terra. A verdade, é que o mundo rural tem muitas
semelhanças entre si e mesmo Júlio Dinis diz que se inspirou no ”Pároco de
Aldeia” de Alexandre Herculano”:
“Esse romance das “Pupilas” é a realização
dum pensamento filho das impressões que, desde a idade de doze anos, tenho
recebido das sucessivas leituras do “Pároco de Aldeia”. O meu Reitor não fez
mais do que seguir, a passo incerto, as fundas pisadas que o inimitável tipo
criado por v. EXª deixou na sua passagem”[ii]
Serafim
Gesta[iii]
e Fina de D´Armada[iv] defendem
que Júlio Dinis teria estado em Fânzeres, aquando do exercício de funções do
Padre Pinto do Outeiro. Fina d´Armada refere mesmo que Júlio Dinis esteve
hospedado no presbitério com o escritor Augusto Luso, a convite do padre.
Reproduz até uma carta do escritor, datada de 1869:
S. Salvador de Fânzeres, 24 de
Agosto de 1869
(Residência paroquial)
Meu caro Passos:
O Luso tem novamente sido ameaçado
de dores de queixos e, por isso, pede que lhe mandes doze papeia de sulfato
como de costume.
Eu também ao acordar fui mimoseado
com um leve incómodo, para me não esquecer de que sou doente, como às vezes
estou próximo a convencer-me. Por isso e por a trovoada matinal, gorou-se a
projectada pescaria e limitou-se o divertimento do dia a simples passeio
campestre. Não tenho remédio, para não desconsiderar de todo em todo a
medicina, em que cada vez creio menos, senão esfregar-me com alguma coisa que
me evite a repetição da pouco agradável surpresa de ontem; por isso peço-te que
me mandes uma porção de óleo de croton. O meu estado de espírito não é mau:
digo-te com sinceridade. Já me vou acostumando às peripécias da minha doença;
aceito-as como factos habituais. O nosso bom abade continua aflito com o calor,
desconfiado da política moderna e preocupado com a engorda dos seus porcos.
Pede-me ele que tu lhe mandes comprar um rol para a roupa da lavadeira, desses
que têm os objectos pintados, para suprir a falta da Clemência; quer também uma
mão de papel fino para cartas e um maço de envelopes. Adeus. Visitas ao
Eugénio, que tenha menos pressa de deixar o Porto.
Recomenda-me a teu pai, que
estimarei saber que experimenta melhoras.
Teu do coração
Coelho
Fina d´Armada vai mais longe e escreve que
alguns capítulos do romance “Os Fidalgos da Casa Mourisca” teriam sido escritos
em Fânzeres, já que o Júlio Dinis informa:
“Principiei a escrever “Os Fidalgos
da Casa Mourisca no Funchal, em Março de 1869. Levava-o em meio do capítulo 8º,
quando voltei ao Porto, em maio do mesmo ano. Trabalhei no Porto e escrevi-o
até princípios do capítulo 17 desde Junho até Outubro, época em que voltei para
a Madeira. Concluí-o no Funchal em 11 de Abril de 1870.”
Segundo
este relato, entre Junho e Outubro de 1869, escreveu nove capítulos. Dentro
deste período fica a sua estadia de Julho e Agosto, em Fânzeres, onde poderia
ter escrito alguns capítulos entre o 8º e o 17º.
No
capítulo IX, realça o sentir dos que emigram, mudam e regressam vendo tudo na
mesma, o que aconteceu em Fânzeres, embora não exclusivamente:
“Ó feiticeiras fadas, que nos
acompanhais quando por longe andamos, devorados de saudades, a lembrar-nos da
terra onde nascemos, porque tão depressa nos abandonais à chegada? Por que …
nos fazeis ver a realidade como a víamos dantes”
No
capítulo XI, a personagem Clemente, um regedor do Povo tem que enfrentar os
excessos dos fidalgos do Cruzeiro, a quem o próprio povo perdoa e as
autoridades encobrem. A lavadeira do padre chamava-se Clemência.
No
capítulo XI, descreve uma casa que sem específica poderia ser fanzerense:
“Era uma casa branca, de um só andar e ao
correr da rua, mas de sólida construção, bem caiada, bem pintada e bem
esfregada. Entrava-se para ela por um pátio coberto de ramada, cercado de um
muro baixo e fechado por uma cancela de castanho enegrecido”.
