Valboeiro, Museu de Penafiel
No Museu de Penafiel, a área dos Ofícios inclui um valboeiro, por isso lembrei-me que aquele podia ser o museu das gentes de Gondomar que tanto mereciam tê-lo.
Há uns anos, o Zé Pedro quis concorrer a um concurso de um conto sobre o futuro e fê-lo a partir de uma realidade que conhecia: os amigos e Valbom. Imaginou, aí, um museu. É evidente que neste capítulo tive que lhe dar uma ajuda. As ideias surgiam e completavam-se. Qual era minha, qual a dele?
Um extrato do resultado aqui está. Se não venceu o concurso que pretendia coisas mais literárias venceu a aposta de escrever e pensar, mesmo tendo orientação para tal.
(…) Entraram e viram uma placa que dizia “ dia de entrada livre ”. Logo a seguir um recepcionista entregou – lhes bilhetes.
- Mas isto é o quê? – questionou o Vasco.
Então olharam para os bilhetes que diziam “Museu da Pesca de Valbom”.
- Mas isto não estava aqui antes! – exclamou o Rui.
- Bem, vamos ver o que tem – sugeriu o Afonso
À direita estava localizada uma sala que contava a história da pesca em Valbom num filme a 3 dimensões. Os três rapazes sentiram-se realmente actores.
Aí, ficaram a saber que o concelho de Gondomar, junto do Porto tem estado ligado, desde épocas longínquas ao rio Douro. É que este banha as freguesias de Valbom, Jovim, Foz do Sousa, Medas, Melres e Lomba.
Segundo o geógrafo grego Estrabão, já o seu povo navegava no rio Douro, mas foi na Idade Média e Moderna que a vida económica se intensificou.
Com efeito, o Foral de Gondomar, dado por D. Manuel faz referência à importância deste rio, quer a nível da pesca quer da comunicação.
No século XIX, Valbom tem frotas de pescadores de costa e de alto mar, mas no século XX, a pesca decai, devido à construção da barragem de Crestuma- Lever e à falta de regra. Só no século XXI, por volta de 2050, é que a pesca se reabilitou devido a importantes obras de requalificação do rio.
Com efeito, o Foral de Gondomar, dado por D. Manuel faz referência à importância deste rio, quer a nível da pesca quer da comunicação.
No século XIX, Valbom tem frotas de pescadores de costa e de alto mar, mas no século XX, a pesca decai, devido à construção da barragem de Crestuma- Lever e à falta de regra. Só no século XXI, por volta de 2050, é que a pesca se reabilitou devido a importantes obras de requalificação do rio.
- Como, que data é que ele disse? – perguntou o Vasco.
Não obteve resposta porque um locutor continuava a informar:
- A importância da pesca, nesta região, é conhecida já desde o tempo dos Fenícios que comercializavam o peixe salgado e dos Romanos, que a partir do séc. I I , faziam da conserva de peixe, chamada garum, a delícia dos seus banquetes . Na Idade Média, legislou-se sobre a cobrança de impostos sobre o pescado, o que aliás aparece no foral de Gondomar. Só em 1843, vão ser substituídos todos estes impostos de pesca devidos aos senhores por um outro, pago ao Estado.
A preocupação de regrar a pesca, do ponto de vista ecológico, vai, também, ser constante. Por exemplo, os "Acórdãos da Câmara do Porto" de 1560 e 1561 estabelecem o tipo de malhas permitidas e proíbem certas redes (mossas e covãos nos meses de Março a Maio, excepto para os sáveis, bogas e tainhas e redes varredouras, tresmalhos e galritos dobrados) bem como proíbem a poluição das águas com trovisco, barbasco, coca ou cal. No entanto, a provar que as leis não eram cumpridas, um Decreto em 1886 proíbe os mesmos métodos e redes. As penas consistiam em prisão de três a trinta dias e correspondente multa.
O peixe pescado, nestas épocas era a Lampreia, Sável, Solha e Irez (eiró - espécie de enguia), como é referido no Foral de Gondomar.
No final do filme, alguns relatos falavam de naufrágios, o que não era de admirar dado a impetuosidade do rio Douro ao chegar à Foz, só quebrada pela construção dos molhes no início do século XXI.
- Fogo, isto assim nem era pesca! Repararam, século XXI? - interrogou o Vasco.
- Fogo, isto assim nem era pesca! Repararam, século XXI? - interrogou o Vasco.
Os outros encolheram os ombros e perguntaram, os dois à uma:
- Em que enrascada nos metemos?
