Na altura em que havia
roupa de domingo e roupa de semana, a minha Professora Primária costumava
anunciar que em determinado dia aprazado, ia visitar-nos à escola uma Senhora,
e por isso, devíamos ir com a roupa domingueira e alegre. A minha mãe, no tempo
em que o podia fazer, em conivência com a professora, moldava flores de papel
tão belas que pareciam reais para serem espetadas nos tinteiros. A sala
transformava-se num campo de hidranjas, cravos, rosas artificiais mas
artísticas e nós que tínhamos uma escola severa, aproveitávamos aquela aberta
para receber a Senhora Prima Vera!
segunda-feira, 20 de março de 2017
quarta-feira, 8 de março de 2017
Mulheres lutadoras em Gondomar
Como o dia da Mulher tem na
sua origem a luta das mulheres pela diminuição da jornada de trabalho,
lembrei-me que Gondomar conta com algumas mulheres que lutaram como verdadeiras
cidadãs que eram, apesar de não lhes ser reconhecida a cidadania. Pesquisei
algumas com ideais republicanos ou que viveram no período da 1ª República.
Luisa Rosa de Oliveira, de Valbom, em janeiro
de 1888, tinha apelado num comício para que fosse revogado o decreto-lei de julho
do ano anterior que impunha a cobrança de impostos, dentro da cidade do Porto, dando
origem aos mais calorosos protestos de mulheres de Valbom e de outras
localidades.
O Jornal de Notícias, em
cinco de abril de 1899, noticia grande motim no enterro civil de Luisa Rosa de
Oliveira, de Valbom, que era mãe do propagandista
das ideias sociais, António de Oliveira. Populares arremessando pedras tentaram
impedir a saída do cortejo para o Cemitério do Prado do Repouso. Luísa Rosa
estava ligada à Associação Propagadora da Lei do Registo Civil e desta forma o
seu funeral constitui um cortejo cívico de propagação dos ideais sociais a que
a defunta se tinha dedicado.
Em S. Cosme, a professora
regente, da escola do Souto, durante o período da Traulitana (monarquia do
norte) é obrigada a restituir a bandeira que tinha guardado em casa, o que a
professora se recusa pelo que é convidada a tirar férias forçadas. Creio que se
trata de Dona Emília Augusta Lopes d´Araújo que faz parte da comissão de
recenseamento das crianças em idade escolar em 1918, mas, ainda, não encontrei
o seu processo.
Como chama a atenção Fina
d´Armada, em “Republicanas quase desconhecidas”, obra na qual tive um humilde
contributo, as professoras tinham um papel importante na divulgação de ideais
republicanos. O mesmo pode ser dito na divulgação de ideais de democracia,
muito mais abrangentes.
Com efeito, em 1910, as
mulheres não tinham direitos políticos, não se podiam filiar em partidos ou
associações sem prévia autorização dos maridos. Várias sociedades recreativas e
culturais punham, mesmo, restrição às mulheres, embora as deixassem participar
nas comissões de festas e corpo cénico.
Por exemplo, a Escola
Dramática de Valbom possuía uma comissão de senhoras para a realização de
festas ou movimentos de carácter altruísta. D. Maria da Glória Barreto Costa,
esposa do médico, denominado “João Semana de Valbom” pela sua bondade e
dedicação, cognominada “avozinha da escola Dramática”, presidiu, várias vezes a
essas comissões.
O Clube Gondomarense
integrava após a república, republicanos de elevada instrução e intervenientes
na política local, que procuravam cumprir a divisa do seu estandarte “Fiat
Lux”, ou seja uma busca de luz e conhecimento, vinda da antiga filosofia
iluminista liberal. Possuía um corpo cénico que procurava cumprir o tema da
conferência proferida naquele clube por Camilo de Oliveira: “ O Teatro e a
Escola como Fontes de Civilização”. Dele faziam parte senhoras como D.
Leopoldina Ramos Cardoso, D. Margarida Dias e D. Albertina Pereira.
Durante a 1ª Grande Guerra,
sobretudo mães e namoradas ao temerem e expressarem de forma mais evidente o
seu sentimento de receio, dor e saudade, aderem à Cruzada das mulheres
portuguesas, presidida por Elzira Dantas Machado a fim de dar assistência aos
soldados portugueses que estavam na guerra e aos seus familiares.