Mais à
frente:
“ aqui um monte de rama de pinheiro
além duas ou três rimas de achas, acolá um tronco de laranjeiras partido, uma
mó de moinho, dois carros desaparelhados, dornas, arados, pipas, canastras,
escadas de mão, e várias outros utensílios de lavoura e de uso doméstico”.
Na cozinha
”longos espreguiceiros ao longo das
paredes, no alto prateleiros pejados de louça nacional, de panelas e
alguidares; nas traves os cabos de cebolas, no fumeiro a bem corada pá de
presunto; o amplo forno vomitava labaredas pela boca escancarada e a cada
instante engolia as novas e enormes doses de lenha que lhe ministravam; na
masseira fumegava já da farinha ainda não levedada para a fornada da semana; e
nela os braços valentes e roliços de duas frescas moças do campo enterravam-se
até aos cotovelos” Segue-se a fórmula típica do pão que se leva a cozer:
“S. Vicente te acrescente
S. Mamede te levede”
No
capítulo XIII, Júlio Dinis descreve um caminho que bem poderia localizar-se
numa qualquer aldeia, no verão, porque não em Fânzeres:
“A companhia foi seguindo os acidentados
caminhos da aldeia, cantando, saltando, pondo em confusão as lavadeiras moças
que ensaboavam nas presas, abraçando à força na estrada as raparigas que,
vergadas sob molhos de erva ou de milho cortado, mal lhes podiam fugir;
visitando todas as tabernas, fazendo correrias a galinhas, porcos ou vacas que
se lhes deparavam na passagem, calcando campos e escalando muros co o
desassombro de senhores.”
No
capítulo XIV, fala-nos do brasão enegrecido dum solar arruinado.
Na
verdade, neste solar onde vivia Joaquim Araújo de Rangel, alferes, fidalgo da
Casa Real, vereador da Câmara do Porto dotado de um notável espírito poético,
mas ideal conservador, Miguelista, está presente na assinatura da Convenção de Évora-Monte.
A quinta de Montezelo está, na verdade, nesta altura, a precisar de
remodelações, que não são regateadas, mas feitas com recurso a hipotecas e
outras operações bancárias.[v]
“Os
Fidalgos da casa Mourisca” refletem as lutas entre liberais regeneradores e
outras forças conservadoras. Aí, Fr. Januário é um administrador que amaldiçoa
as mudanças. O abade Pinto do Outeiro
desconfia da política moderna.
No
romance, da janela do solar via-se luz na janela do agricultor Tomé. Na verdade,
na altura, em que Júlio Dinis esteve em Fânzeres, existia uma casa de lavoura
de António Sousa Neves, que com cerca de 37 anos, que com espírito
empreendedor, emparcela veigas, alarga caminhos, compra terrenos para uma
escola, faz prosperar as três casas de lavoura que possui,
Este
confronto que esteve patente em Fânzeres nesse e noutros tempos, pode muito bem
ter inspirado o autor de “Os Fidalgos da Casa Mourisca”.
Uma coisa
é certa, Júlio Dinis esteve em Fânzeres entre Julho e Agosto de 1869 a convite
do seu amigo, padre Pinto do Outeiro.
Como
alguém se lembrou de o nomear como patrono da primeira escola do Ciclo
Preparatório do ensino Secundário de Gondomar, é justo que a escola que lhe deu
continuação a Escola Básica de Gondomar retome o seu nome homenageando um autor
que soube descrever a realidade do seu tempo tão cheio de contradições, como
aliás o nosso, e neste sentido tão atual.
[i]
Costa, António D. S., O Mosteiro de S. Salvador da Vila de Grijó, Grijó, Ed.
Fábrica da Igreja de Grijó, 1993, pp. 221-224
[ii]
A.D.P., doc 498 do Cabido da Sé do Porto, K/26/2/4, cx.60
[iii]
Gesta, Serafim, Inventário da Igreja de
Gondomr, p. 8
[iv]
D´Armada Fina, Monografia da Vila de Fânzeres, Junta de Freguesia de Fânzeres,
2005,p p. 30 e 31 e 427-428
[v]
A.C. G., L. 20. T. 174, ff. 371 a 375, 1864, in Gomes, Maria de Fátima Isidro
Martins, Temendo a Morte, Alguns aspectos da vida em Gondomar, 1834-1893.
Freguesias de Fânzeres, S. Cosme, S. Pedro da Cova, Rio Tinto e Valbom, Porto,
FlUP, 1996, p.71