Logo a seguir, passaram a uma zona ampla – a dos barcos.
Em lugar de destaque, estava o valboeiro, um barco de pá, com fundo estreito de tábuas sobrepostas, bordos altos e bico agressivo adaptado ao troço de rio sem acidentes.
- Eu já andei num valboeiro! – exclamou o Afonso – fiz a travessia para Avintes! Mas já não tinha só remos, possuía um motor a gasóleo.
Um filme projectado numa das paredes, em écran gigante dava explicações mais pormenorizadas sobre estes barcos. Os rapazes voltaram a sentir-se dentro da acção e também um pouco confusos.
O valboeiro era um barco de pesca usado tanto no rio como no mar - relatava uma voz - também chamado saveiro era o barco utilizado na pesca do sável e media cerca de 6,8 metros. Podia ser, todavia, utilizado, também, como barco de carga. Adoptavam um sobrecéu quando se destinavam às padeiras de Avintes ou aos passeios ao longo do rio.
O locutor continuava as suas referências ao Rabão Branco, que estava ligado ao transporte da areia, gado, lenha, carqueja, caranguejo e ao Rabão Negro, com cerca de 50/60 toneladas ou até mais, que transportava, desde 1917, o carvão das Minas do Pejão, até à fábrica de briquetes, no Esteiro de Campanha, até aos anos sessenta do século vinte - era a esquadra negra.
O Rabão tinha uma tripulação de quatro homens: um arrais com o leme a seu cargo e função de comando; o feitor que substituía o arrais na sua ausência; o cozinheiro e o marinheiro encarregado da cama onde dormiam todos.
O Barco Rabelo, também, estava exposto.
O Rabão tinha uma tripulação de quatro homens: um arrais com o leme a seu cargo e função de comando; o feitor que substituía o arrais na sua ausência; o cozinheiro e o marinheiro encarregado da cama onde dormiam todos.
O Barco Rabelo, também, estava exposto.
O Vasco aproveitou para subir a uma espécie de ponte, a apegada, e agarrar a espadela que serve de remo e leme, mas foi logo avisado por uma voz:
- Se quiser fazer uma viagem nos nossos barcos, inscreva-se à entrada. Estes barcos expostos não podem ser visitados por dentro sem autorização prévia.
Um novo filme mostrava a construção e navegação do barco Rabelo, um barco de espadela - ramo que governa o barco e está sujeito a um eixo tornel. Possui, ainda, dois remos de cada lado e fundo chato - o sagro - constituído por um número ímpar de tábuas.
O narrador do filme defendia a sua origem Sueva, Visigótica ou até Viking. Transportava vinho, lenha, madeira, carvão, fruta, palha, batata e outras mercadorias. A vida a bordo do Rabelo era árdua e trabalhosa, existindo, então, uma espécie de hierarquia de comando. Para um barco de50 a 60 pipas, a tripulação era constituída por treze pessoas. A confecção da comida estava a cargo do moço e do vinhateiro que, também, zelava pelo vinho e pelos víveres. Grande parte das refeições eram à base do caldo e do peixe pescado pelos próprios, além de pão e vinho.
A certa altura, via-se um barcoem dificuldades. Para não encalhar tinha que ser puxado à “sirga”, ou seja da parte da terra, com a ajuda de bois. Com uma buzina, búzio ou corno, os tripulantes do barco, em aflição, chamavam os lavradores para levarem os bois até junto do barco e o puxarem com cordas.
Os perigos do rio, difícil de navegar, levava os marinheiros a construir nos locais mais perigosos imagens de santos aos quais pediam a protecção. Transportavam, também, por vezes, uma caixa com as "Alminhas" do barco, onde depositavam a sua esmola, agradecidos, depois de terem sido salvos de algum perigo.
O narrador do filme defendia a sua origem Sueva, Visigótica ou até Viking. Transportava vinho, lenha, madeira, carvão, fruta, palha, batata e outras mercadorias. A vida a bordo do Rabelo era árdua e trabalhosa, existindo, então, uma espécie de hierarquia de comando. Para um barco de
A certa altura, via-se um barco
Os perigos do rio, difícil de navegar, levava os marinheiros a construir nos locais mais perigosos imagens de santos aos quais pediam a protecção. Transportavam, também, por vezes, uma caixa com as "Alminhas" do barco, onde depositavam a sua esmola, agradecidos, depois de terem sido salvos de algum perigo.
