As polémicas ultimamente sentidas na sociedade
portuguesa sobre colonialismo e patriotismo, levaram-me a uma ponderada
reflexão, no que se prende à definição de história como “forma de bem pôr os
problemas do presente, pela reflexão do passado, tendo em vista a construção do
futuro” que, se a memória não me engana, foi pronunciada por José Mattoso.
Também Rioux argumenta que refletir
historicamente sobre o presente é fundamental no sentido de ajudar as gerações
que crescem a “combater a atemporalidade contemporânea”, avaliar as informações
(originais, sonoras e imagens) produzidas pela mídia, aprender a relativizar o
“hino à novidade e se desfazer do imediatismo vivido que aprisiona a
consciência histórica”:
Neste sentido, recuando no tempo, lembro Pierre
Chaunu e o grande salto que foi para o mundo a passagem de um mundo que era
considerado em “migalhas” a um mundo “globalizado”, afinal que se deu a
conhecer, naturalmente, para a altura, de um ponto de vista europocêntrico.
Não sou especialista no assunto, no entanto, é evidente a transformação
trazida ao mundo pela aventura da expansão marítima, obra de grandes homens,
dignos de louvor pela sua coragem de ousar ir além do horizonte. Essa coragem
está justamente homenageada em múltiplos monumentos que são marcos da nossa
história e assim devem continuar.
Descobrimos mundos, exploramos mundos, que no
sentir do tempo se chamava civilizar, a quem deixava, porque no Japão apanhamos
fama de “bárbaros” e apenas quiseram os nossos conhecimentos astronómicos e as
espingardas.
O tempo flui em mudança!
Hoje encher-nos-ia de horror ver o grande
Infante D. Henrique a dividir homens e mulheres, entre os primeiros escravos que
lhe foram trazidos do outro lado do mar..
O processo de partilha dos escravos foi
relatado por Gomes Eanes de Zurara na sua Crónica da Guiné: «Mas qual seria o
coração, mais duro que ser pudesse, que não fosse pungido de piedoso
sentimento, vendo assim aquela companha? Que uns tinham as caras baixas e os
rostos lavados em lágrimas, olhando uns contra os outros; outros estavam
gemendo mui dorosamente, esguardando a altura dos céus, firmando os olhos em
eles, bradando altamente, como se pedissem socorro ao Padre da Natureza; outros
feriam o rosto com suas palmas, lançando-se estendidos no meio do chão; outros
faziam lamentações em maneira de canto, segundo o costume de sua terra [...].
Mas para ser dó mais acrescentado, sobrevieram aqueles que tinham carregado da
partilha e começaram de os apartar uns dos outros, a fim de porem os seus
quinhões em igualeza; onde convinha de necessidade apartavam os filhos dos
padres e as mulheres dos maridos e os irmãos uns dos outros. A amigos nem a
parentes se guardava nenhuma lei, somente cada um caía onde a sorte o levava!».
O Infante D. Henrique estava «em cima dum poderoso cavalo, acompanhado de suas
gentes», e levou o quinto que lhe tinha sido destacado, correspondente a «46
almas».
Mas como diz a canção, atrás de tempos, tempos
vêm.
Praticamos a escravatura, que fez crescer o
comércios, uma economia, que no dizer de Vitorino Magalhães Godinho foi de
transporte, não nos enriqueceu, porque não desenvolvemos a política de fixação
à terra pela agricultura e artesanato. Mais tarde, os Ingleses, Franceses e
Holandeses haveriam de aproveitar a brecha do Império mal gerido por
portugueses e espanhóis e tomarem eles a rédea do negócio. Todavia, depois de
terem dado cartas na conferência de Berlim, em 1885, e terem ficado cada um com
o seu quinhão de África, a primeira guerra mundial sangrou de forma significativa
estes povos colonizadores de forma a comprometer o seu domínio efetivo, nas
regiões colonizadas.
O tempo passa, até que depois da 2ª guerra
mundial, a ONU, chama a atenção para os princípios humanitários da
descolonização, da necessidade de dar o
seu a seu dono, é evidente, depois dos dominadores terem sido pressionados por
múltiplos movimentos independentistas. Portugal foi dos últimos países a
conceder a sua independência às colónias E em época de fascismo e nazismo,
Portugal tivera o ”seu império”, não precisara de conquistar nada. “Portugal
não é um país pequeno”, era assim que as crianças eram educadas na escola e
aprendiam até, os rios, as serras as linhas de caminhos de ferro de Portugal
continental e das colónias.
