Nas
comemorações do Tricentenário da morte de Camões e a publicar no Diário de Notícias a 10 de junho de 1880,
uma carta do próprio Camões na qual declara: “d’ante mão vos pago com novas
d’esta, que não serão más no fundo de uma arca para aviso de alguns
aventureiros que cuidam que todo o mato é oregãos e não sabem que cá e lá más
fadas ha.” E prossegue referindo-se a “essa terra” da qual partiu “como quem o
fazia para o outro mundo”, deixando para trás “quantas esperanças”, que se
revelaram enganadoras, e um quadro em que “não ficasse pedra sobre pedra”, já
se patenteia todo o clima de descontentamento contra a Monarquia.
O
descontentamento exacerba-se face à resposta dada ao Ultimatum Inglês, em 1890,
que leva os Republicanos a cobrirem de
luto a estátua de Camões.
No Porto, o clima revolucionário congrega-se na Liga Patriótica do
Norte, fundada a 26 de janeiro de 1890, logo a seguir ao
ultimato. Presidida - a convite do monárquico Luís de Magalhães - pelo poeta
socialista Antero de Quental, então radicado em Vila do Conde, a
LPN reunia monárquicos e republicanos, irmanados no repúdio ao ultraje
inglês e na ambição de recuperação de um país mergulhado em grave crise
política, económica e social.
Proclama Antero:
“Portugal expia com a amargura deste momento de humilhação e ansiedade de quarenta
anos de egoísmo, de imprevidência e de relaxamento dos costumes políticos,
quarenta anos de paz profunda que uma sorte raríssima nos concedeu e que só
soubemos malbaratar na intriga, na vaidade, no gozo material, em vez de os
aproveitar no trabalho, na reforma das instituições e no progresso das ideias".
Um ano depois,
planeia-se, mesmo, uma rebelião. O directório do Partido Republicano Português,
liderado por Elias Garcia, mostrara-se favorável à preparação de um movimento
insurrecional.
Entretanto,
no Porto, quando chega a ordem de transferência de alguns oficiais e sargentos,
precipita-se a vontade de insurreição quase generalizada. O capitão António
Amaral Leitão, foi o líder deste levantamento. Outros nomes ligados a este
levantamento foram: Sampaio Bruno, João Chagas, Basílio Teles, Aurélio Pais dos
Reis e o alferes Rodolfo Malheiro. Cerca das três e meia da madrugada de 31 de
janeiro, o Batalhão de Caçadores 9, comandado por oficiais de baixa patente,
posicionou-se junto do Regimento de Infantaria 18, no Campo de Santo Ovídio
(atual Praça da República). Já que o coronel Meneses de Lencastre, comandante
de Infantaria 18, partidário da revolta, mas sentindo a precipitação dos
acontecimentos, decidiu manter-se neutral e não deixar sair os seus homens. O
Alferes o Malheiro assumiu o comando.
O
Regimento de Infantaria 10 e uma Companhia da Guarda Fiscal, sob o comando do
tenente Coelho posicionaram-se junto da Cadeia da Relação.
Às seis
horas, os cerca de 800 amotinados desceram a Rua do Almada e tomaram posições
na Praça de D. Pedro, (atual Praça da Liberdade) em frente do antigo edifício
da Câmara Municipal. O ator Carlos Verdial leu o discurso escrito pelo Dr.
Alves Veiga, responsável civil do movimento, proclamando a República em nome do
Governo Provisório elencando os nomes que o compunham. A bandeira foi hasteada,
às sete da manhã, depois de Alves da Veiga ter pedido que fossem buscar a do
Centro Democrático Federal 15 de Novembro, uma bandeira verde e vermelha, que
aludia à implantação da República no Brasil em 1889.
Houve
foguetes e a fanfarra militar tocou A
Portuguesa.
Proclamação da República. Texto lido por Carlos Verdial
Bandeira utilizada pelos revolucionários do 31 de janeiro que pertencia ao Centro Democrático Federal 15 de novembro.
Edifício do Centro Democrático Federal 15 de novembro, na Praça dos Poveiros, hoje
Praça dos Poveiros, hoje
Entusiasmada,
a multidão subiu a Rua de Santo António (hoje 31 de Janeiro), tencionando tomar
a estação dos Correios e Telégrafos, situada na Praça da Batalha. Não contava com
a Guarda Municipal, junto ao escadório da
Igreja de Santo Ildefonso, que abriu fogo de metralhadora sobre a multidão,
causando vítimas entre os militares e os civis.