Mais à frente, estavam os barcos de travessia e mais um filme na parede, mostrava um indivíduo a chamar:
“Ó barqueiro traz cá o barco,
Traz também a amarração...
Que eu quero atravessar
De Avintes para Valbom!”
Traz também a amarração...
Que eu quero atravessar
De Avintes para Valbom!”
Este filme referia as barcas de travessia e os barcos que aproveitavam o rio para levar os produtos ao Porto, quer eles fossem, pão, carne, ou carvão.
Como barcos de passagem para a travessia entre Gondomar e Gaia, eram, por vezes, conduzidos pelas barqueiras e mediam cerca de 7,5 metros. Neste caso, o rebordo falso era calafetado e munido de um resguardo para evitar a entrada da água. Podiam ter também coqueiro, que era uma cobertura protectora. Ribeira de Abade, em Valbom, hoje um importante centro piscatório, foi um dos pontos onde existiam mais barcos, mas havia outros locais, já que Gondomar estava, através do rio, em estreita ligação com o Porto onde decorria a mais importante vida económica da região.
- Hoje um importante centro piscatório? – interrogou-se o Afonso. Meia dúzia de pescadores, foi o que me disseram na última vez que lá fui e não dava para o trabalho!
- Pois é uns barquitos na praia suja e um barracão a servir de bar a uns velhotes que jogavam cartas! – completou o Rui.
- Eu acho é que estão a esquecer qualquer coisa! – exclamou o Vasco enigmaticamente.
Uma outra zona prestava homenagem aos construtores de barcos.
Uma outra zona prestava homenagem aos construtores de barcos.
Um novo filme destacava um artesão, chamado Mestre Arnaldo, ou Arnaldo Pereira, nascido em Vilar de Andorinho, Vila Nova de Gaia, a 9 de Março de 1911, numa família de construtores de barcos e falecido já na casa dos oitenta anos. Estabelecido em Melres a construir barcos, participou em inúmeras feiras de artesanato a fim de dar a conhecer os seus barcos.
Esta arte foi continuada por Manuel Joaquim Moreira de Sousa, mais conhecido por Nelito do Sr. Albertino e mais tarde por Vasco Magalhães Moreira, também de Melres e tantos outros. Todos mantiveram o seu estaleiro em Vilarinho que, desde então até hoje, se tornou um centro construtor destes barcos.
Outra sala fazia a ligação da pesca à ourivesaria.
Aí podiam-se observar, em filigrana, as embarcações que os ourives, viam a navegar no rio, sobretudo o barco rabelo em diversas variações. Um filigraneiro ensinava a fazer os finos ss e o Afonso quis logo experimentar, seguido dos outros dois amigos.
- O meu avó foi filigraneiro – elucidou o Afonso – em casa temos algumas peças em filigrana – caravelas, barcos rabelos e outras coisas. Aliás a caravela é o símbolo de Gondomar, embora ultimamente se tenha visto mais o coração.
Entretanto, o Vasco chamava:
- Venham ver esta sala, tem muitas redes de pesca!
- Eu já vi redes destas noutros museus - observou o Afonso, que já tinha ido ao Museu Marítimo de Ílhavo e à Estação Litoral da Aguda- ELA.
Mas aqui, neste local, aparecia tudo muito mais perto das pessoas e a acção era a três dimensões, era como se os três se sentissem, eles próprios, a pescar com as diversas redes: - o Alar, rede triangular bastante comprida, para a lampreia; o Camaroeiro ou Conchinha, saco de rede, ligado a um cabo e que servia para o sável, lampreia; savelha; o Tresmalho ou Vanda, redes de três panos sobrepostos, também para o sável, lampreia e savelha; a Varga, Varina ou barga, rede de arrasto de linho com um único pano de emalhar e grande cortiçada na tralha superior e a inferior ligada ao lastro, feito de pedaços de barro vermelho, usadas para o sável, savelha, solha, sempre a arrastar do rio ou mar para a terra para o que tem cordas amarradas; a Espinhela que é lançada começando por enterrar, perto da margem, uma estaca, com cerca de meio metro onde se amarra uma corda e na outra extremidade prende-se com um fio uma pedra com cerca de um quilo que é para assentar no fundo. Esta é atirada ao rio esticando a corda. A linha com cerca de duzentos metros tem um anzol de dez em dez e isca-se com minhoca, camarão ou sardinha. No final deste aparelho, amarra-se uma bóia para saber onde ficou. É usada para peixes de tamanho médio: enguia, robalo e tainha.