A maior parte dos portugueses venera o
fundador de Portugal, D. Afonso Henriques, mas ele lutou contra a mãe que
defendia interesses diferentes . Foi por uma boa razão, pensamos nós e não
vamos pôr isso em causa. Sem aprofundar, creio que teríamos que questionar toda
a História de Portugal e a História do mundo.
Costumo dizer aos meus alunos que a guerra
começou quando houve um homem que teve mais alguma coisa do que o outro, o
fogo, a agricultura e por aí fora.
É a natureza
humana!
Por este andar, é evidente que não faz
sentido destruir estátuas, obras de arte, documentos de um dado período, ou
melhor, antes pelo contrário, são marcos dos seres humanos que somos.
Estudemos os mitos gregos e vejamos como as histórias mitológicas são fantásticas,
amalgamando, no mesmo ser, o bem e o mal, imagem e semelhança do deus Zeus.
A Guerra colonial?
Os portugueses à semelhança, de outros povos
queriam ter um império ser tão grandes quanto os inglese e franceses, por que
não? Os outros arranjaram forma de colonizar de forma mais camuflada, os
Portugueses não o fizeram. Todos. obrigaram à mudança de costumes, dominaram, é
verdade.
Estourou a guerra nas colónias e Portugal não
estava preparado. Em plena guerra fria, lá havia o confronto entre soviéticos,
maoístas, cubanos, escandinavos e americanos.
Cá o povo português não sabia nada disso,
mas se pudesse ter um padrinho que o livrasse da guerra, por ter um pé chato,
ou por ser o único sustento da família sempre era melhor!
Os demais mancebos tinham que ir. Havia quem
dissesse que era para ser homens e eles lá iam, as senhoras gentis do Movimento
Nacional Feminino arranjavam-lhes cigarros e uma madrinha de guerra, para dar
ânimo , com a qual, às vezes, até namoravam e casavam, e a malta lá ia, coração
apertado, alguns convictos de que iam defendem a grandeza de Portugal, outros
porque assim tinha que ser –“ lutar ou morrer, naquele inferno”, como diz a
canção dos Delfins.
Houve quem fugisse a salto, com algum
dinheiro ou sem ele, fosse tentar a sorte noutro local, como a França.
Outros lá iam e destilavam a sua revolta em canções como as que estão compilados no álbum
“Cancões do Niassa”, canções que falam da vida dos soldados, da saudade da
terra, ou criticam de forma dissimulada ou direta, a própria guerra. Outros
ainda desertavam.
No entanto, havia quem lutasse e cantasse convictamente: “Angola é nossa!”
A verdade é que, naquela altura, ceder ou
seja negociar, estava fora de causa.
Centrando-nos um pouco na Guiné, quando lá se inicia a guerra, Portugal
tem apenas a supremacia dos aviões que eram fornecidos pelos Estados Unidos. A preparação dos militares era deficiente, não
adaptada ao terreno e os independentistas conheciam bem a região.
Guerrilha feia, morte de civis, velhos e
crianças existiram dos dois lados e em toda a parte. Ações de comandos (com
preparação especial), tipo Rambo, como as que integrava Marcelino da Mata, a quem prefiro chamar
campeão de ações bélicas a herói,
existiam em ambos os lados. Ações ilegais, condenadas pela ONU, como a operação
“Mar Verde”, também.
O PAICG, com o apoio do Senegal, ainda tentou
negociar, quando, Salazar dá lugar a Marcelo Caetano e existe uma operação de
charme à qual se chamou Primavera Marcelista. Talvez, Américo Tomás, os
ministros de Salazar tivessem mais força do que o verdadeiro sentir do novo
presidente do Conselho designado. A verdade, é que as colónias passam a províncias,
é designado, para Governador da Guiné, o General Spínola que insiste na
política de cativação da população, através de cuidados de educação e saúde, e
tenta mesmo o plano negocial, chegando a escrever “Portugal e o Futuro”, obra
na qual defende uma solução diplomática para a Guiné (cuja guerra estava
perdida). O pior é que existiam outras colónias e dessas, o governo português
não queria, mesmo, abrir mão de todo.
Com a perceção de perda e de crescente oposição ao regime, Spínola
dirige-se a 6 de Agosto a Marcelo Caetano: a anunciar que não regressará à
Guiné. Caetano que perde um dos seus
melhores cabos-de-guerra, nomeia para
novo comandante da Guiné o general Bettencourt Rodrigues, com a missão:
“Resistir até à exaustão de meios”.