Rua de Santo António
Os
revoltosos que tentaram voltar pelas ruas laterais à praça de D. Pedro, sofreram,
aí, com a bateria de artilharia da Serra do Pilar que disparava sobre o
edifício dos Paços do Concelho. Morreram 12 pessoas e cerca de 40 ficaram
feridas.
Às nove
da manhã, o movimento estava derrotado e os seus responsáveis em fuga. Os
julgamentos processaram-se em navios da Armada, fundeados ao largo de Leixões.
Mais de cinco centenas de militares e numerosos civis compareceram a Conselho
de Guerra. Houve duas centenas de condenações, com penas que oscilaram entre os
18 meses e os 15 anos de prisão.
Embora
fracassado no plano militar, o movimento de 31 de Janeiro é tido como a grande
semente da vencedora revolução republicana de 5 de outubro de 1910.
A revolução foi gorada porque, como
explica Gaspar Martins Pereira em Da Liga
Patriótica do Norte ao 31 de Janeiro e já Sampaio Bruno admitira, algum tempo depois da revolta, no Manifesto
dos Emigrados do 31 de Janeiro, devido a imprevisibilidade de aspetos
fortuitos, de cobardias e de traições. Teria havido, também, a indiscrição e
falta de tato político de Santos Cardoso, director do Jornal A Justiça Portuguesa, encarregado da ligação
aos militares. Também poderia ser equacionada a posição do Diretório
Republicano e a falta de solidariedade ativa da Maçonaria. Por último, foram
cometidos muitos os erros táticos numa operação militar, muito precipitada e
sem a necessária planificação.
Alves da Veiga e Basílio Teles eram,
aliás, contrários à antecipação da revolta e tentaram, sem êxito, adiá-la. Por
outro lado, as divergências no seio do Partido Republicano, aliadas a questões
pessoais, como as existentes entre Homem Cristo e Santos Cardoso, diminuíram a
base de apoio e probabilidades de êxito do levantamento militar.
Contudo, muitos confiavam na vitória
portuense.
Cerca de dois meses antes do 31 de
Janeiro, Teófilo Braga escrevia a Santos Cardoso, invocando a Revolução Liberal
de 1820, mostrava-se convicto de que a revolução republicana também iria
triunfar no Porto. "Se
estivermos à espera do levantamento de Lisboa - dizia o futuro primeiro
chefe de um governo republicano - nunca ele virá, porque esta gente aqui é
timorata e cheia de conveniências, tem medo da polícia, da guarda municipal
(...) além disso, os dirigentes são elementos velhos que tudo empatam. A
revolução do Porto é que pode acordar esta gente...".
Para Antero de Quental que após o do 31 de
Janeiro regressa aos Açores, suicidando-se em setembro, 1891 - o maior inimigo
não era o inglês: " Somos
nós mesmo, e só um falso patriotismo, falso e criminosamente vaidoso, pode
afirmar o contrário. Declamar contra a Inglaterra é fácil: emendar os defeitos
da nossa vida nacional será mais difícil (...) Portugal, ou se reformará,
política, intelectual e moralmente, ou deixará de existir. Mas a reforma, para
ser efetiva e fecunda, deve partir de dentro, do mais fundo do nosso ser coletivo:
deve ser antes de tudo uma reforma dos sentimentos e dos costumes. Enganam-se
os que julgam garantir o futuro e assegurar a nacionalidade com meios
exteriores e materiais, com armamentos e alarde de força militar ".
Numa reflexão que nos
traz ao presente, Guerra Junqueiro desafia-nos "A revolução impõe-se.
Hoje, quem diz pátria, diz república. Não uma república doutrinária, estupidamente jacobina,
mas uma república larga, franca, nacional, onde caibam todos."
Fontes:
http://aviagemdosargonautas.net/2012/01/31/diario-de-bordo-de-31-de-janeiro-de-2012/
https://picasaweb.google.com/franciscodeparanhos/PasseiosDeOutono2010CentrosRepublica nosLocaisDeConspiracaoEHomenagemAosHerois#5521343743391196914
https://picasaweb.google.com/franciscodeparanhos/PasseiosDaPrimavera20104#5475702442123880306