domingo, 19 de novembro de 2017

Mãe

Eu vejo-te lá longe a fazer flores de papel e a organizar “Enterros de merendas”, recheados de teatro e poesia. Relembro a tua aflição porque eu não comia nada além dos bolinhos de festa, do caldo verde e do queijo. Quantas vezes me levaste me levaram ao médico e por não haver resolução,  na pá, dentro do forno para talhar o ougado, passaram por cima de mim, me barraram de carvão para talhar as bichas! No entanto, as linhas, os pontos, a tesoura e os livros foram sempre o meu mundo e eu misturava-me com as crianças a quem ensinavas para aprender. De comida, só lembro  a regueifa com queijo, na serra aonde nos levavas para me abrir o apetite. Olha se eu hoje precisaria disso!
Tive tanto orgulho em ti quando aflita, no exame da minha 4ª classe, a professora examinadora pegou numa flor que tinhas feito para enfeitar o tinteiro e a levou ao nariz para cheirar!
Sei que me protegias como a um ser de porcelana frágil o que enciumava o  meu irmão, robusto, a comer este mundo e o outro e a asneirar, fugindo de seguida para dentro do poço, sem água e com uma escadinhas por dentro, levando a minha mãe a afligir-se porque temia perdê-lo.
Soubeste-me a pouco porque devido à tua doença tiveste que ir para Lisboa, que naquela altura ficava muito mais longe do que hoje, para te tratar e nós, os teus filhos tivemos que ficar sem ti, temporariamente. Voltaste e foi a alegria plena que culminou na nossa profissão de fé!
 Apesar de rezarmos todos os dias o terço, altura em que te punha perguntas incómodas que evitavas responder, e eu ser tão religiosa que até a Nossa Senhora cheguei a ver no quintal, num buraco da parede, aquele momento em comum parecia o ideal para me satisfazeres a curiosidade!
Por fim, vem aquela madrugada. “A tua mãe quer-se despedir de ti!” E eu com um vestidinho azul marinho com gola branca lá fui, sem querer despedir-me dela!

Mãe!