Eu vejo-te lá longe a fazer
flores de papel e a organizar “Enterros de merendas”, recheados de teatro e
poesia. Relembro a tua aflição porque eu não comia nada além dos bolinhos de
festa, do caldo verde e do queijo. Quantas vezes me levaste me levaram ao
médico e por não haver resolução, na pá,
dentro do forno para talhar o ougado, passaram por cima de mim, me barraram de
carvão para talhar as bichas! No entanto, as linhas, os pontos, a tesoura e os
livros foram sempre o meu mundo e eu misturava-me com as crianças a quem
ensinavas para aprender. De comida, só lembro
a regueifa com queijo, na serra aonde nos levavas para me abrir o
apetite. Olha se eu hoje precisaria disso!
Tive tanto orgulho em ti
quando aflita, no exame da minha 4ª classe, a professora examinadora pegou numa
flor que tinhas feito para enfeitar o tinteiro e a levou ao nariz para cheirar!
Sei que me protegias como a
um ser de porcelana frágil o que enciumava o meu irmão, robusto, a comer este mundo e o
outro e a asneirar, fugindo de seguida para dentro do poço, sem água e com uma
escadinhas por dentro, levando a minha mãe a afligir-se porque temia perdê-lo.
Soubeste-me a pouco porque
devido à tua doença tiveste que ir para Lisboa, que naquela altura ficava muito
mais longe do que hoje, para te tratar e nós, os teus filhos tivemos que ficar
sem ti, temporariamente. Voltaste e foi a alegria plena que culminou na nossa
profissão de fé!
Apesar de rezarmos todos os dias o terço,
altura em que te punha perguntas incómodas que evitavas responder, e eu ser tão
religiosa que até a Nossa Senhora cheguei a ver no quintal, num buraco da
parede, aquele momento em comum parecia o ideal para me satisfazeres a
curiosidade!
Por fim, vem aquela
madrugada. “A tua mãe quer-se despedir de ti!” E eu com um vestidinho azul
marinho com gola branca lá fui, sem querer despedir-me dela!
Mãe!