Pouco depois, a 24 de Setembro, o PAIGC proclama unilateralmente a
independência, que é a 2 de Novembro
reconhecida pela Assembleia Geral da
ONU.
Dando-se conta do descontentamento reinante entre os capitães, o marcelismo ainda opera uma subida
considerável do seu vencimento, reúne a 22 de fevereiro, com Spínola e Costa
Gomes, convidando-os a tomar o poder, o que é rejeitado. O próprio Marcelo Caetano pedirá a demissão a
Américo Tomás, algum tempo depois, que
não a aceita.
O Movimento dos Capitães descontentes com as condições em que
combatiam e/ou imbuídos do sentimento de uma guerra injustiça, tentaram dois
golpes militares, tendo sido o segundo vitorioso.
Na verdade, Spínola e Costa Gomes tomarão,
meses depois, o poder, mas ao lado deste movimento.
Este descontentamento com a guerra colonial
tornou urgente a necessidade da Revolução do 25 de abril.
Todavia, à semelhança do que acontecerá,
noutras províncias, após o 25 de abril, o PAIGC provoca grande instabilidade em
Bissau, criando um clima de insegurança
entre os portugueses militares e civis lá residentes.
Entretanto, Marcelino da Mata que foi convencido
a vir para Portugal, acabou na época mais aguerrida da
revolução, preso e torturado, no Ralis, numa
época de excessos revolucionários, considerava, tal como Spínola: “devia ter
havido um período de autodeterminação de 15 anos, durante o qual se formariam
quadros civis e militares em Portugal, dentro de uma federação de países.
Depois poder-se-ia caminhar para a independência, mas no quadro de uma
comunidade semelhante à que o Reino Unido mantém com as suas ex-colónias”. (
Jorge Alves: 2019)
No entanto, a sua natureza era de
guerrilheiro, por sido fará, ainda um serviço de formação de tropas, veja-se lá
as voltas que a vida dá, ao serviço do MPLA, em Angola, mas posto em causa
pelos soviéticos, acaba por regressar a Portugal.
Muito complicada a história em geral e então
a História recente?
Saldo
do guerra:
10 mil mortos, 35 mil feridos, 25 mil deficientes, e 200 mil vítimas de stress de guerra.
Tinham chegado, portanto, tinham tido muito
mais sorte do que quem tinha ficado amalgamado a uma árvore por força do
Napalm, virado tripas por força das
minas, ou morrido, depois de um longo sofrimento, no hospital.
Um monumento a estes homens que não recusaram
ir à guerra? A natureza humana é muito variada. Ir, “lutar ou morrer”, como
repete a canção dos Delfins, voltar, quando havia sempre a possibilidade, “ o
soldadinho não volta do outro lado do mar! Para mim é justo, um monumento de
dor, de agradecimento a quem sacrificou a sua juventude numa luta que muitos não
compreendiam a razão, mas, mais do que
isso, tratar as suas dores, com compreensão e tolerância e seguir em frente num
movimento de fraterna solidariedade entre todos os povos, com destaque para os
PALOP.
Fontes:
Afonso
Aniceto, Gomes, Matos, Carlos ( 2001) Guerra Colonial, Editorial Notícias,
Lisboa
Antunes, José
Freire, A guerra de África, 1961-1974, 2vols ( 1995), Círculo de
Leitores
Cardina, Miguel, (24de fevereiro de 2001) Guerra colonial: um passado que não passa?, Publico.
Jorge, Alves, (2019) Marcelino da Mata, inédito
Marc Ferro em
Comment on raconte l’histoire aux
enfants à travers le monde entier, ( 1981), Paris, Payot
Melo, João, Os
anos da Guerra- 1961-1975. 2 vols. (1988) D. Quichote
Rioux, J.P.
(1999). Pode-se fazer uma história do presente? Em A. Chauveau, A.
& P. Tétart (Orgs.). Questões para a história do presente. (I.S. Cohen,
Trad.). Bauru, SP: EDUSC.
Vieira,
Joaquim, Portugal no século XX – Crónica em imagens (1960-1970), Círculo de
Leiitores, 2000
Vieira,
Joaquim, Portugal no século XX – Crónica em imagens (1970-1980), Círculo de
Leiitores, 2000
Debates
televisivos entre Fernando Rosas, Pacheco Pereira e outros. (2021)