A 1ª República não satisfez o
sonho das mulheres como não satisfez outros sonhos e por isso se perdeu.
De qualquer forma, a mulher,
em Gondomar, tal como noutros locais, teve oportunidade de lutar por um ideal,
praticar a intervenção cívica e aprender a tolerância.
Em 2010, Fânzeres homenageou
as mulheres republicanas com uma placa. Usando as palavras de Fina d´ Armada:”
no fundo é plantar a República, que significa plantar a Democracia, a qual
exige perpetuamente ser replantada e regada por ideais de esperança.”
Já agora, aproveito a
oportunidade, para homenagear Fina d´Armada que elevou bem alto o farol da
igualdade, “caminho aberto, raiz da árvore da liberdade” que urge plantar cada
vez mais forte.
quarta-feira, 1 de março de 2017
O CARNAVAL E A QUARESMA - Fânzeres
Combate Caranaval-Quaresma de Bruegel
O Padre Agostinho Barbosa, reitor de Fânzeres,
em 1861, referindo não possuir bens a não ser o seu património e umas casa, na
Viela dos Gatos, no Porto, velhas e arruinadas, obriga os seus herdeiros, o
irmão padre Manuel F. Barbosa e os seus sobrinhos a uma pensão de 400 reis
gasta anualmente “ enquanto o mundo for mundo”, do seguinte modo: “um sermão
désmola de 2400 reis depois das trez horas da tarde do dia vulgo chamado de
entrudo, vespora de quarta feira de cinzas, em cujo sermão se exortem os Fiéis
a prepararem-se para uma bôa desobriga e santificação do tempo quaresmal, e que
existem os folguedos do carnaval, a que quis atender chamando nesse dia os
fieis ao santo templo para os desviar dos ditos folguedos”.
Efetivamente, nesse dia deveriam os seus
fregueses estar a deitar carrapatos, folguedos jocosos de crítica social ou a
preparar o “Enterro do João”, tradição pertencente às antigas terras da Maia,
na qual um boneco, o João, homem completo, símbolo do Carnaval, vai dar origem
a uma tremenda choradeira pelo fim da folia e início da Quaresma, inspirando as
mais variadas “deixas” críticas.
O legado do padre Agostinho ( A.C. G. A. C. L. 11. T 34,
ff. 73v a 75v) inscreve-se na determinação clerical de combate a todas as
formas de irrisão, ao mundo e aos bailes, pela defesa da ortodoxia religiosa.
No entanto, o padre Agostinho vai mais longe ao
legar, ainda: “1200 reis anuais a 12 pobres dos mais necessitados desta
freguesia a 100 reis a cada um, em o dia de Quinta feira Santa de manhã em
memória do Lavapedes e paixão de nosso Senhor Jesus Cristo, mais 400 rs para
uma missa resada celebrada pelo parocho desta freguesia, ou por quem quizer, aplicada
por minha alma e de todos os seus parentes em o dia de Entrudo”. Este legado
devis ser vigiado pela Santa Casa da Misericórdia do Porto a quem, também,
institui herdeira.
A esta doação, acrescenta o irmão Manuel Ferreira
Barbosa, no seu testamento de 1870, a Exposição do Senhor, desde as 9 horas até
ao sermão da tarde, pelo que solicita ao pároco da freguesia, a confirmação das
indulgências concedidas pelos sumos pontífices “tal dia de tentação carnal, aos
fieis visitantes procurando a casa do Senhor e fugindo aos divertimentos
mundanos” ( A.C. G. A. C.
L. 25. T 59, ff. 7394v a 103v).
Esta prática que pretende afastar a alma dos
seus inimigos, desviando os indivíduos da festa carnavalesca, inscreve nitidamente nas propostas pós-tridentinas
e que mantém, ao que parece, todo o seu vigor, ainda, no século XIX.
Com o mesmo objetivo, o padre António Pinto do
Outeiro deixa um legado composto de inscrições, para que, dos juros se fizesse
face à despesa dos Lausperes e missa, a realizar, pelas “Almas em geral do fogo
do Porgatório” (A.J.F.F.
Actas da Junta da Paróquia de Fânzeres, sessão de 17.09.76, L2, f.42)
Etiquetas:
Carnaval-Quaresma,
Fânzeres; Agostinho Ferreira Barbosa; Manuel Ferreira Barbosa; António Pinto do Outeiro
Subscrever:
Mensagens (Atom)