- Puxa, usam camarão para servir de isca! Agora é que ia um pratinho de camarão cozido à maneira! – exclamou o Rui.
- Só pensas em comida, ó magricela! – criticaram os dois amigos.
Por fim, pararam junto do instrumento que mais conheciam, a Cana de Pesca para peixes pequenos.
- Peixes pequenos! – exclamou o Vasco – uma vez o meu tio pescou um peixe quase do meu tamanho!
- Tu viste? – perguntou o Rui
- Não, mas ele disse-me! – respondeu o Vasco.
- Olha que os pescadores têm por mania mentirem!
- Olha que o meu tio não mente, ein – rematou o Vasco, com um gesto agressivo.
- Vá calem-se, não se vão pegar pelo tamanho de um peixe, pois não! Se pescou, pescou e depois! – rematou o Afonso.
Também não tiveram tempo de prosseguir a discussão, porque o locutor ensinava, agora, como eram as armações de pesca, as Pesqueiras, que existiram, em tempos, ao longo do rio.
Em Valbom existiam, até ao início do século XX, em: Lavandeira; Perlonga e na Quinta do Casal da Vinha.
Numa outra zona, recriava-se um aquário com as espécies mais vulgares no rio: Barbo – Barbus; Enguia – Anguilla; Boga – Chondrstoma Polylepsis; Escalo – Leuciscus; Truta - Salmo Gairdneri - Salmo Gairdner - truta arco-íris; Lampreia - Lampetra Fluvialis ; Sável – Clupeia Alosa; Solha - Flesua Vulgaris; Tainha - Mugil Capito; Muge - Mugil Auratus.
- Agora é que era só pescar e ir para o tacho – exclamou a brincar o Rui.
Logo uma voz lhes respondeu.:
- Podem pescar aqui o peixe que quiserem e comê-lo no nosso restaurante. Podem até ajudar a cozinhá-lo!
- Ein, será que estou a ouvir bem? – questionou o Rui, cada vez mais perplexo.
Em frente, outra sala, quer dizer, mais uma espécie de restaurante, era dedicada à gastronomia. Um colaborador do restaurante entregou - lhes um folheto com receitas, em papel reciclado.
- A culinária gondomarense, sobretudo das zonas ribeirinhas, foi, desde sempre, muito apreciada. A literatura do século XIX, refere o hábito da burguesia portuense ir ao peixe frito a Valbom - leu o Afonso.
Perguntou, então, o Rui:
- Será que podemos experimentar uma lampreia de molho ou um sável no espeto, já estou a ficar com um ratito no estômago? E pescá-las ali no aquário era emocionante!
Na verdade um grupo tentava pescar um sável, mas a partida estava difícil. É que, naquela parte, o aquário comunicava directamente com o rio e os peixes poderiam fugir facilmente. Se a refeição dependesse da sua pescaria, ainda iriam passar fome. Mas logo, um indivíduo elucidou que caso a pescaria não tivesse êxito, havia já um peixe fresco, pronto a ser cozinhado!
O Rui ficou, então, mesmo entusiasmado.
- Vamos, vamos tentar e depois almoçamos! – exclamou.
- Ó Rui, achas que temos dinheiro para isso! Eu estou é a ficar muito confuso com isto tudo! – desabafou o Afonso.
À saída publicitavam-se viagens no rio para observar estes peixes, numa espécie de submarino, movido a energia hidráulica, ou então viagens em cada um dos barcos expostos, onde se podia pescar.
- Quem é que tem dinheiro? Vamos inscrever-nos – sugeriu, agora, o Vasco.
Logo apareceu uma senhora simpática que lembrou aos três amigos que só poderiam participar nas viagens acompanhados por um adulto, o que os desanimou.
- Que injustiça! – exclamaram os três ao mesmo tempo.
Uma outra sala era dedicada a jogos – pesca virtual e filmes reais de pescarias.
Os três amigos pegaram logo na cana de pesca para jogar.
A meio da pescaria de um grande sável, o Afonso lembrou – se:
- Mas aquele que estavam a pescar lá fora não era um sável? Vamos ver? - sugeriu.
À saída viram uma placa que dizia “ Dia 5 de Junho de 2200, Dia Mundial do Ambiente, comemorativo dos 100 anos da assinatura do protocolo de Kyoto pelos Estados Unidos”.
Os três amigos olharam para os bilhetes que o recepcionista lhes tinha dado à entrada e dizia a mesma coisa. O papel era de certeza reciclado! (...)
Valboeiro
Nassa para a pesca da lampreia, M. Penafiel